A
Esofagite Eosinofílica (EEo) foi descrita pela primeira vez na literatura médica
em 1977 em um paciente adulto que apresentava disfagia e apenas alguns mínimos
sintomas da Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRG), e, além disso, foi
demonstrada intensa eosinofilia na biópsia esofágica. Em 1993, Attwod e cols.
(Dig Dis Sci 1993;38:109-16) relataram 11 adultos que sofriam de disfagia e
apresentavam pHmetria esofágica normal, mas referiam mais de 20 eosinófilos por
campo de grande aumento (cga), enquanto que um grupo controle de pacientes com
DRG apresentava 3,3 eosinófilos/cga. Em 1995, Kelly e cols. (Gastroenterology
1995;109:1503-12) sugeriram a etiologia alérgica para a EEo em um relato de 10
crianças com eosinofilia esofágica que não responderam ao tratamento
anti-refluxo, mas sim, apresentaram resposta favorável ao uso de fórmulas à
base de mistura de aminoácidos.
Nas
crianças, particularmente nos lactentes, a EEo costuma se manifestar com
sintomas que podem ser similares à DRG, incluindo vômitos, irritabilidade,
recusa alimentar e dor retroesternal. As crianças maiores e os adolescentes, além dessas
manifestações podem também queixar-se de disfagia ou impactação alimentar,
sintomas esses que se tornam mais típicos do que aqueles vivenciados por
adultos. O tratamento destes pacientes com drogas inibidoras da bomba de próton
não costuma ser exitoso ao menos que a DRG seja coexistente. Estes fatos fazem
com que o diagnóstico de EEo seja geralmente retardado e o intervalo médio entre
o início dos sintomas e a realização da primeira endoscopia tem sido verificado
ser de 3 anos.
Histologicamente,
o diagnóstico da EEo também pode apresentar dificuldades. A hiperplasia das
células basais e o prolongamento do tecido conetivo das papilas são observados
em ambas as patologias, EEo e DRG. Eosinófilos podem estar presentes na mucosa
esofagiana na DRG embora geralmente em número menor do que 5 eos/cga. Por outro
lado, o limiar de eosinófilos intra-epiteliais utilizados para definir a EEo tem
apresentado uma variação de 5 a 30 eos/cga. Por estes motivos tem ocorrido uma
preocupação a respeito de uma possível sobreposição no diagnóstico entre EEo e
DRG nos casos em que os números de eosinófilos estão mais reduzidos. Outro
fator de confusão tem sido a variabilidade dos números de eosinófilos entre os
locais das biópsias realizadas. Estas potenciais dúvidas levaram os experts a
definir EEo como uma enfermidade clínico-patológica caracterizada por sintomas
clínicos e rotulada pela existência de eosinofilia esofágica isolada a despeito
do uso dos inibidores da bomba de próton. Um recente consenso internacional,
baseado na revisão da literatura, recomenda o limiar de 15 eos/cga para
caracterizar o diagnóstico de EEo.
No
número de Fevereiro de 2011 do Journal of Pediatric Gastroenterology and
Nutrition (JPGN 2011; 52: 147-153) foi publicado um interessante trabalho
realizado por Jean P. Li-Kim-Moy e cols. de Sydney, Austrália, intitulado
“Esophageal Subepithelial Fibrosis and Hyalinization Are Features of Eosinophilic
Esophagitiis”, o qual busca oferecer mais uma evidência para proporcionar a
diferenciação entre EEo e DRG. A seguir, transcrevo os principais tópicos do
referido artigo.
Introdução
A
fibrose sub-epitelial da lâmina própria tem sido cada vez mais pensada ser
parte do processo patogênico relacionada à reparação tecidual consequente ao
infiltrado celular inflamatório da submucosa. Assim sendo, a fibrose seria a
responsável por alguns aspectos clínicos da EEo, tais como, disfagia e formação
de estenose. Biópsias endoscópicas esofagianas obtidas rotineiramente somente
ocasionalmente contêm suficiente tecido para alcançar a lâmina própria, o que
tem sido um fator limitante desta investigação na maioria das vezes. Chehade e
cols. (JPGN 2007;45:319-28) pesquisaram especificamente pacientes cujas
biópsias continham a lâmina própria e sugeriram que a fibrose sub-epitelial
seria um achado específico na EEo, estando presente em 57% dos seus 21 pacientes
em comparação com 0 de 6 pacientes com DRG e 1 de 17 pacientes controle. O
presente estudo teve por objetivo, através de uma revisão retrospectiva dos
prontuários médicos, avaliar os dados demográficos, sintomas e achados
endoscópicos e histológicos de fibrose sub-epitelial em um grupo de pacientes
que sofriam de EEo e DRG nos últimos 3 anos cujas biópsias incluíram tecido
sub-epitelial. O objetivo primário foi estabelecer as taxas de fibrose
sub-epitelial nos grupos de pacientes com EEo e DRG, e, também avaliar a
utilidade deste marcador como algo específico para o diagnóstico de EEo. Outro
objetivo foi caracterizar as crianças com EEo e avaliar a relação da fibrose aos
sintomas, intensidade da enfermidade e os achados endoscópicos.
Pacientes
e Métodos
Pacientes
Foram
analisadas 358 biópsias esofágicas em todas aquelas cujo relatório diagnóstico
havia referencia ao tecido sub-epitelial, tanto em pacientes com EEo e como na
DRG. Definiu-se EEo como a apresentação de no mínimo 15 eos/cga, enquanto que
DRG menos de 15 eos/cga. Todos os pacientes apresentaram história de queixa
gastrointestinal que necessitaram de diagnóstico endoscópico.
Dados Coletados
As
anotações clínicas de todos os pacientes foram revisadas incluindo as seguintes
informações: sexo, idade, sintomas presentes incluindo vômitos, irritabilidade,
dor, recusa alimentar, disfagia ou impactação alimentar. Achados endoscópicos
tais como: estrias longitudinais, placas esbranquiçadas, eritema, anéis, ulceração e
espessamento da parede também foram pesquisados. Os achados histopatológicos
incluíram a presença ou ausência de fibrose sub-epitelial. História prévia de
alergias e testes de investigação realizados também foram analisados.
Avaliação histológica
A
avaliação foi realizada levando-se em consideração a contagem de eosinófilos na
mucosa esofágica para assegurar a correta inclusão dos pacientes em um dos dois
grupos estudados, EEo e DRG. Outros aspectos histopatológicos, tais como,
hiperplasia das células basais paraqueratose e prolongamento do tecido conetivo
das papilas, foram estudados. A lâmina própria de todas as biópsias foi
examinada para avaliar a presença ou ausência de fibrose e a presença de
qualquer tecido linfoide associado.
Resultados
Características dos pacientes
Foram
identificados 27 pacientes com EEo e 24 com DRG de acordo com os critérios
anteriormente propostos. A comparação entre os achados clínicos, endoscópicos e
histológicos, entre os grupos investigados, está descrita na Tabela 1.
Achados endoscópicos
Anormalidades
endoscópicas foram observadas em 15 (63%) dos 24 pacientes com DRG. Os achados
endoscópicos mais comuns foram eritema e espessamento da parede esofágica. Em
contraste, anormalidades endoscópicas foram vistas em 26 (96,3%) dos 27
pacientes com EEo. Espessamentos da parede esofágica e estrias longitudinais
foram vistas em 52% dos pacientes. Placas esbranquiçadas (29,6%), eritema (25,9%), anéis
(14,8%), e estenoses (14,8%) foram os outros achados endoscópicos observados.
Achados histológicos
Fibrose
sub-epitelial da lâmina própria estava presente em 24 (89%) dos 27 pacientes
com EEo e em apenas 9 (37,5%) dos 24 pacientes com DRG, diferença altamente
significativa.
A
fibrose presente no grupo com EEo consistiu em um padrão densamente uniforme de
fibras colágenas no interior da lâmina própria, geralmente associadas, com
aparência hialinizada e com perda da habilidade de diferenciar fibras
individualizadas (Figura 1).
Não
houve associação entre fibrose e tecido linfoide. Por outro lado, a fibrose
demostrada nas biópsias no grupo com DRG mostrou-se marcadamente diferente
(Figura 2).
Em 7
dos 9 pacientes com DRG, que apresentavam fibrose na lâmina própria, esta
mostrou-se associada com tecido linfoide (Figura 3).
Sintomas alérgicos
Uma
maior proporção dos pacientes com EEo relatou problemas atópicos do que aqueles
com DRG (Tabela 2).
Comparação
entre as crianças com fibrose sub-epitelial e as crianças sem fibrose
sub-epitelial.
A
comparação entre as características clínicas e endoscópicas dos pacientes estão
descritas na Tabela 3.
Conclusões
Os
autores concluem que a fibrose sub-epitelial é um marcador histológico
específico associado à EEo, prontamente identificável quando a lâmina própria
está presente na biópsia. A fibrose sub-epitelial representaria um processo de
reconstrução secundária à infiltração eosinofílica da mucosa e outros possíveis
eventos patológicos. Ela está significantemente associada com uma população de
pacientes com idades mais avançadas que sofrem de EEo, com tendência de duração
mais longa dos sintomas e tudo indica estar associada com o desenvolvimento de
sintomas futuros de disfagia e impactação alimentar. A presença de fibrose
sub-epitelial deve auxiliar na confirmação da EEo e alertar o clínico para
monitorar rigorosamente os sintomas de progressão da enfermidade ou de suas
complicações, tais como dismotilidade esofágica ou estenose.
Meus
Comentários
O
presente estudo teve como objetivo caracterizar uma população de crianças que
sofrem de EEo e avaliar a prevalência da fibrose sub-epitelial neste grupo de
pacientes e compará-los com um grupo equivalente de crianças que apresentam a
DRG, sendo que em ambos os grupos as biópsias obtidas continham tecido
sub-epitelial. A fibrose sub-epitelial mostrou-se nitidamente mais frequente no
grupo EEo do que no grupo DRG (89% vs. 37,5%), sendo que, inclusive, os aspectos
da fibrose detectadas no grupo EEo apresentaram diferenças acentuadas em
comparação com aqueles detectados no grupo DRE. Vale salientar que a presença
da fibrose no grupo EEo esteve associada com o aumento da idade e também com o
tempo de duração dos sintomas, tendo, portanto, uma nítida característica de um
processo evolutivo. Admite-se que a EEo é o resultado de uma resposta
imunológica anormal aos alergenos dietéticos e/ou respiratórios. As citocinas
TH2, tais como a interleucina (IL)-5, a eotaxina-3 liberada pelos eosinófilos e
o fator de necrose tumoral alfa contribuem de forma decisiva para a
fisiopatologia da EEo. Admite-se que a fibrose esteja relacionada com a
progressão do processo inflamatório, e que este achado pode estar diretamente
relacionado com as manifestações de disfagia e impactação alimentar descritos
em crianças maiores e adolescentes. O desenvolvimento da fibrose sub-epitelial
poderia afetar a motilidade esofágica levando, assim, inicialmente à
manifestação de disfagia e mais a longo prazo resultar em estenose esofágica.
Tudo isto ainda são temas especulativos que necessitam maior comprovação
científica, mas de qualquer maneira já se desenha um caminho a ser trilhado,
para melhor se conhecer os mecanismos íntimos da gênese desta enfermidade, cuja
prevalência tem aumentado significativamente em todo o globo terrestre.
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