terça-feira, 2 de setembro de 2014

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (5)

4-        Estudante de Medicina na Escola Paulista de Medicina

4.2- Vida de Atleta

Para atenuar a maçante rotina dos laboratórios de ensino eu me envolvi profundamente com as coisas da nossa Associação Atlética Acadêmica Pereira Barreto (AAAPB). Lá coexistíamos os dirigentes (cartolas) e os atletas das diversas modalidades esportivas. Os “cartolas” eram responsáveis pela organização das competições entre as nossas congêneres como a PAULI-MED, a PAUI-POLI, a INTERMED, os campeonatos da Federação Universitária de Esportes (FUPE), e também cuidavam da administração da AAAPB.

A minha primeira participação em uma competição universitária ocorreu logo no início das aulas em abril de 1965, foi a PAULI-MED, que por coincidência acontecia pela primeira vez. Na verdade ela seria a precursora da INTERMED que começaria em 1967. Foi a minha primeira experiência em vivenciar o tamanho da rivalidade que existia entre as 2 faculdades de Medicina. Sabia que alguma rivalidade sempre existiu, mas sentir nos campos esportivos, pois eu jogava futebol, vôlei e futebol de salão, tanto por parte dos atletas como por parte das torcidas o espírito de guerra, foi para mim, que mesmo acostumado a outras inúmeras experiências prévias como atleta, algo bastante impressionante. Inesquecível era disputar as partidas escutando o cântico das torcidas se ironizando reciprocamente, enquanto a nossa insistia com o novo apelido dado à MED, “Porcada”, por outro lado nós ouvíamos continuadamente o “fede, fede, fede refugo da MED”. Afinal tudo era muito divertido, embora às vezes algumas escaramuças físicas ocorressem entre as torcidas. Esta primeira PAULI-MED nós perdemos na competição geral, embora tivéssemos empatado no futebol (2x2) e vencido no vôlei e no futebol de salão (Figura 1). 

Figura 1- Time de futebol da primeira PAULI-MED em 1965, no estádio do Pacaembu antes da construção do tobogã.

Entretanto, as outras 5 competições foram por nós vencidas de forma consecutiva. Em uma delas, quando eu já estava no quinto ano, a partida de futebol foi disputada no campo da Atlética da MED, porque o campo do estádio do Pacaembu estava em reforma. Era uma partida chave para determinar o vencedor da competição geral e eu havia me contundido com certa gravidade na semana anterior em um jogo do Clube Atlético Indiano contra a seleção do Macabi que iria participar das Macabíadas em Israel. Em uma disputa de bola com o goleiro deles houve um choque violento e eu sofri uma luxação acrômio-esternal extremamente dolorosa. A dor no tórax era intensa e eu mal podia respirar normalmente, que perdurou por toda a semana, o que tornava muito improvável minha participação naquela partida. Entretanto, como eu não queria deixar de jogar aquela partida de nenhuma forma, me socorri do nosso enfermeiro do Pronto Socorro da Ortopedia do Hospital São Paulo, o Jonas, nosso grande amigo que sempre cuidava com o maior carinho das nossas lesões ortopédicas, eu as tive inúmeras vezes, para tentar uma solução paliativa que viabilizasse minha participação na partida. Ele teve a ideia de fazer um colete de gesso que imobilizava meu tórax, o que me protegia, mas por outro lado, limitava tremendamente meus movimentos. Como esta era a única solução possível para eu poder jogar, assim foi feito, joguei toda a partida com enormes limitações, corria com dificuldade e tinha que me prevenir de algum choque físico que pudesse piorar minha situação. Enfim, tinha que me conformar com aquelas dificuldades, me irritava profundamente não poder ajudar meus companheiros como costumava fazer, o jogo estava complicado, o 0X0 se mantinha e a partida estava por terminar quando ocorreu uma falta a nosso favor próximo da área do adversário. Eu me apresentei para bater a falta porque normalmente o fazia, e, apesar das limitações físicas impostas pelo colete bati a falta e fiz o gol da vitória, o que também redundou na conquista da competição geral. Foi uma alegria transbordante, uma celebração interminável. Infelizmente, esta competição que foi se tornando tradicional em nosso meio universitário deixou de existir em algum momento dos anos 1970, porque as brigas entre as torcidas foram acontecendo cada vez mais frequentes o que inviabilizou definitivamente a organização da mesma.

As atividades esportivas influíam muito no metabolismo da EPM. Por exemplo, a PAULI-POLI movimentava não somente nossa EPM como até mesmo uma parte da nossa cidade. A primeira edição da PAULI-POLI foi realizada em 1940 e tornou-se uma das mais tradicionais competições universitárias. Era conhecida como a “Competição Majestade” e chamava a atenção dos paulistanos, seja pelas acirradas disputas esportivas como também pelos eventos paralelos, como shows, bailes, e o concurso da garota PAULI-POLI (Figura 2).



Figura 2- A) Símbolo da PAULI-POLI; B) Esquema simbólico da rivalidade em disputa.

Esta competição persiste até os dias atuais com grande entusiasmo por parte dos alunos de ambas as universidades. Vale a pena esclarecer que a PAULI-POLI é uma competição que envolve diversas modalidades esportivas e, nos anos 1960, durava toda uma semana, começava em um sábado do mês de outubro e terminava no sábado seguinte à noite. Eram disputadas as seguintes modalidades esportivas: atletismo (provas de campo e de pista), natação, polo aquático, xadrez, tênis, tênis de mesa, beisebol, bola ao cesto, voleibol, futebol e futebol de salão, era uma miniolimpíada. A primeira PAULI–POLI que disputei, em 1965, fazia 15 anos que a EPM não ganhava essa competição no computo geral e nesse primeiro ano vencemos a competição. Aliás vencemos as 4 competições seguintes de forma consecutiva, um feito absolutamente inédito até então.  Em algumas modalidades havia muitos anos que não ganhávamos, mas desta vez ganhamos. No futebol ganhamos de cinco a dois, marquei dois gols, no vôlei, eram 20 anos sem ganhar, ganhamos, eu era o capitão do time, e no futebol de salão, que foi a disputa final também ganhamos (Figura 3). 
Figura 3- Time de volei que quebrou uma longa série de derrotas na PAULI-POLI de 1965. Sou o terceiro da direita para a esquerda em pé.

Os jogos eram realizados no ginásio do Pacaembu, a decisão da competição global, ocorreu no futebol de salão, quem ganhasse aquele jogo seria o campeão da PAULI–POLI daquele ano. O ginásio estava completamente lotado, porque em anos anteriores geralmente a decisão já ocorria no meio da semana com vitória da Poli. Neste ano de 1965, no entanto, a decisão da competição ficou para o último dia. Muitos médicos que haviam se formado há muito tempo, que nunca haviam ganho a PAULI–POLI, estavam lá, vieram de diferentes lugares da cidade e mesmo de outras cidades próximas torcer pela nossa vitória. O ginásio do Pacaembu estava superlotado por torcedores de ambas as faculdades, mas a maioria era da EPM, havia uma grande expectativa, a esperança na nossa vitória era enorme, a emoção transpirava por todos os nossos poros, uma sensação indescritível, depois de tantos anos de seguidas derrotas aquele era o momento da redenção, não podíamos frustrar os anseios de vitória de um sem número de colegas atuais e daqueles veteranos, já médicos que vieram nos apoiar (Figura 4).

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Figura 4- Time de futebol de salão que deu a vitória final na competição geral da PAULI-POLI de 1965, depois de 15 anos de espera.

O jogo começou duríssimo, o time deles era muito bom, começamos perdendo de um a zero, viramos para dois a um e no final ganhamos, foi uma festa, não imaginava a transcendência disso tudo (Figuras 5 - 6).

Figura 5- Time principal de futebol de salão da noite memorável. Da esquerda para a direita Del Grande, Enio, Mantovani e Eu.



Figura 6- A tão ambicionada e conquistada medalha de ouro da PAULI-POLI.

A INTERMED teve início em 1967, e nós nos sagramos vencedores da competição geral, bem como em 1969 e 1970. Em 1969, em Botucatu, obtivemos uma vitória bastante folgada e mais uma vez vencemos nas 3 modalidades das quais eu participava, futebol, futebol de salão e vôlei (Figuras 7 – 8 - 9 - 10 - 11 - 12 - 13). 

Figura 7- INTERMED de Botucatu de 1969.

Figura 8- Time de futebol de campo campeão da INTERMED 1969.

Figura 9- Lance da partida final de volei por nós vencida. Estou atacando.

Figura 10- Time de volei campeão da INTERMED de Botucatu de 1969. Estou com o trofeu na mão.

Figura 11- Celebração pela vitória da competição geral da INTERMED de Botucatu 1969.

Figura 12- Celebração da vitória da INTERMED de Botucatu 1969.

Figura 13- Festa de comemoração da vitória da INTERMED de Botucatu 1969 na nossa Atlética.

Em 1970, em Santos, meu último ano de participação, entretanto, a vitória na competição geral foi apertadíssima e somente foi definida no último dia e mais ainda na última partida, a de vôlei entre nós e a “porcada”. No futebol empatamos com a “porcada” 1x1, mas fomos desclassificados nos pênaltis, isso foi uma grande frustração para nós porque contávamos com essa vitória para o cômputo geral (Figuras 14 - 15 - 16).

Figura 14- Ato de inauguração da INTERMED de Santos 1970 no estádio da Vila Belmiro.

Figura 15- Time de futebol que disputou a INTERMED de Santos 1970. Estou no centro abaixado.

Figura 16- Lance da partida contra a "porcada" no jogo que fomos desclassificados nos penaltis após cerca de 20 cobranças de cada lado. Estou cobrando uma falta para defesa do goleiro adversário.

 Aliás, para vencermos a competição geral, vencemos por meros 0,5 pontos de diferença, era necessário que naquele domingo à tarde, nós teríamos que vencer todas as competições em disputa, futebol de salão contra Ribeirão Preto, vencemos por 4x2, vôlei feminino contra a “porcada”, vencemos por 2x0, e vôlei masculino contra a porcada, vencemos por 3x0. Ao final de tudo foi uma festa imensa e eu pude me despedir da vida de atleta com uma vitória inesquecível (Figuras 15 – 16 & 17). 

Figura 15- Disputa da final do volei da INTERMED de Santos de 1970 por nós vencida. Estou levantando a bola.

Figura 16- Nossa gloriosa bandeira o Nicodemo celebrando a conquista da INTERMED de Santos de 1970.

Figura 17- Grande celebração pela vitória no futebol de salão na INTERMED de Santos de 1970. Estou ao centro com o trofeu na mão esquerda.

Mas uma grande surpresa estava por ocorrer, pois quando a partida de vôlei terminou fui carregado nos ombros pela nossa torcida e levado em direção à torcida da “porcada”, quase como um ato de desafio pelo nosso grandioso triunfo. Entretanto, contrariando minha expectativa de que receberia uma imensa vaia por esta provocação, a torcida adversária se levantou e me aplaudiu efusivamente, possivelmente em reconhecimento aos 6 anos de árduas disputas. Jamais me esqueci desse gesto magnânimo de um adversário tão renhido e com tanta rivalidade em jogo. São pequenos momentos de glória que o esporte nos proporciona e que enchem de orgulho a nossa alma.

Dentre os campeonatos da FUPE, no vôlei no meu primeiro ano conseguimos um honroso e inédito terceiro lugar, não tínhamos tradição nesta modalidade, geralmente não passávamos da fase de classificação. Em 1965, tivemos um desempenho excepcional e eu fui eleito o atleta do ano pela FUPE na modalidade. Posteriormente, em 1969, conseguimos o vice-campeonato. No futebol, no meu último ano, em 1970, depois de várias tentativas de conseguir uma boa colocação no campeonato da FUPE, nos sagramos campeões, sendo que na semifinal vencemos uma faculdade de Educação Física de Campinas que tinha vários jogadores profissionais e na final vencemos a faculdade de Educação Física de São Carlos por 4x1 que também tinha vários jogadores profissionais do interior do Estado (Figura 18). 

Figura 18- Time de futebol campeão da FUPE de 1970. Estou agachado o segundo da esquerda para a direita.

Neste ano para coroar minha vida de esportista fui eleito o atleta do ano da FUPE na modalidade de futebol, tornar realidade maior sonho do que este impossível.   

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