Ana Catarina Gadelha de Andrade &
Ulysses Fagundes Neto
FIBROSE
CÍSTICA
A fibrose cística (FC) é causada por uma mutação
autossômica recessiva do gene regulador da condutância transmembrana da fibrose
cística (CFTR) localizado no cromossomo 7.
A pancreatite é uma complicação rara (2%) na evolução de
pacientes com FC. Pode ocorrer de forma aguda, isolada ou recorrente, ou
evoluir para a cronicidade com destruição progressiva da glândula.
Os dois mecanismos pelos quais a disfunção do CFTR leva a
episódios de pancreatite são a produção de secreção viscosa com déficit de água
e bicarbonato, tamponando os ductos pancreáticos, e o processo inflamatório
associado.
Na tabela 3, abaixo estão descritos os pacientes de
acordo com suas características clínicas e genotípicas em relação ao número de
episódios de pancreatites.
Tabela
3
PANCREATITE
HEREDITÁRIA
Para se estabelecer o diagnóstico da PC hereditária, é
necessário descartar qualquer outra causa detectável de PC, e o paciente deve
ter um parente de primeiro ou segundo grau com PC comprovada.
A descoberta de pancreatite associada a mutações do gene
tripsinogênio catiônico (PRSS1), em 1996, demonstrou que o tripsinogênio
desempenha um papel central na patogênese da pancreatite humana. Estas mutações
afetam o equilíbrio das proteases e seus inibidores no interior do pâncreas,
levando à autodigestão do órgão. O risco de câncer de pâncreas com uma mutação
PRSS1 parece ser elevada.
A PC hereditária é definida como uma doença autossômica
dominante com uma penetrância de 80%, e manifesta-se tipicamente em uma idade
mais avançada. Calcificação pancreática e Diabetes
mellitus são complicações menos freqüentes, em relação à PC alcoólica.
Figura
6- Modelo da pancreatite hereditária. No pâncreas normal (esquerda) a tripsina
que é prematuramente ativada no interior do pâncreas é inibida pelo SPINK1, e,
em uma segunda linha pela tripsina e pela mesotripsina, o que previne sua
autodigestão. Na pancreatite hereditária (direita), mutações no PRESS1 ou no
SPINK1 acarretam um desequilíbrio das proteases e suas inibidoras, resultando
em autodigestão. O papel do CFTR é pouco conhecido.
PANCREATITE
TROPICAL
A pancreatite tropical é uma forma especial de PC, que
ocorre em países em desenvolvimento na Ásia, África e América Central. É
prevalente em crianças e adolescentes e é caracterizada por dor abdominal,
calcificação pancreática e diabetes. O mecanismo patogenético é semelhante às
outras formas de PC, ou seja, uma lesão aguda causa necrose seguida por fibrose
(hipótese necrose-fibrose). No entanto, as causas da lesão pancreática inicial seriam
devidas a alguns fatores específicos, tais como: desnutrição grave, consumo de
glicosídeos cianogênicos da mandioca,
estase pancreática, infecções e
mecanismos auto-imunes. Entretanto, atualmente, apenas dois fatores etiológicos
são considerados verdadeiros, a saber: estresse oxidativo e mutações genéticas
(Figura 7).
Figura
7- Ilustração diagramática dos fatores genéticos e ambientais e suas
suspeitadas influências na patogênese da PC: ACP- alcoólica; TCP- tropical;
ICP- idiopática; HCP- hereditária.
ERROS
INATOS DO METABOLISMO
PC e PA recorrente têm sido relatadas em pacientes que
apresentam uma variedade de erros inatos do metabolismo (hiperlipidemias, distúrbios da degradação da cadeia ramificada
de aminoácidos, homocistinúria, doenças hemolíticas, porfiria aguda
intermitente e vários defeitos do transportador de aminoácidos).
Algumas destas entidades são doenças extremamente raras. A
maioria dessas síndromes são herdadas e, muitas vezes, famílias inteiras são
portadoras de mutações que podem estar associadas a pancreatites de diferentes
graus.
PANCREATITE
IDIOPÁTICA
É das formas de apresentação mais frequentes de PC, secundada
apenas pela pancreatite alcoólica, na civilização ocidental.
A PC idiopática é diagnosticada através da exclusão de
outras potenciais causas de pancretite (10-25%). Está associada a mutações de
genes que regulam a ativação do tripsinogênio (PRSS1)/inativação (SPINK-1) e
CFTR.
O início das manifestações é precoce, ocorre nas primeiras
duas ou três décadas da vida, e acarreta prejuízos na função e morfologia
pancreáticas lentamente.
Existe
também o início tardio, que se
manifesta após a quinta década da vida, e a insuficiência pancreática pode ser
a primeira manifestação da enfermidade.
PANCREATITE
AUTOIMUNE
A PC é caracterizada pela presença de autoanticorpos,
níveis elevados de imunoglobulinas e a lesão histopatológica apresenta um
infiltrado inflamatório linfoplasmocitário com destruição ductal e atrofia
acinar.
Admite-se que a incidência varia entre 1,9% e 6,6% dos
casos de PC. A maioria dos relatos envolve pacientes com idade adulta avançada,
porém a doença pode afetar uma ampla faixa etária. Anticorpos contra antígenos da
anidrase carbônica II são positivos em 30 a 59% e anticorpos contra a lactoferrina
estão presentes em 50 a 76% dos casos.
Em 60% dos casos, existe a associação com outras doenças
auto-imunes, tais como colangite esclerosante primária, cirrose biliar
primária, hepatite auto-imune, síndrome
de Sjogren e outras doenças inflamatórias.
Manifestações Clínicas
Dor Abdominal
A dor
abdominal é o sintoma clínico predominante, e também a indicação mais comum
para intervenção cirúrgica em pacientes com PC.
A
dor leva à diminuição do apetite, contribuindo para a desnutrição e perda de
peso. Geralmente, é de localização epigástrica e pode ser irradiada para o
dorso. Pode ser atenuada na posição sentada, com o tronco curvado para a frente
ou com a posição de cócoras, e pode ser agravada no período pós-prandial.
A
dor pode ser recorrente ou contínua. A maioria dos pacientes pode ter alívio ou
resolução da dor abdominal com o passar do tempo. O alívio da dor pode
coincidir com o início da insuficiência pancreática exócrina.
Má Absorção Intestinal
É o resultado da insuficiência pancreática exócrina
(IPE). Esteatorréia e perda de peso são as características mais importantes da
PC. Esteatorréia é um sintoma de doença avançada e não ocorre até que a
secreção de lipase pancreática esteja reduzida para menos de 10% do normal. Má
absorção de lipídios ocorre mais precocemente do que a de outros nutrientes
(proteínas e carboidratos), já que a secreção de lipase diminui mais
rapidamente do que a secreção de protease e amilase.
Diabete
O Diabetes mellitus
pode se desenvolver no curso de longa duração da doença. O diabete é
classificado como tipo IIIc, de acordo com a American Diabetes Association, e é caracterizado pela destruição
das células produtoras de insulina e glucagon. A deficiência co-existente da
síntese de glucagon agrava os episódios de hipoglicemia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário