quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Pancreatite Crônica: diagnóstico e tratamento (Parte 3)

Ana Catarina Gadelha de Andrade & Ulysses Fagundes Neto

Diagnóstico

O diagnóstico da PC deve ser baseado na análise de um conjunto de dados que envolve os seguintes aspectos, a saber: quadro clínico, enzimas séricas, testes de função pancreática, exames de imagem e estudo anátomo-patológica. 

Exame Anátomo-patológico

A investigação anátomo-patológica, de material obtido por biópsia, constitui-se no padrão-ouro diagnóstico da doença em seu estágio inicial. Esta deveria ser obtida por uma adequada biópsia cirúrgica, o que, no entanto, é raramente disponível. As lesões iniciais são geralmente focais, o que pode levar a resultados falso-negativos.

A tríade de doença estável, na visão histológica, é a perda acinar, infiltração de células mononucleares e fibrose, independentemente da causa ou local. Cada processo inflamatório causa necrose focal de gordura, o que pode levar a formação de pseudocistos ou fibrose. Os nervos mostram perda do perineuro adjacente ao foco inflamatório, enquanto que a expressão dos nociceptores nas terminações nervosas encontra-se aumentada.

Enzimas séricas

Nos pacientes com dor típica, os níveis das enzimas pancreáticas, principalmente a lipase, devem ser solicitados pois suas elevações identificam um episódio agudo da doença. Por outro lado, na ausência de quadro agudo, podem ser encontrados níveis séricos de lipase e/ou amilase reduzidos. Porém, a sensibilidade destes testes é baixa, e nenhum deles, isoladamente, são úteis para se estabelcer o diagnóstico definitivo.

Testes da função pancreática

As principais indicações para a realização dos testes da função pancreática são: diarréia crônica, esteatorréia, dor abdominal, ganho de peso insuficiente e/ou perda de peso.

A função pancreática exócrina pode ser avaliada por testes diretos ou indiretos.

A-        Testes Diretos

TESTE DA SECRETINA-COLECISTOCININA

Dentre os testes diretos, o teste da secretina-colecistocinina é o que apresenta maior sensibilidade e especificidade. Devido à sua confiabilidade, o teste da secretina-colecistocinina é o procedimento padrão para a avaliação da função pancreática exócrina. Entretanto, deve-se ponderar que se trata de um teste demorado, caro, desconfortável e que não está padronizado em crianças, o que o torna inadequado para uso rotineiro em pacientes pediátricos. O teste direto avalia a secreção do bicarbonato e das enzimas pancreáticas na secreção duodenal, a qual é obtida através da estimulação da glândula por administração intravenosa de secretina/colecistoquinina ou por meio de uma refeição padrão por via oral.

O teste da secretina-colecistocinina pode ser realizado por 2 métodos distintos, a saber:

1-  Intubação Duodenal- neste caso é necessária realizar a intubação nasoduodenal por meio de uma sonda flexível, para em seguida fazer a infusão intravenosa de secretina ou colecistocinina. Após este procedimento inicial passa-se a coletar a secreção do suco duodenal, por aspiração em seringa, para quantificação das enzimas pancreáticas e do bicarbonato. Este teste permite a classificação da insuficiência pancreática exócrina em disfunção leve, moderada ou grave. O teste possui sensibilidade e especificidade superiores a 90%.

2-  Endoscopia- nesta situação inicialmente é necessária realizar-se a sedação do paciente para efetuar a endoscopia digestiva alta (EDA). Após a administração intravenosa de secretina ou colecistoquinina, faz-se a aspiração da secreção duodenal guiada por EDA nos tempos 0, 15, 30, 45 60 minutos para a análise da concentração do bicarbonato e/ou da atividade das enzimas pancreáticas.

EXAMES DE IMAGEM

Pancreatografia com ressonância magnética

Este exame permite uma avaliação quantitativa do volume da secreção pancreática, além disso, fornece informações sobre alterações do ducto pancreático e da função da glândula. É necessária providenciar a infusão intravenosa de secretina.

Ultrassonografia (US) do Abdome e Endoscópico

 A US de abdome geralmente é o exame de imagem inicial. Achados compatíveis com pancreatite crônica incluem: dilatação do ducto pancreático (2.84±0.67 mm), calcificações intraductais, irregularidades na glândula, mudanças na ecotextura e  pseudocistos. Apresenta sensibilidade entre 50-80% e especificidade 90%.

Ultra-sonografia endoscópica permite mostrar anormalidades sutis da estrutura pancreática antes de surgirem anormalidades em imagens tradicionais ou testes funcionais, através de estudo mais detalhado do ducto pancreático e do parênquima.


Figura 8- Ultrassonografia transabdominal do pâncreas demonstra uma glândula hipoecoica com múltiplas calcificações (flechas) ao longo da glândula.

Tomografia Computadorizada (TC) do Abdome

A TC do abdome tem baixa sensibilidade para identificar anormalidades ductais e alterações sutis do parênquima, e submete o paciente a alta dose de radiação. Por outro lado, é útil no diagnóstico tardio da PC e suas complicações. Os achados relacionados à PC são dilatação do ducto pancreático, calcificações pancreáticas e atrofia parenquimatosa.



Figura 9- Tomografia computadorizada contrastada demonstrando múltiplas calcificações difusas (flecha) em um paciente portador de PC devido a abuso de álcool.

Colangiopancreatografia com Ressonância Magnética (CPRM)

A CPRM tem as vantagens de ser um exame não-invasivo e não usar radiação. Ao contrário da CPRE,  pode ser realizada na fase aguda da pancreatite. Na CPRM, os ductos são visualizados em seu estado fisiológico normal, enquanto que na CPRE são visualizados sob pressão. A CPRM pode fornecer uma morfologia abrangente dos ductos biliares e pancreáticos. É possível visualizar ductos de até 1mm. No entanto, a CPRM é limitada em crianças devido ao pequeno calibre de ductos não dilatados, sinal fraco e movimentação do paciente.

A administração de secretina por via intravenosa ao longo de 1 minuto induz a um aumento de líquido no ducto pancreático, com aumento subsequente da excreção de líquidos para o duodeno.

Imagens em T2 ao longo do ducto pancreático são repetidas a cada 30s por 10 minutos. A resposta normal é o aumento do sinal e do diâmetro do ducto pancreático em 3 mm, com progressiva redução até a linha de base em 10 minutos.

A secretina é provavelmente mais importante em crianças do que em adultos, uma vez que aumenta a detectabilidade dos ductos pancreáticos, normalmente menores.



Figura 10- Adolescente do sexo feminino de 14 anos de idade portadora de PC. Estudo demonstra ductos pancreáticos dilatados (flecha longa) com formações de bolsas irregulares que representam ramos pancreáticos dilatados (flechas curtas).

Nenhum comentário: