Divulgar os conhecimentos científicos mais avançados a respeito dos problemas que afetam crianças e adolescentes na área dos distúrbios gastroenterológicos e da nutrição, visando acima de tudo a prevenção, o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico.
terça-feira, 23 de dezembro de 2014
segunda-feira, 8 de dezembro de 2014
Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (18)
A história da realização de um Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, Nova Iorque: pessoal e científica
Parque Indígena do Xingu (PIX)
O Alto Xingu: clima,
agricultura e pesca
Há
duas estações climáticas nitidamente distinguíveis na região do Alto Xingu:
inverno, ou estação das chuvas, que se estende de outubro a março, e, verão, ou
estação da seca, de abril a setembro.
A
partir de outubro, com a chegada das primeiras chuvas, que desta época até o
final do inverno são praticamente diárias, as águas dos rios começam a subir
cobrindo as praias e invadindo suas margens mais baixas (Figura 1).
Figura
1- Época inicial das chuvas, as áreas ribeirinhas sendo invadidas.
Os
meses de fevereiro e março caracterizam-se pelas grandes enchentes, os rios
transbordam e suas águas ocupam as matas marginais (Figura 2).
Figura
2- Época do apogeu das chuvas, as águas invadiram as matas circunvizinhas ao
rio.
A
partir de abril as chuvas começam a diminuir de intensidade e frequência,
prenunciando o começo do período da seca. Os rios, gradativamente, voltam a
ocupar seus cursos naturais e as praias vão, pouco a pouco, reaparecendo;
pequenos lagos são, então, formados nas terras baixas que beiram os rios,
aprisionando peixes, o que facilita sobremaneira a pesca (Figura 3-4).
Figura
3- Época inicial do verão, as águas começam a baixar e já se vislumbra a formação
das praias.
Figura
4- Época de pleno verão, as praias totalmente formadas, momento propício para
os tracajás desovarem.
No
mês de setembro, portanto, já no fim do verão, os tracajás saem à noite paras
as praias onde cavam e botam seus ovos, que são muito apreciados pelos nativos.
Os
índios têm agricultura extensiva e itinerante cujo produto principal é a
mandioca (Manhiot utilíssima), que
fornece os nutrientes de fundamental importância para a preparação do beiju, o
qual é o produto básico fornecedor de carboidratos da alimentação do índio do
Alto Xingu. O cultivo da mandioca é realizado em roças individuais e o plantio é
feito no período de tempo que antecede à chegada das chuvas. As áreas mais
cobiçadas para a roça são as de terra preta, considerada mais férteis, e as de
mato limpo, isto é, coberta de mata alta e sem vegetação rasteira. Para a
abertura das roças os índios utilizam as técnicas de derrubada e da queimada. Trabalham
na limpeza da terra os homens residentes de uma mesma casa. Seis meses após o
plantio, as raízes estão prontas para ser arrancadas do solo, cujo procedimento
é atribuição das mulheres. Para extrair as raízes as mulheres utilizam um
pedaço de pau ou facão e a seguir carregam para as aldeias onde serão
devidamente processadas (Figura 5).
Figura
5- Época da colheita da mandioca.
A
pesca é a principal atividade de busca intencional de comida; ela ocorre
durante todo o ano, porém, tem seu apogeu no período da seca, posto que na época
das chuvas a tarefa se torna sobremaneira mais difícil. As técnicas utilizadas
são as mais variadas, podendo ser coletivas com uso do timbó (veneno específico
utilizado pelos índios), ou individuais com arco e flecha (Figura 6).
Figura
6- Cena típica da pesca com arco e flecha.
A
partir da década de 1970, à medida que o contato com nossa civilização foi se
estreitando foi introduzido o uso da linha e anzol, ainda que não
frequentemente. A técnica do timbó é a mais produtiva, pois este é um cipó
ictiotóxico, cujos feixes são amassados e lavados em água previamente
represada. Os peixes mortos pela ação do veneno, são colhidos e moqueados em
local próximo ao da pescaria. Esse tipo de pesca, que envolve a maioria dos
homens da aldeia é usualmente utilizado às vésperas de alguma festa que terá a participação
de um grande número de convidados (Figura 7).
Figura
7- Produto da pesca com timbó.
As
pescas com timbó ocorrem no verão, quando as águas dos rios começam a baixar e dão
lugar à formação de pequenas lagoas, facilitando o represamento de pequenas baías
e igarapés, possibilitando assim, o uso do timbó. Nesse período de maior
fartura de peixe é realizada a cerimônia mais importante da Cultura Xinguana, o
Quarup.
Quando
a pescaria é farta, o alimento excedente, em forma de peixe moqueado, fico
exposto no jirau, que está localizado no centro da oca, à disposição dos seus
moradores. Por outro lado, quando o alimento escasseia, o que ocorre principalmente
na época das chuvas, o peixe é ensopado e distribuído com beiju aos demais
moradores da oca.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (17)
A história da realização de um Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, Nova Iorque: pessoal e científica
Parque Indígena do Xingu (PIX)
1- A região do Alto Xingu e a “Cultura Xinguana”
A
região do Alto Xingu possui uma área aproximada de 10 mil km2 compreendida
entre os paralelos 10º e 14º de latitude sul e 50º e 54º de longitude oeste
Greenwich, onde se encontram os formadores do rio Xingu e seu curso inicial.
São 6 os rios que tem maior importância na geografia da região: Kuluene,
Kurizevo, Jabotá, Batovi, Ronuro, von Steinen, os quais apresentam uma
infinidade de afluentes, igarapés e lagoas. Os rios Kuluene, Ronuro e Batovi,
em particular atravessam a parte sul do PIX e devem suas origens às inúmeras
fontes que brotam dos espigões e chapadões da porção centro oeste do planalto
central. Estes rios, após receberem um grande número de afluentes e correrem
através do cerrado, penetram na mata e passam a convergir a um ponto ao norte,
lendário para os índios do Alto Xingu, chamado Morená, onde suas águas se
reúnem e formam o Rio Xingu (Figuras 1-2-3-4).
Figuras
1-2-3 – Vista aérea dos formadores do rio Xingu.
Figura
4 – Navegando pelo rio Xingu no seu curso médio.
A
história do Alto Xingu, anterior à chegada “da nossa civilização”, é
desconhecida quase que por completo. Entretanto, escavações realizadas na área
na década de 1970, permitiram o encontro de vestígios que levam a crer que a
ocupação do Alto Xingu remonta a séculos. Segundo estórias contadas pelos
próprios índios, a última tribo pertencente à Cultura do Alto Xingu a ingressar
no PIX foi a Trumai, provavelmente há mais de um século e meio.
2-
O perfil das aldeias do Alto Xingu
As
aldeias do Alto Xingu, basicamente obedecem ao mesmo tipo geral, ocupam uma
grande área circular denominada pátio, na qual são realizadas as festas e
cerimonias, bem como sepultamento dos mortos importantes. Na periferia deste
grande círculo estão construídas as ocas, em número variado de 4 a 12, que são
geralmente habitadas por 3 a 4 famílias, as quais estão ligadas por laços de
parentescos. As aldeias estão situadas nas proximidades de um lago ou de um de
pequeno caudal que serve como fonte de abastecimento de água e pesca (Figuras
5-6).
Figuras
5-6- Vista aérea de 2 aldeias distintas do Alto Xingu. Notar a disposição
circular das ocas e no centro do pátio observa-se a casa das flautas.
As
ocas são de formato elíptico, cobertas por folhas de sapé ou buriti, não
havendo distinção de teto-parede. O tamanho das ocas varia consideravelmente,
chegando algumas a medir cerca de 20 a 25 metros de comprimento por 12 metros
de largura e 8 metros de altura; possuem duas pequenas aberturas laterais, uma
voltada para o pátio e outra na parte posterior, medindo 1,5m de altura e 0,5m
de largura (Figura 7).
Figura
7- Visão de uma oca em toda sua extensão, de forma elíptica com as pequenas
aberturas laterais; em frente à oca observa-se um tronco deitado que serve de
banco para os índios se sentarem nos fins de tarde a fim de se socializar.
Seu
arcabouço é feito com pequenos troncos e varas de bambu amarrados de tal forma
que toda a estrut. ura fique apoiada em 3 colunas centrais constituídas de
grandes troncos de árvore que se alinham ao longo do eixo maior da oca. Essa
forma de construção permite que a temperatura em seu interior seja sempre mais
amena do que a do meio ambiente (Figuras 8-9-10-11).
Figuras
8-9-10- As ocas em construção.
Figura
11- A oca já finalizada, notar a pequena abertura lateral e ao lado da mesma, à
esquerda, uma estrutura de mesmo material que à noite funciona como porta para
evitar a entrada de algum animal indesejado.
O
interior dessas ocas encontra-se praticamente na penumbra durante todo o tempo
e não há subdivisões internas. No espaço do interior das ocas encontram-se
apenas os objetos essencialmente necessários para o cotidiano da vida do índio,
a saber: redes de dormir, panelas de barro, cestas de bambu, alguns bens
artesanais resultantes do trabalho individual e os depósitos com polvilhos e
massa de mandioca. No centro da oca existem sempre presentes duas fogueiras, de
uso coletivo, que são mantidas constantemente acesas. Elas se prestam para a
elaboração do mingau, do beiju e também para assar o peixe (Figuras 12-13-14).
Figura
12- Interior da oca mostrando o armazenamento das flechas.
Figura
13- Mulher índia no interior da oca assando o beiju.
Figura
14- Visita a aldeia Kuikuru na década de 1970 sendo hospedado na oca do chefe e
me divertindo com as crianças da aldeia.
O
espaço frontal da oca é intensamente utilizado nos fins das tardes, quando as
pessoas, principalmente mulheres e crianças ai se sentam com a atenção voltada
para os acontecimentos no pátio central da aldeia e também na frente da casa
das flautas (Figuras 15-16-17-18).
Figura
15- Homens índios socializando em frente a uma oca no fim de tarde.
Figura
16- Homem índio com um pássaro de estimação socializando com outros
companheiros no fim de tarde.
Figura
17- Homens índios no interior da casa das flautas em plena atividade.
Figura
18- Homens índios no interior da casa das flautas em plena atividade.
Cada
aldeia possui uma casa das flautas, a qual está situada na parte central do
pátio, local de uso exclusivo dos homens, onde estão guardadas as máscaras e
flautas usadas nos cerimoniais. Há ainda, em cada aldeia uma gaiola construída
em forma cônica com troncos de árvores que aprisiona o gavião real (Harpya
harpya), de cuja as penas, as quais são muito apreciadas e de elevado
valor de troca, são elaborados os cocares.
3-
A vida comunitária no Alto Xingu
Cada
aldeia tem um líder que possui autoridade apenas relativa sobre os habitantes
da mesma, sendo acima de tudo, o responsável pela preservação das tradições da
tribo. A autoridade do líder da aldeia depende fundamentalmente do apoio dos
chefes de cada oca e sua atuação geralmente é exercida por meio de mediações,
tendo por finalidade precípua amenizar os possíveis conflitos que por ventura
venham a ocorrer entre os diferentes habitantes da aldeia. Os chefes das ocas
atuam como coordenadores de unidades de produção em um sistema descentralizado
e com possibilidades de intervir diretamente no comportamento dos moradores da
oca. Quanto maior o número dos moradores de uma determinada oca, maior é a
importância do chefe e mais significativo será o apoio que dará ao líder da
aldeia.
Na
vida familiar, homens e mulher tem obrigações bem definidas. Cabe ao homem a
responsabilidade de manter o sustento alimentar da família, por meio do plantio
da mandioca e da pesca, mais esporadicamente da caça (Figura 19). O resto do
tempo é dedicado ao lazer, como a dança, reunião com outros companheiros,
passeios, ritos cerimoniais e festas (Figura 20). À mulher cabe o cuidado da
oca, da obtenção da água para uso doméstico, do preparo da comida, do cuidar
dos filhos, do preparo e da estocagem da mandioca, da confecção das redes e da
manutenção do fogo sempre aceso dentro da oca (Figuras 21-22).
Figura
19- Homem índio chegando de uma pescaria proveitosa.
Figura
20- Índio dançando no fim de tarde, divertindo-se como de hábito.
Figura
21- Mulher índia em uma das inúmeras etapas do processamento da mandioca para o
preparo do beiju.
Figura
22- Índia dando banho em seu filho à beira do lago.
Na
cultura xinguana a união entre o homem e a mulher é estabelecida pelo
casamento. Há uma expectativa generalizada de que todas as pessoas devem se
casar pois o casamento além das funções de procriação e de natureza sexual,
torna-se necessário por motivos de subsistência decorrentes das atribuições do
trabalho para cada sexo. O casamento entre os índios xinguanos, em geral, nasce
de acordos realizados entre as famílias, evitando-se uniões entre consanguíneos
próximos. A monogamia é a regra geral, embora a poligamia seja verificada em
alguns poucos casos.
Para
as mulheres o casamento ocorre logo após a menarca e é precedido por um período
de reclusão no interior da oca paterna que, às vezes, alcança até um ano. Esta
reclusão corresponde a um período de aprendizado tanto de artesanato como de
atividades domésticas. Com relação aos homens, também ocorre um período de
reclusão o qual se dá por um tempo mais prolongado. O jovem passa por esse
internato na puberdade e nos períodos que precedem festas cerimoniais nas quais
ele participa das lutas corporais.
A
ruptura da união matrimonial decorrente de desentendimentos do casal não impede
imediata contratação de novo casamento. A morte de um cônjuge por outro lado
obriga o sobrevivente a se manter por um período considerado de “luto”, de
duração variável durante o qual não pode se casar novamente.
As
crianças vivem em total liberdade, em geral andam em grupos, passam
praticamente todas as horas do dia se divertindo, quer seja à beira do lago ou
do rio, nas proximidades da mata ou mesmo na própria aldeia. Desde de tenra
idade aprendem a manejar o arco e a flecha, a nadar e a remar; à medida que
crescem passam a ter participação mais direta no trabalho desenvolvido por seus
pais (Figuras 23-24-25).
Figuras
23-24-25- Crianças em suas mais variadas formas de diversão.
Vale
enfatizar que a participação das crianças nas festas e ritos cerimoniais das
tribos é altamente estimulada. Há por partes dos índios um grande espírito de
união familiar, todas as atenções estão principalmente voltadas para o bem
estar dos filhos. A família não costuma ser numerosa, pois raramente ultrapassa
de três o número de filhos, porém, a uma nítida preferência aos do sexo
masculino.
Logo
após o nascimento de um filho, este permanece em estreito contato com o corpo
materno durante os primeiros meses de vida, sendo amamentado a todo instante
que assim o desejar. Quando a criança inicia seus primeiros passos, vem a ser
alvo do carinho das outras crianças da oca, sempre terá o que deseja mesmo que
isto ocasione interrupção do trabalho dos pais ou das brincadeiras das crianças
maiores. Suas vontades são praticamente ordens e seu choro um alarme que
denuncia carência de amor e atenção (Figura 26).
Figura
26- Índia em pleno trabalho artesanal e ao mesmo tempo cuidando do filho que
solicita sua atenção.
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