Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo
(I-Gastroped)
- Prevalência da Persistência da atividade da Lactase na vida adulta
Por
outro lado, contrariando as expectativas genéticas naturais de restrição da
atividade da Lactase, inúmeras
pesquisas têm demonstrado que existem 2 fenótipos geneticamente programados, a
saber: “Lactase Restrição”
(Hipolactasia) (LR) e “Lactase
Persistência” (LP). Vale ressaltar que a LP não está necessariamente condicionada ao consumo diário de
produtos lácteos após o desmame.
Figura
16- Representação esquemática da indução de um determinado gene, como por
exemplo, no caso da persistência de produção da Lactase.
Em
decorrência desta mutação genética há um número significativo de indivíduos
adultos que conservam a capacidade de digerir a Lactose, o que representaria uma inovação evolutiva “anormal”.
Figura
17– Modificação na estrutura cromossômica que possibilitou a persistência da
atividade da Lactase na vida adulta
em determinadas etnias.
A
capacidade que alguns grupos étnicos adquiriram para a Persistência da
Lactase após o período da amamentação e que se torna Permanente é
explicada por uma mutação genética baseada na “Hipótese Histórico-Cultural”.
• Hipótese
Histórico-Cultural
As
populações coletoras-caçadoras anteriores ao Período Neolítico (Neolítico ou Período da Pedra
Polida: 10.000 A.C. - sedentarização e surgimento
da agricultura - 3.000 A.C. - Idade dos Metais) eram intolerantes à Lactose. Estudos genéticos sugerem que
as mutações mais antigas associadas com a persistência da Lactase somente alcançaram níveis apreciáveis nos seres humanos nos
últimos 6 mil anos.
A
persistência da Lactase é um exemplo
recente de duas evoluções: a) traço genético e b) traço cultural,
domesticação e acasalamento dos animais.
A distribuição geográfica dos indivíduos Lactase
Persistente (LP) correlaciona-se fortemente com a difusão da domesticação
do gado. Aproximadamente entre 5 e 10 mil anos o haplotipo do gene da Lactase
sofreu uma enorme pressão seletiva. Esse período coincide com a disseminação da
atividade pecuária. Como a atividade pecuária originou-se na Europa, seus
habitantes foram expostos a um aumento da oferta de produtos lácteos contendo Lactose,
o que resultou em uma seleção natural positiva.
A PL
na vida adulta desenvolveu-se em 2 áreas geográficas de forma independente:
A. No norte da Europa, nas regiões do
Báltico e do Mar do Norte (Escandinávia, Alemanha e Grã-Bretanha).
Figura
18- Mapa dos diferentes locais aonde os Vikings invadiram ao longo dos tempos.
Figura
19- Mapa dos territórios percorridos pelos Vikings.
• Razões
que justificaram a utilização do leite na Escandinávia, na vida adulta:
1. Clima
extremamente inóspito (frio excessivo e baixa exposição à luz solar reduz a
produção de vitamina D pelo corpo).
Figura
20- Glacial da Noruega, entre Oslo e Bergen, um exemplo típico de clima
inóspito vivenciado por seus habitantes.
2.
Disponibilidade de Vitamina D e absorção de
cálcio.
Figura
21- Vista panorâmica de Bergen, Noruega, no auge do verão nos poucos meses do
ano em que as temperaturas são mais amenas.
3. Raquitismo
e osteomalacia. Deformidades pélvicas causavam partos mais difíceis: extinção
gradual da colônia Viking da Islândia.
4. A
mutação LAC*P permitiu que os
adultos usassem uma fonte excelente de cálcio, posto que a Lactose facilita sua absorção.
5. O
fato do leite ser uma substância líquida, pela facilidade de transporte,
proporcionou a possibilidade de que os adultos viessem a consumi-lo em grandes
quantidades, o que resultou em uma forte vantagem seletiva.
Figura 22- Imagem de um típico guerreiro Viking
tolerante à Lactose, cuja carga genética disseminou a PL em todas
as terras conquistadas, em especial o norte da Europa.
B. No norte da África na região do Saara
Em
situação geográfica e climática totalmente opostas também surgiram etnias com
carga genética PL, e isto
ocorreu nas áridas terras da Arábia, Saara e Sudão. Nestas regiões a PL
está caracterizada somente nas populações nômades altamente dependentes de
camelos, tais como os Beduínos, os Tuareg do Saara, os Fulanis da África
Oriental, os Bejas e Kabbabish do Sudão.
Figura
23- Beduínos na região do Saara, outro exemplo de etnia com carga genética PL.
Em
contraste, as populações urbanas e agrícolas do entorno, quer sejam árabes,
turcos, iranianos ou africanos, apresentam taxas muito baixas de PL.
· O
gene Lactase autossômico dominante e a tolerância à Lactose na vida adulta
Hirschhorn
e cols., em 2004, descobriram que a PL
se deve à presença de um haplotipo composto por mais de 1 milhão de pares de
base de nucleotídeos, incluindo o gene
Lactase. A presença deste gene é que determina a PL. Atualmente, este haplotipo pode ser encontrado em 80% dos
europeus e dos americanos que possuem ancestrais europeus.
Figura
24- Representação esquemática do gene LAC*P.
A
persistência da produção da Lactase
é controlada por um gene autossômico
dominante, de alta expressão do RNA-m,
denominado LAC*P.
Indivíduos
que herdam alelos LAC*P dos seus
pais mantém a produção da Lactase na
vida adulta, enquanto que aqueles que herdam os alelos LAC*R deixam de produzir Lactase
na vida adulta. Heterozigotos recebem diferentes alelos LAC*P/LAC*R e mantém a capacidade de digerir a Lactose.
Figura
25- Exemplos característicos de fenótipos tipicamente de carga genética LAC*P.
Figura
26- Jovens adultas da região do Tirol, Austria, etnia com elevado percentual de
capacidade de tolerância à Lactose.
Figura
27- Crianças em idade escolar da região do Tirol, Austria, etnia com elevado
percentual de capacidade de tolerância à Lactose.
Os
resultados destes estudos mostraram que as mulheres homozigotas para o alelo C
apresentaram indicadores de saúde mais desfavoráveis do que aquelas mulheres
que apresentaram alelos TC e/ou TT. As mulheres que eram CC relataram taxas
mais elevadas de fraturas do colo do fêmur e do punho, bem como de osteoporose
e de catarata. Os autores concluíram que os melhores indicadores de saúde das
mulheres com alelo T foi beneficiada pela presença da LP.
• Benefícios
da Persistência da atividade da Lactase
Smith
e cols., em 2009 na Inglaterra, investigaram os efeitos dos alelos codificados
para LP sobre a saúde das mulheres.
Selecionaram de forma randomizada mulheres que possuíam os alelos CC (não
produtores de Lactase) e, mulheres
que possuíam 1 ou 2 alelos T que indicam LP.
Foram analisados inúmeros aspectos destas mulheres, a saber: metabólicos, nível
socioeconômico, estilo de vida e taxas de fertilidade.
Figura
28- A Inglaterra também fez parte da invasão Viking.
Figura
29- Jovem tolerante à Lactose.
Figura
30- Idosa tolerante à Lactose.
• Conclusões
Má
absorção e/ou intolerância à Lactose
deve ser considerada uma condição “normal”
nos indivíduos adultos posto que este comportamento ocorre em cerca de 75% da
população mundial. Isso se deve porque o gene
LAC*R é autossômico recessivo e está programado para a deficiência de Lactase a partir do quinto ano de vida.
Figura
31- Vilarejo na China aonde o consumo de leite não faz parte dos hábitos
alimentares dos adultos.
Por
outro lado, uma mutação genética baseada na “Hipótese Histórico-Cultural” possibilitou o surgimento do gene LAC*P, autossômico dominante que
condiciona a capacidade da persistência da produção da Lactase, ao longo de toda a vida dos indivíduos pertencentes a
determinados grupos étnicos.
Figura
32- Família do norte da Europa aonde o leite é parte integrante e importante
alimento dos hábitos alimentares em todas as fases da vida.
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