A história da realização de um Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, Nova Iorque: pessoal e científica
O Início das Minhas
Atividades no North Shore University Hospital (NSUH)
O
NSUH é um hospital de ensino afiliado à Cornell University e como tal possui um
amplo programa de Residência Médica e de Especializações. Para poder manter
esta afiliação, além das atividades docentes e de treinamento em serviço, tem
também que desenvolver produção científica tanto clínica quanto experimental.
Para atender este requisito determinado pela universidade o Departamento de
Pediatria possui um laboratório de Pesquisa Experimental associado a um Centro
de Microscopia Eletrônica (CME). Este laboratório, naqueles tempos (1977), era
chefiado por Fima Lifshitz (Figura 20), com quem fui trabalhar e que
também acumulava a chefia da Divisão de Endocrinologia e Nutrição, enquanto que
o CME era chefiado pelo PhD Saul Teichberg (Figura 21).
Figura 20- Fima Lifshitz atendendo
suas pacientes portadoras de Anorexia nervosa internadas no NSUH para
tratamento. Era a primeira vez que eu via este tipo de doença.
Originalmente
de acordo com as tratativas prévias acertadas com Fima minhas atividades de
pesquisa experimental envolveriam ações em ambos os locais em decorrência da
natureza do projeto de pesquisa desenvolvido conjuntamente entre eles e
eu. Naquela ocasião estava em franca expansão o estudo da microflora
bacteriana do trato digestivo, havia uma avalanche de trabalhos na literatura
médica a respeito da microflora bacteriana normal desde o final dos anos 1960;
também começavam a aparecer trabalhos evidenciando os efeitos nocivos sobre a
mucosa do intestino delgado provocados por alterações desta mesma microflora.
Como eu já havia realizado 2 trabalhos de investigação clínica estudando a
microflora bacteriana do intestino delgado em pacientes portadores de diarreia aguda
e crônica associados à desnutrição quando da minha especialização em
Buenos-Aires, continuasse a fazê-lo na minha volta ao Brasil a partir de 1974
e, da mesma forma, Fima também havia publicado vários trabalhos similares em
crianças mexicanas com as mesmas condições clínicas, nossos interesses
científicos eram totalmente confluentes. Tratava-se agora de ampliar as
fronteiras dos conhecimentos a respeito de outros possíveis efeitos
prejudiciais à mucosa do intestino delgado causados pelo crescimento anormalmente
elevado da microflora colônica nas porções altas do trato digestivo (em inglês
o termo consagrado para esta alteração foi denominado de “bacterial
overgrowth”), duodeno e jejuno, as quais em condições normais devem ser
estéreis ou muito próximas disso (Figura 22).
Figura 22- Distribuição da microflora normal do trato digestivo.
O
projeto de pesquisa elaborado apresentava-se, a meu ver, duplamente sofisticado
porque em primeiro lugar envolvia uma técnica laboratorial sobre a qual eu não
tinha o menor domínio, denominada perfusão intestinal em ratos (Figura 23) e,
porque, em segundo lugar, adicionava mais um fator de complicação que dizia
respeito ao estudo da morfologia intestinal utilizando a microscopia eletrônica
de transmissão, ou seja, a biologia celular.
Figura 23- A técnica da perfusão intestinal em ratos em pleno funcionamento. Quando voltei para o Brasil graças a uma bolsa de pesquisa que recebi da FAPESP pude comprar estas mesmas máquinas e realizar vários experimentos utilizando esta técnica, os quais se converteram em tese de Mestrado e Doutorado de alunos de pós-graduação por mim orientados.
Teria
eu que, por conseguinte, rapidamente desenvolver as competências para dominar
concomitantemente as 2 novas habilidades, as quais eram técnicas que não tinham
nada em comum, ambas extremamente trabalhosas, de execução que demandava muita
paciência e tempo prolongado. Além disso, minhas tarefas teriam que estar
necessariamente compreendidas entre 2 laboratórios funcional e fisicamente
independentes entre si. Este era mais um grande desafio que se me apresentava,
pois teria que me integrar com técnicas de laboratório e pessoas distintas, mas
era esta a razão da minha vinda aos USA, portanto, não tinha do que me queixar,
tinha que “pôr a mão na massa” de imediato e enfrentar os possíveis problemas
vindouros, visto que todas as condições materiais e de infraestrutura estavam
dadas. Mais ainda, tive a sorte grande de ter como professora, para dominar a
técnica da perfusão intestinal e as determinações bioquímicas que o projeto
exigia, uma figura encantadora com quem desenvolvi uma profunda relação de
amizade a bióloga Mary Ann Bayne (Figuras 24-25).
Figura 24- A bióloga Mary Ann Bayne
minha maestra e grande amiga para sempre.
Figura 25- Mary Ann pacientemente me
ensinando a realizar o procedimento de preparo para o início da perfusão
intestinal.
Figura 26- Material de biópsia do
intestino delgado normal de rato. Trata-se de um enterócito em cuja porção
apical visualiza-se a região das microvilosidades, e, já no interior do
citoplasma podem ser vistas diversas organelas, tais como: mitocôndrias, retículos
endoplasmáticos com seus ribossomos acoplados, bem como corpos
multivesiculares.
Felizmente,
no CME também tive a mesma sorte com Saul e sua assistente Dale. Saul logo que
cheguei me deu um livro intitulado “Cells and Organels” para
eu estudar e assim me familiarizar com a Biologia Celular (Figura 26), o qual
devorei em curto espaço de tempo, enquanto ia aprendendo as delicadíssimas
técnicas de inclusão do material para ser visualizado à microscopia eletrônica
(Figura 27).
Figura 27- Eu em plena atividade de preparo do material para visualização no microscópio eletrônico. Ao fundo vê-se a técnica Hyacinth Spencer uma jamaicana, pessoa admirável e de espírito altamente divertido, que também trabalhava no laboratório.
Além
disso, também fui em seguida apresentado ao “monstro”, um microscópio
eletrônico de transmissão de fabricação japonesa marca JEOL, equipamento de
última geração, que eu teria que manusear para poder estudar as amostras de
biópsias de intestino delgado dos ratos que eu submeteria à perfusão intestinal
(Figuras 28-29).
Figura 28- Eu ao ser apresentado ao
“monstro” no primeiro contato com a máquina que eu teria que manusear para
poder produzir os trabalhos de pesquisa.
Figura 29- O “monstro” sendo
desmitificado, a esta altura eu já conseguia manuseá-lo com total intimidade.
Findo
o treinamento que durou cerca de 45 dias estava pronto para dar início ao tão
ambicionado projeto de pesquisa o qual se intitulou “Bile Salt-Enhanced
Jejunal Macromolecular Absorption” (Sais Biliares Provocam Aumento da
Absorção Jejunal de Macromoléculas).
Fazendo
um breve parêntesis na atividade de investigação experimental, vale a pena
referir que logo que cheguei ao NSUH fui apresentado ao chefe do Departamento
de Pediatria Dr. Mervin Silverberg (Figura 30) que era Gastroenterologista
Pediátrico.
Figura 30- Dr. Silverberg e eu muitos
anos depois, em 1985, em um Congresso da nossa especialidade em Bruxelas,
Bélgica. A amizade se tornou sólida e ele algumas vezes esteve aqui no Brasil a
meu convite.
Como
ele se inteirou da minha formação clínica na especialidade, convidou-me a
frequentar seu ambulatório o qual atendia 2 vezes por semana. Considerando que
eu não queria me afastar da atividade clínica e que, com absoluta certeza,
teria a oportunidade de incorporar alguns novos conhecimentos na área, senti-me
honrado com o convite e de imediato me coloquei à disposição para desempenhar
mais essa função durante minha estada no NSUH. Tendo em vista que ainda durante
a realização da residência na Escola Paulista de Medicina eu houvesse prestado
o exame denominado Educational Council for Foreign Medical Graduates que, na
época, uma vez tendo sido aprovado dava a devida autorização para exercer a
profissão de médico nos USA, eu havia sido aprovado, este certificado me dava o
direito de atender pacientes de forma autônoma. Este foi mais um fator que me
auxiliou no atendimento aos pacientes porque em breve tempo Silverberg
passou-me plena responsabilidade para que eu desenvolvesse meu próprio
ambulatório conjuntamente com o dele. Ao fim do expediente discutíamos os casos
com muita camaradagem e esta foi uma tarefa que me acrescentou grandes
conhecimentos, em especial sobre algumas doenças que eram raramente vistas em
nosso meio naqueles anos. Ademais, também me ajudou a “matar as saudades” da
vida de clínico. Além de tudo isso, esta atividade conjunta, serviu para
construir uma sólida amizade com Dr. Silverberg, a qual se manteve por muitos
anos depois que retornei ao Brasil.
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