Ana Beatriz Rocha Gabriel
& Ulysses Fagundes Neto
Introdução
Nas
duas últimas décadas tem se constatado um aumento crescente no número de
pacientes que apresentam eosinofilia esofágica e que não respondem ao
tratamento convencional da DRGE. Vários trabalhos passaram a ser publicados
demonstrando o surgimento de uma “nova doença”, que recebeu a denominação de Esofagite
Eosinofilica (EEo).
Os
transtornos digestivos eosinofílicos constituem-se em enfermidades
inflamatórias caracterizadas pela presença de eosinófilos ao longo do tubo digestivo,
na ausência de doenças que cursam com eosinofilia secundária. Atualmente a EEo é
considerada a enfermidade mais comum tanto em crianças quanto em adultos. A
etiologia e a fisiopatologia da EEo ainda não estão completamente elucidadas,
porém, é sabido que ocorre uma nítida associação com atopia, devido a participação
de aeroalergenos e antígenos alimentares em sua patogênese. Dados da literatura
apontam que 80% dos pacientes apresentam doenças atópicas, sendo 62% por sensibilização
a alimentos e, além disso, 16% dos pacientes apresentam casos semelhantes na
família.
Definição
A
EEo caracteriza-se por importante infiltrado eosinofílico no esôfago, associado
a sintomas semelhantes aos da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), mas que
não respondem ao tratamento com bloqueadores da secreção ácida gástrica de modo
isolado. Segundo Markowitz et al. 8-10% dos casos pediátricos que não respondem
ao tratamento clássico para DRGE apresentam EEo. Na Tabela 1 estão relacionados
os critérios diagnósticos da EEo.
Tabela
1- Critérios Diagnósticos
A- Sintomas clínicos de disfunção esofágica
B- Ausência de resposta a elevadas doses de
inibidores da bomba de Hidrogênio
C- Presença de ≥15 eosinófilos em campo de grande
aumento (CGA) na mucosa esofágica
D- Estudo
de pHmetria do esôfago distal normal
É
importante ressaltar que a eosinofilia esofágica não é característica exclusiva
da EEo, podendo estar também presente em outras patologias do trato digestivo discriminadas
na Tabela 2, abaixo.
Tabela
2- Diagnóstico diferencial das eosinofilias esofágicas
Doença
do Refluxo gastro-esofágico
Gastroenterite
eosinofílica
Doença
de Crohn
Doença
do tecido conetivo
Síndrome
hipereosinofílica
Infecção
Resposta
de hipersensibilidade a drogas
Em
condições normais eosinófilos caracteristicamente não devem estar presentes no
esôfago, entretanto, tem sido observado que a presença de eosinófilos no trato
digestivo pode ocorrer em algumas circunstâncias. Nestes casos, os eosinófilos estão
presentes em baixa concentração principalmente na lâmina própria, bem menores
na superfície epitelial e no epitélio das criptas e das glândulas.
Consenso Internacional sobre EEo: First
International Gastrointestinal Eosinophil Research Symposium (FINGERS)
Em
2007, nos EUA, um grupo de experts se reuniu para discutir as peculiaridades da
EEo que resultou na publicação de um documento baseado nas revisões
sistemáticas da literatura. Naquele encontro ficou estabelecido que a EEo é uma
doença caracterizada por:
A- Recusa
alimentar e sintomas semelhantes à DRGE na criança menor, disfagia e impactação
alimentar nas crianças maiores e adultos
B- Contagem
de eosinófilos igual ou superior a 15 eosinófilos por CGA na biopsia esofágica
C- Eosinofilia
mantida após uso de Inibidor de Bomba de Protons
D- Exclusão
de outras doenças que cursam com eosinofilia secundária
Epidemiologia
Atualmente
está bem estabelecido que a prevalência da EEo tem aumentado nas últimas
décadas, acomete prioritariamente indivíduos da raça branca, e o sexo masculino
é o mais afetado (80%).
A
EEo acomete pacientes de todas as faixas etárias, mas principalmente aqueles da
idade escolar, com pico de diagnóstico aos 10 anos.
Na Austrália
observou-se que entre 1995 e 2004 ocorreu aumento de 18 vezes no número de
casos diagnosticados. Nos EUA, Noel et al. demonstraram que a incidência de EEo
é de 1/10.000 crianças por ano e a prevalência de 4/10.000 crianças, sendo que
90% dos casos foram diagnosticados após o ano 2000.
Este
vertiginoso aumento no número de casos provavelmente reflete alguns aspectos
que devem ser levados em consideração, tais como, um aumento real da incidência,
aumento da ocorrência das doenças atópicas, um melhor reconhecimento dessa
entidade devido a maior conscientização de sua existência, pela maior
valorização dos sintomas e pela realização de um maior número de endoscopias
digestivas com biópsia esofágica.
Etiopatogenia
Eosinofilia,
associada com alergia alimentar e outras condições atópicas, além dos testes
cutâneos e patch test positivos para diferentes alergenos demonstram que
há reação de hipersensibilidade IgE mediada, e, também, não IgE mediada,
devendo ser incluída no espectro das doenças atópicas. Os principais alergenos
alimentares mais envolvidos são: leite de vaca, soja, trigo, peixe, frutos do
mar, frutos secos e ovo. Entre os aerolergenos, o pólen é o principal deles.
A
exposição da mucosa do esôfago aos alergenos promove uma resposta imunológica Th2,
levando à produção de interleucinas (IL-4, IL-5, IL-13), que irá estimular a
produção de eosinófilos e IgE. A IL-5
regula a produção, diferenciação, recrutamento, ativação e sobrevida
dos esinófilos, a IL-13 promove
infiltração eosinofílica, pelo aumento da expressão da eotaxina-3, mediador
envolvido na quimiotaxia de eosinófilos.
Há
dúvidas se o uso de medicamentos supressores da produção de HCl poderia
predispor ao desenvolvimento da EEo, visto que o aumento do pH gástrico pode alterar
a digestão das proteínas e como consequência promoveria maior absorção de
proteínas intactas com potencial de indução de resposta imune. Além disso,
poderia induzir o aumento da permeabilidade da mucosa do tubo digestivo em
pacientes em uso de supressão ácida.
Eosinófilos
produzem o Fator de transformação do Crescimento (TGF) beta, o qual ativa as
células epiteliais, acarreta hiperplasia, fibrose e dismotilidade, tudo em
conjunto levando ao remodelamento esofágico.
Manifestações
Clínicas
As manifestações clínicas da
EEo são inespecíficas e usualmente variam conforme a idade:
1- Menores de 2 anos: recusa
alimentar e baixo ganho de peso
<2 alimentar="" anos:="" baixo="" de="" e="" ganho="" peso="" recusa="" span="">2- Até
12 anos: vômitos, dor abdominal, sintomas de refluxo gastroesofágico
3- Adolescentes
e adultos: disfagia e impactação alimentar. Estas complicações podem ser
decorrentes de transtornos da motilidade esofágica.
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A Tabela 3, abaixo,
apresenta os principais sintomas sugestivos de EEo em crianças e adultos.
Estudos
sugerem que EEo é uma condição crônica, de curso persistente ou recorrente em
mais de 90% dos casos, que podem evoluir com complicações importantes como
estenose do esôfago e menos comumente perfuração esofágica.
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