quinta-feira, 11 de maio de 2017

Intolerância à Lactose: História, Genética, Prática Clínica, Diagnóstico e Tratamento (Parte 3)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo
(I-Gastroped)

Má Absorção x Intolerância

Má Absorção é um problema fisiológico que pode se manifestar ou não como intolerância à Lactose e é devida a um desequilíbrio entre a quantidade de Lactose ingerida e a capacidade disponível de Lactase para hidrolisar o substrato (reação enzima x substrato).

Intolerância é uma síndrome clínica caracterizada por um ou mais dos seguintes sintomas: dor abdominal, diarreia, náusea, flatulência e/ou distensão abdominal após a ingestão de leite ou de substâncias contendo Lactose. A quantidade de Lactose que poderá causar sintomatologia varia de indivíduo para indivíduo, dependendo da quantidade ingerida, do grau de deficiência de Lactase, e também da forma da substância na qual a Lactose está presente.

Figura 33- Diagnóstico diferencial entre Intolerância à Lactose e Alergia à Proteína do Leite de Vaca.

Deficiência Congênita de Lactase: rara, autossômica recessiva, potencialmente letal em épocas que não existiam substitutos para o leite. A histologia da mucosa é normal, assim como a atividade das demais enzimas digestivas.  Quando presente, manifesta-se logo após o nascimento com diarreia osmótica, que cessa com a retirada da Lactose da dieta.

Deficiência de Lactase do Desenvolvimento: deficiência relativa de Lactase observada entre recém-nascidos prematuros menores de 34 semanas de gestação.

Deficiência de Lactase do Desenvolvimento: deficiência relativa de lactase observada entre recém-nascidos prematuros menores de 34 semanas de gestação.

Deficiência Primária de Lactase: ausência relativa ou absoluta de Lactase a qual inicia seu desenvolvimento durante a infância, em idades variáveis, em distintos grupos étnicos; é a causa mais comum de má absorção e de intolerância à Lactose. A deficiência primária de Lactase é também denominada Hipolactasia Tipo Adulto ou Deficiência Hereditária de Lactase.

Deficiência Secundária de Lactase: é a deficiência de Lactase que resulta de uma lesão da mucosa do intestino delgado, tal como na diarreia aguda ou persistente, certas parasitoses intestinais (Giardíase), sobrecrescimento bacteriano, ou outras causas de agressões à mucosa do intestino delgado; pode ocorrer em qualquer idade, porém, é mais comumente observada nos lactentes e pré-escolares.

Figura 34- Lesão do enterócito do tipo attaching-effacement provocada por cepa de Escherichia coli enterro-aderente que acarreta grave intolerância à Lactose e inclusive a outros carboidratos da dieta. Visualização em microscopia eletrônica de transmissão, grande aumento.

Figura 35- Morfologia do Rotavirus agente mais prevalente de diarreia aguda e que pode acarretar intolerância secundária à Lactose.

Figura 36- Trofozoitas de Giardia presentes na luz do intestino delgado em contiguidade com a superfície do enterócito, também pode ser causa de intolerância secundária à Lactose.

Figura 37- Enteropatia ambiental causa importante de intolerância secundária à Lactose.

Figura 38- Esquema representativo da ação patogênica dos sais biliares secundários sobre a mucosa do intestino delgado.

Figura 39- Fisiopatologia dos sais biliares na presença de sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado.

Figura 40- Intolerância secundária à Lactose provocada pelo sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado.

Figura 41- Fisiopatologia da diarreia osmótica causada pela intolerância secundária à Lactose.

Manifestações Clínicas

Há diversos fatores envolvidos no surgimento dos sintomas da intolerância à Lactose, a saber: a) relação substrato x enzimas; b) capacidade funcional da lactase; c) idade; d) sensibilidade visceral; e) anormalidades motoras do intestino. 

Figura 42- Representação esquemática das consequências da intolerância secundária à Lactose.

·        Métodos Diagnósticos
      
     ·        Direto:

- Dosagem da atividade da Lactase em fragmento de mucosa intestinal

Baseia-se na determinação de atividade enzimática em fragmentos da mucosa intestinal obtidos por biópsia perioral com cápsula de Watson ou por pinça endoscópica. Por ser um método invasivo, trabalhoso e que avalia a atividade enzimática apenas em pequenos fragmentos da mucosa, o que pode não refletir o total da atividade enzimática ao longo de todo o intestino delgado, sua indicação tem sido reservada somente para fins de pesquisa ou nos raros casos em que se suspeita de deficiência congênita das dissacaridases. Nesses casos, o encontro da deficiência isolada de uma das dissacaridases, na presença de mucosa intestinal integra, confirma o diagnóstico.  

      Indiretos:
-         Avaliação dos sinais e sintomas clínicos após a ingestão de Lactose
-         Testes de análises fecais (determinação do pH fecal e pesquisa de substâncias redutoras nas fezes)

Considera-se intolerância à Lactose o achado de pH≤ 5 nas fezes, por meio de fitas de pH com valores que variam de 1 a 10, e a presença de substâncias redutoras ≥ 0,5g%, (lembrar que RNs em Aleitamento Materno Exclusivo podem apresentar pH fecal ≤ 5 sem significar qualquer doença e nem sempre existe correlação entre os valores de pH e as substâncias redutoras, pois, se os açúcares redutores forem totalmente metabolizados pelas bactérias intestinais, o pH poderá ser baixo e as substâncias redutoras, ausentes).

Figura 43- Demonstração prática da pesquisa do pH e das substâncias redutoras nas fezes.

-         Testes de absorção/tolerância à Lactose (sanguíneo e respiratório do hidrogênio no ar expirado) 

      O paciente deve estar em jejum de 6-8 horas. Inicialmente coleta-se uma amostra de sangue em jejum para dosagem basal da glicemia. Em seguida, o paciente deve ingerir uma solução aquosa de lactose a 10%, à dose de 2 gramas/kg de peso (máximo 25 gramas). Amostras de sangue capilar devem ser obtidas aos 15, 30, 60, 90 e 120 minutos após a ingestão da solução aquosa. Em condições normais os valores glicêmicos em algum momento do teste devem-se elevar acima de 20 mg% em relação à glicemia de jejum. O incremento da glicemia depende, além da absorção dos subprodutos da Lactose (glicose e galactose), da velocidade do esvaziamento gástrico e do consumo periférico da glicose.

Figura 44- Representação esquemática da fisiopatologia da má absorção à Lactose.

Este teste tem sido cada vez menos utilizado, por não reproduzir as condições fisiológicas de digestão e absorção; quando a Lactose encontra-se em solução aquosa, o esvaziamento gástrico é mais rápido, acarretando possíveis resultados falso positivos para má absorção.


Quando a Lactose é ingerida na forma de leite, por este nutriente conter gordura, pode ocorrer retardo no esvaziamento gástrico, o que favorece a tolerância, diferentemente do que ocorre no teste com a solução aquosa.

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