Fisiopatologia
É
importante assinalar que até o presente momento não se tem conhecimento dos
mecanismos fisiopatológicos envolvidos na gênese da SGNC e nem tampouco se
encontra disponível um marcador bioquímico que possibilite caracterizar seu
diagnóstico laboratorial. A inexistência de biomarcadores para caracterizar a
SGNC representa ainda uma das principais limitações aos estudos clínicos. Este
obstáculo reflete uma dificuldade significativa para a diferenciação da SGNC com
os outros transtornos relacionados ao glúten.
A
ausência de autoanticorpos e de lesões intestinais não exclui a toxicidade
intrínseca do glúten, cuja ingestão, mesmo em pacientes não-celíacos, tem sido
associada a danos a outros tecidos e órgãos, além do intestino.
Estudos
mais recentes sugerem que, além do glúten, os inibidores da amilase–tripsina do
trigo e os carboidratos pouco fermentáveis (frutanos), de baixa absorção e de
cadeia curta, podem contribuir para a ocorrência dos sintomas (ao menos os
relacionados à SII) vivenciados pelos pacientes com SGNC (8).
Carroccio
e cols. demonstraram que os HLA DQ2 e DQ8, que predispõem à DC, são encontrados
em 53% dos pacientes com SGNC, uma prevalência bem mais baixa do que a descrita
na DC, que é de 95%, porém um pouco mais elevada do que na população em geral, que
é de 30% (7).
Sapone
et cols., em 2011, comparando a SGNC com a DC, demonstraram que na primeira a
mucosa do intestino delgado apresenta-se praticamente normal ou apenas levemente
inflamada (Marsh 0-1), enquanto que na DC houve algum grau de atrofia. A contagem
dos Linfócitos Intra-Epiteliais (LIE) CD3+ foi mais alta na DC do que na SGNC,
porém, por sua vez nesta foi mais elevada do que na população geral. No caso
dos LIE gama-delta, estes foram mais numerosos na DC, enquanto que na SGNC não
houve diferença em relação aos controles. Além disso, estes autores também
demonstraram que há uma nítida diferença quanto ao comportamento da barreira de
permeabilidade intestinal entre a DC e a SGNC. Na primeira ocorre um aumento da
permeabilidade enquanto que na segunda este fenômeno não é observado. Segundo
eles estes dois transtornos induzidos pelo glúten se constituem em entidades
clínicas diversas. A SGNC estaria associada a uma ativação do mecanismo imunológico
inato, enquanto que a DC estaria associada a ativação do mecanismo imunológico
adaptativo (9).
O
gatilho dos eventos da mucosa do intestino delgado que leva à SGNC não é
representado pela mesma matriz de peptídeos do glúten responsáveis pelo
desenvolvimento da DC. Diferentemente da mucosa dos pacientes celíacos, a
mucosa daqueles com SGNC, ao ser incubada com gliadina, não expressa os
marcadores de inflamação e também não provoca ativação dos basófilos. Todavia,
vários estudos sugerem um aumento nos LIE, sem aquela característica atrofia das
vilosidades (MARSH 1) observada na DC, o que levaria a pensar em uma reação
inflamatória leve, de provável ativação imunológica, já que também se tem visto
uma relação positiva na SGNC com o AGA e o HLA DQ2/DQ8.
Em resumo, diante dos inúmeros aspectos
fisiopatológicos ainda não elucidados na gênese deste transtorno digestivo
provocado pelo glúten, poderia se especular que, pelo fato de que a maioria dos
pacientes com SGNC apresentarem HLA DQ2/DQ8 positivos (53% no estudo de
Carrocio e cols.), a DC latente não estaria totalmente excluída nos pacientes
com SGNC.
Diagnóstico
e Tratamento
No
presente momento, não existem critérios objetivos para o diagnóstico da SGNC,
na nossa experiência o diagnóstico baseia-se fortemente na obtenção de uma
história clínica extremamente detalhada. Inclusive em algumas circunstâncias os
próprios pacientes levantam a suspeita diagnóstica com base na retirada e
reintrodução de determinados alimentos contendo glúten em suas dietas, o que
deve ser avaliado com a devida pertinência pelo clínico.
A
Figura 1 expõe um algoritmo para auxiliar no diagnóstico diferencial entre os
transtornos relacionados ao glúten, e como se pode perceber o diagnóstico
geralmente se estabelece por exclusão, após terem sido descartados a DC e a AT.
A proposta diagnóstica por meio do ensaio duplo cego placebo controlada, muito
embora seja aceita cientificamente, torna-se de muito difícil aplicação na
prática clínica, portanto, um óbice significativo de ser ultrapassado.
Urge
a necessidade de se encontrar um ou mais biomarcadores associados ou não a
possíveis achados histopatológicos, porém, até o presente momento, ainda não há
qualquer teste bioquímico que esteja disponível como ferramenta laboratorial
confiável.
O
tratamento baseia-se na introdução de uma dieta isenta de glúten que deve
resultar no desaparecimento dos sintomas; a reintrodução do glúten na dieta
deve provocar o retorno dos sintomas, o que confirma o diagnóstico da SGNC.
Conclusões
Considerando
que a SGNC se trata de uma entidade clínica recentemente redescoberta e com
limitado número de publicações, até o presente momento disponíveis na
literatura científica, inúmeras questões a respeito deste transtorno digestivo
ainda necessitam ser respondidas com maior precisão. Seria a SGNC um transtorno
permanente ou transitório? Seria o limiar de sensibilidade o mesmo para todos
os pacientes, ou haveria um limiar variável de indivíduo para indivíduo, e no
mesmo indivíduo haveria variação com o decorrer do tempo? Seria apenas o glúten
o causador dos sintomas ou haveria também uma associação com os carboidratos
fermentáveis e não digeridos? Qual é a verdadeira prevalência da SGNC?
Atualmente a prevalência relatada na literatura varia de 0,5 a 6%, números estes
baseados em estudos realizados em diversos centros médicos, mas desprovidos de
uma uniformidade científica no desenho dos projetos de pesquisa. Portanto,
tornam-se cada vez mais urgentes investigações clínicas e laboratoriais de
reconhecido valor científico que possam vir a elucidar um sem inúmero de
dúvidas ainda existentes a respeito de tão importante, intrigante e atual
problema, que afeta um número cada vez mais crescente de indivíduos em todo o
mundo ocidental.
Referências
Bibliográficas
- 1- Sapone et al.- BMC Med 2012;152:75-80
- 2- Catassi et al.- Nutrients 2013;5:3839-53
- 3- Ellis – Lancet 1978;1:1358-59
- 4- Cooper et al.- Gastroenterology 1980;79:801-06
- 5- Sapone et al.- Int. Arch. Allergy Immunol 2010;152:75-80
- 6- Digiacomo et al.- Scand J Gastroenterol 2013;48:921-25
- 7- Carroccio et al.- Am J Gastroenterol 2012;107:1898-1906
- 8- Biesiekirski et al.- Gastroenterology 2013;145:320-28
- 9- Sapone et al.- BMC Med 2011;9-23