Papel do Colostro
Como
foi anteriormente mencionado, recém-nascidos e lactentes nos primeiros
meses de vida são desprovidos de muitos dos fatores fisiológicos de
proteção oferecidos pela barreira de permeabilidade intestinal para
enfrentar o meio ambiente da vida extra-uterina. Afortunadamente, a
“natureza” ofereceu um excelente substituto para proteger o lactente
vulnerável durante este período crítico da existência. Este substituto, o
leite humano, contém inúmeros fatores que compensam de sobra a
imaturidade do organismo do lactente, e, ao mesmo tempo, estimula a
maturidade do intestino para tornar-se funcionalmente independente. Tem
sido largamente demonstrado que a ingestão do colostro favorece a
maturação dos enterócitos, aumenta a capacidade absortiva e também
acelera o desenvolvimento da barreira de permeabilidade. Além disso, o
colostro tem uma ação potencializadora na produção das enzimas das
microvilosidades, possui um fator de crescimento da mucosa, favorece a
colonização intestinal por lactobacilos bífidos e acidófilos, oferece
lactoferrina, e, mais ainda, contém uma alta concentração de IgA secretora,
a qual vai proporcionar uma proteção passiva para a superfície
intestinal ao longo do processo natural de maturação do intestino do
lactente (25).
Alergenos Alimentares
A
diversidade alimentar do ser humano nas mais variadas culturas é
vastíssima, mas, na verdade apenas um número relativamente pequeno de
alimentos é responsável pela ocorrência das Alergias Alimentares no nosso universo.
A sensibilização pelos alergenos alimentares pode acontecer basicamente de 2 formas, a saber:
1- Trato Gastrointestinal, considerada tradicional ou Classe 1 de AA;
2- Inalação, denominada de AA Classe 2 (26).
Os alergenos Classe 1 mais freqüentemente descritos como causadores de AA
nas crianças são o leite, soja, ovo, e, nos EUA, o amendoim, enquanto
que nos adultos os alergenos alimentares que mais comumente causam
reações alérgicas são o amendoim, castanhas, peixes e frutos do mar.
A
maioria dos alergenos alimentares Classe 1 são glicoproteínas solúveis
em água com peso molecular que varia entre 10 e 70 kilodaltons, e são
razoavelmente estáveis ao aquecimento, desnaturação ácida e ação das
proteases.
Por
outro lado, é importante ressaltar que proteínas vegetais têm sido cada
vez mais caracterizadas como alergenos alimentares e cujas composições
aparentemente se assemelham à dos alergenos animais. A maioria dos
alergenos de origem vegetal, descritos até o presente, podem ser
enquadrados em 2 grandes grupos, de acordo com suas funções na própria
planta, a saber:
1-
Proteínas de Defesa (incluídas as denominadas proteínas PR ou
“proteínas relacionadas à patogenicidade”), as quais estão envolvidas em
mecanismos de auto-proteção contra pragas, vírus e parasitas. Estas
proteínas também são produzidas como respostas às agressões ambientais e
conseqüentemente podem estar presentes em quantidades variáveis dentro
de uma mesma espécie de fruta ou vegetal. As profilinas, que tem um
papel fundamental na regulação da polimerização dos filamentos de actina
e correspondem à maior porção dos alergenos Classe 2, são altamente
preservadas em todo o reino vegetal e freqüentemente apresentam uma
reação cruzada entre o pólen e o alimento. Os pacientes com freqüência
tornam-se sensibilizados ao pólen inalado e, em virtude das reatividades
cruzadas com as profilinas das frutas ou vegetais, apresentam sintomas
orais e faríngeos após a ingestão da fruta crua ou do vegetal, o que é
denominado de AA ao pólen ou Síndrome Alérgica Oral.
2-
Proteínas de Estocagem, as quais se encontram acumuladas principalmente
nas sementes maduras, e que são mobilizadas durante a germinação como
fonte de Nitrogênio (amino-ácidos) e cadeias de Carbono para o embrião e
a nova planta, nos momentos iniciais do desenvolvimento da mesma. Neste
grupo estão incluídas as superfamílias das prolaminas e das cupinas.
A
superfamília das prolaminas inclui as proteínas majoritárias das
farinhas de trigo (asma do padeiro), cevada e centeio, e a albumina 2S
das leguminosas, frutos secos e especiarias. A superfamília das cupinas
agrupa as proteínas tipo germinas, leguminas e vicilinas. Germinas
alergênicas têm sido caracterizadas na laranja, pimenta e trigo. As
leguminas são alergenos proeminentes no amendoim, soja e frutos secos
(castanha do Pará e avelã). As vicilinas estão presentes nos frutos
secos e em sementes como o sésamo.
Manifestações Clínicas das Alergias no Trato Digestivo
Manifestações Clínicas das Alergias no Trato Digestivo
As
hipersensibilidades alimentares, como já anteriormente referidas, são
deflagradas em indivíduos geneticamente susceptíveis, presumivelmente
quando fracassa o desenvolvimento natural da tolerância oral ou quando
este mecanismo sofre algum agravo importante. As reações alérgicas
mediadas por IgE surgem quando anticorpos IgE alimentos-específicos
residindo nos mastócitos e basófilos entram em contacto e se ligam aos
alergenos alimentares circulantes e ativam as células para a liberação
de potentes mediadores químicos e citoquinas. Na Tabela 2 estão
discriminadas as afecções digestivas causadas por AA até o presente
momento conhecidas e seus respectivos mecanismos imunológicos de ação
(27).
Síndrome Alérgica Oral
Esta
afecção é causada por uma grande variedade de proteínas de plantas que
apresentam reação cruzada com alergenos dispersos no meio ambiente,
especialmente os polens liberados pelas seguintes plantas: Ambrosia,
Bétula e Artemísia. Indivíduos alérgicos a Ambrosia podem apresentar
alergia a melão e banana, aqueles que são alérgicos a grama podem
desenvolver sintomas ao ingerir tomate cru, e indivíduos alérgicos ao
pólen da Bétula podem deflagrar sintomas depois da ingestão de alimentos
crus tais como cenouras, maçãs, peras e kiwi. Tendo em vista que os
alergenos responsáveis por essas reações são facilmente destruídos pelo
calor e pelos ácidos gástricos, na maioria dos pacientes, as
manifestações de alergia permanecem circunscritas às mucosas orais e
faríngeas (28).
Anafilaxia Gastrointestinal
Anafilaxia Gastrointestinal
Esta
é uma manifestação que se apresenta tipicamente de forma aguda com
náuseas, dor abdominal em cólica e vômitos; pode ocorrer também o
surgimento, em forma concomitante, de manifestações sintomáticas em
outro órgão alvo.
Constipação
Constipação
Muito embora desde longa data haja referência da associação de constipação e APLV,
mais recentemente Iacono e cols. em 1995, na Itália, trouxeram este
tema de volta à literatura médica. Foram avaliadas 27 crianças menores
de 3 anos que sofriam de constipação crônica funcional, as quais foram
submetidas a uma dieta de exclusão de leite de vaca e derivados durante 1
mês. Neste período de tempo observou-se que houve aumento no número das
evacuações, que estas ocorriam sem dor, houve eliminação de fezes
pastosas, e, também, ocorreu cura das fissuras anais em 78% dos casos
(21/27). O teste de desencadeamento realizado nas 21 crianças resultou
positivo, ou seja, as crianças voltaram a sofrer de constipação, em
média 48 horas após a reintrodução do leite de vaca. Ao ser novamente
retirado o leite de vaca da dieta destas crianças houve total
normalização das evacuações. Posteriormente, em 1998, Iacono e cols.,
estudaram 65 crianças menores de 6 anos de idade que sofriam de
constipação crônica funcional e que não responderam ao tratamento com
laxantes. Foram realizados dois testes de desencadeamento duplo-cego e
68% (44/65) dos pacientes revelaram-se alérgicos ao leite de vaca,
apresentando normalização das evacuações quando submetidos à dieta
isenta de leite de vaca e derivados (29-30).
Em
2001, Daher e cols., em São Paulo, investigaram 25 crianças com idades
que variaram de 3 meses a 11 anos que sofriam de constipação funcional e
constataram que em 7 (28%) delas a constipação se resolveu quando o
leite de vaca foi retirado da dieta por um período de 4 semanas, e,
reapareceu dentro das primeiras 48-72 horas após a reintrodução do leite
de vaca na dieta. Níveis elevados de IgE foram observados em 5 delas e
que regrediram com a dieta de eliminação. Desta forma, alergia ao leite
de vaca deve ser considerada naqueles casos de constipação refratários
aos tratamentos habituais, muito embora o mecanismo fisiopatológico
ainda não esteja definitivamente elucidado (31).
Gastrite Hemorrágica
Gastrite Hemorrágica
Trata-se
de manifestação clínica bastante incomum e até 2003 tinham sido
descritos apenas 10 casos na literatura médica. Entretanto, em 2003,
Machado e cols., em São Paulo, descreveram mais 2 casos de gastrite
hemorrágica, em crianças de 2 anos de idade que apresentavam desde os 2
meses hematêmese, vômitos e desnutrição. Submetidos à endoscopia
digestiva alta observou-se em ambos os pacientes pangastrite erosiva
hemorrágica e a biópsia gástrica revelou gastrite aguda ulcerada com
intenso infiltrado eosinofílico (24,1 eosinófilos/campo de grande
aumento). A biópsia duodenal evidenciou atrofia vilositária sub-total e a
biópsia retal colite inespecífica. Após a eliminação de leite de vaca e
derivados da dieta houve total regressão da sintomatologia e
recuperação do estado nutricional (32).
Referências Bibliográficas
25. Renz, H. e cols., Acta Paediatr Scand 1991; 80: 149-54.
26. Venter, C. e cols., Allergy 2007; 63: 354-59.
27. Sampson, H.A., J Allergy Clin Immunol 1999; 103: 981-89.
28. Sampson, H. e cols., J Allergy Clin Immunol 2004; 113: 805-19
29. Iacono, G. e cols., J Pediatr 1995; 126: 34-39.
30. Iacono, G. e cols., N Engl J Med 1998; 339: 1100-4.
31. Daher, S. e cols., Pediatr Allergy Immunol 2001; 12: 339-42.
32. Kawakami, E. e cols., Jornal de Pediatria 2003; 79: 80-1.
No nosso próximo encontro seguirei a apresentar mais aspectos de interesse deste fascinante tema.
2 comentários:
Boa noite, tenho uma bebê de 4 meses que encontra-se em aleitamento materno exclusivo, nunca tendo sido exposta a fórmulas. Aos 3 meses ela passou a apresentar regurgitaçoes frequentes, mais que 10x/dia, e começou a apresentar sangramento vivo nas fezes em pequena quantidade, além de muito muco. Iniciei dieta para APLV, e posteriormente retirei tambem a soja porém não houve muita melhora. A bebê ganhou 390g no quarto mês. Hj estou hã 8 dias sem ovo, castanhas, farinhas, ou qualquer produto de fórmula ou industrializado, houve melhora no número de evacuaçoes e o aspecto das fezes ficou esverdeado. Estou ansiosa com o diagnóstico de alergia alimentar visto ela continuar sangrando nestes 8 dias. Será q pode haver outro alérgeno envolvido? Devo ir atrás de outros diagnósticos? Obrigada!
Prezada Giovana; tudo indica que realmente seja devido a alergia alimentar, o fato das fezes estarm esverdeadas não tem qualquer significado patológico.
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