sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Alergia Alimentar na infância e suas manifestações digestivas: uma enfermidade emergente no mundo atual (4)

Conceito da Barreira de Permeabilidade Intestinal (continuação)


Em situações patológicas, como por exemplo, nas infecções entéricas por determinados agentes enteropatogênicos, a função seletiva destes poros intercelulares pode estar seriamente comprometida, e, portanto, passar a dar lugar para a penetração maciça de antígenos e levar ao surgimento de alergias alimentares (Figuras 18 e 19).


Figura 18 - Material de biópsia de intestino delgado em microscopia óptica comum em grande aumento, corte semi-fino, mostrando colônias de Escherichia coli enteropatogênica firmemente aderidas à superfície mucosa provocando intensas alterações morfológicas no epitélio intestinal.

Figura 19- Esquema gráfico da sequência fisiopatológica da provocação de AA devido à infecção por Escherichia coli enteropatogênica.
Figura 20- Representação esquemática da barreira da mucosa intestinal.

Além do sistema imunológico, a barreira de permeabilidade intestinal é também formada pelas próprias células epiteliais. Caso, por alguma razão, antígenos ou fragmentos de antígenos potencialmente alergênicos consigam aderir à superfície luminal dos enterócitos, estes serão interiorizados ao citoplasma por um mecanismo de endocitose (reverso da fagocitose); já agora no interior do citoplasma serão atacados e devidamente digeridos pelos lisosomas produzidos pelo aparelho de Golgi, perdendo, assim, sua capacidade de estímulo antigênico. Finalmente serão eliminados da célula no espaço baso lateral por um processo de exocitose (Figuras 21-22 e 23) (23).


Figura 21- Representação esquemática dos mecanismos celulares de proteção da mucosa intestinal.

Figura 22- Representação esquemática do processo de degradação antigênica intracelular.


Figura 23- Material de biópsia do intestino delgado em microscopia eletrônica mostrando a formação de um corpo multivesicular, produto da ação degradativa lisosomal.

Entretanto, a imaturidade no desenvolvimento de vários destes componentes da barreira intestinal e do sistema imunológico nos lactentes reduz de forma significativa sua eficiência, tornando a mucosa entérica suscetível para a penetração de antígenos potencialmente alergênicos (proteínas do leite de vaca e da soja, por exemplo) (Figuras 24 e 25). Sabe-se que a atividade enzimática no período neonatal é sub-ótima, e o sistema da IgA secretora não se encontra totalmente maduro antes dos 4 anos de idade. Conseqüentemente, o estado de imaturidade da barreira mucosa joga um papel importante na prevalência de infecções entéricas e AA observadas nos primeiros anos de vida (24).


Figura 24- Representação esquemática da imaturidade da barreira mucosa no recém-nascido.


Figura 25- Material de biópsia do intestino delgado em microscopia eletrônica mostrando na figura superior duas células intestinais adjacentes submetidas à perfusão com o marcador macromolecular Horseradish peroxidase representado pela imagem enegrecida confinada à região das microvilosidades (V), L mostra o lumen intestinal. Observar o espaço intercelular (seta) totalmente preservado e a mitocôndria (M) intacta. Na figura inferior resultante da perfusão com sais biliares secundários observa-se que o marcador macromolecular provoca uma ruptura no poro intercelular e a imagem enegrecida estende-se ao longo de todo o espaço intercelular (seta). No detalhe podem ser observadas alterações importantes nas organelas com inchaço e degeneração da mitocôndria (M) e do aparelho de Golgi (G).

Referências Bibliográficas

23. Teichberg, S. e cols., Pediatr Res 1983; 17: 381-389.

24. Lifshitz, F., Excerpta Medica 1984; 131-40.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Alergia Alimentar na infância e suas manifestações digestivas: uma enfermidade emergente no mundo atual (3)

Conceito da Barreira de Permeabilidade Intestinal

O trato gastrointestinal representa uma extensa barreira física ao ambiente exterior com o objetivo de proteger nosso organismo das potenciais agressões físicas, químicas e microbiológicas  representadas por eventuais produtos nocivos dos alimentos, dos agentes patogênicos existentes na natureza e mesmo dos simbióticos microorganismos que naturalmente nos colonizam desde a boca até o reto e com os quais obrigatoriamente de forma cotidiana convivemos. Concomitantemente, associado a esta barreira física, o sistema imunológico, por meio do tecido linfóide intestinal, funciona também como mais um fator de proteção, possuindo a capacidade de discriminar proteínas estranhas, ou microorganismos comensais, ou perigosos agentes enteropatogênicos.

Além disso, o trato gastrointestinal nos fornece também uma formidável superfície absortiva equivalente em área ao tamanho de uma quadra de tênis (aproximadamente 200m²), para que normalmente possam ocorrer os processos digestivo-absortivos, os quais são essenciais para a preservação do estado nutricional e, conseqüentemente, a manutenção da vida (Figuras 9 e 10).


Figura 9 - Material de biópsia de intestino delgado em microscopia óptica comum apresentando morfologia normal. As vilosidades são digitiformes e representam uma relação vilosidade: cripta 5/1. As células epiteliais são cilíndricas com núcleo em posição basal e o infiltrado linfo-plasmocitário encontra-se dentro dos limites da normalidade.

Figura 10 - Vilosidade individualizada em aumento maior com aspecto digitiforme. As células epiteliais (enterócitos) são cilíndricas com núcleo em posição basal e se assentam na membrana basal. Células califormes produtoras de muco podem ser observadas ao longo das vilosidades (células esbranquiçadas arredondadas).


A barreira de permeabilidade intestinal (Figura 11) constitui uma importante adaptação do trato digestivo ao meio ambiente extra-uterino (no interior do útero o feto se desenvolve em um meio totalmente estéril protegido pelo líquido aminiótico, o qual é envolvido pela bolsa aminiótica) contra a penetração de antígenos e fragmentos antigênicos usualmente presentes no lúmen intestinal. Ao nascer, o recém-nascido necessita estar preparado para conviver com a colonização bacteriana do intestino, com a formação de subprodutos tóxicos pelas bactérias e vírus (enterotoxinas e endotoxinas) e com a ingestão de potenciais antígenos alimentares (proteínas do leite de vaca e da soja, por exemplo). Estas substâncias que são imunologicamente ativas se conseguirem romper a barreira da mucosa intestinal e, por conseguinte, penetrar na circulação sanguínea, podem causar reações inflamatórias ou alérgicas, as quais poderão resultar, por sua vez, em enfermidades gastrointestinais ou sistêmicas.



Figura 11 - Exemplo gráfico do transporte de macromoléculas em situação normal e patológica, quando há fracasso de um ou mais mecanismos de constituição da barreira de permeabilidade intestinal.

A Tabela abaixo elenca os componentes da Barreira de Permeabilidade Intestinal contra a penetração de Antígenos

A- Não Imunológicos


Intraluminais

- Acides gástrica
- Proteólise
- Peristaltismo Intestinal

Superfície Mucosa
- Cobertura de Muco
- Membrana das Microvilosidades
- Poros intercelulares

B- Imunológico

- Sistema da IgA secretora

C- Combinação de fatores imunológicos e não Imunológicos

- Formação de imune-complexos mediados pelo muco
- Proteólise na superfície mucosa facilitada pela formação de imune-complexos
- Fagocitose pelas células de Kupffer dos imune-complexos formados

O ácido clorídrico produzido pelas células parietais da mucosa gástrica, entre outras finalidades, funciona como a primeira potente barreira química contra as agressões de microorganismos patogênicos que por ventura venham a ser ingeridos pelo hospedeiro. Ao mesmo tempo também atua na primeira fase da digestão dos nutrientes, em especial as proteínas, formando complexos menores que irão ser mais facilmente digeridos pelas enzimas proteolíticas pancreáticas. O peristaltismo intestinal age como fator mecânico de depuração dos potenciais agentes tóxicos e/ou microorganismos patogênicos ingeridos com a alimentação (20).

A cobertura de muco (por meio da sua espessura e composição química) que se deposita sobre a superfície das microvilosidades intestinais contribui de forma especial contra a adesão e penetração de antígenos. O muco é produzido pelas células caliciformes, as quais se encontram intercaladas aos enterócitos ao longo de todas as vilosidades intestinais (Figuras 12-13-14 e 15). A espessura física da cobertura de muco sobre a superfície da mucosa intestinal pode se expandir na dependência do estímulo antigênico recebido, contribuindo, assim, como um fator de expulsão de parasitas e antígenos microbianos intestinais (21). 

Figura 12- Ação protetora física e química da cobertura de muco sobre o epitélio intestinal.
Figura 13- Material de biópsia de intestino delgado em microscopia eletrônica com estrutura preservada evidenciando a formação das microvilosidades no topo da imagem formando uma verdadeira paliçada. No interior do citoplasma podem ser observados alguns retículos endoplásmicos rugosos, mitocondrias e corpos multivesiculares.
Figura 14- Material de biópsia do intestino delgado em microscopia eletrônica destacando as microvilosidades em maior aumento e as micromiofibrilas que delas emergem e que dão suporte ao muco produzido pelas células califormes.


Figura 15- Material de biópsia do intestino delgado em microscopia eletrônica mostrando uma célula caliciforme produtora de muco.


Os poros intercelulares apresentam dimensões bem determinadas, e, de tal forma a permitirem a passagem apenas de água e pequenos íons, como por exemplo, sódio e cloro. Eles se constituem em um importante mecanismo fisiológico para absorção de água e eletrólitos, e, em condições normais, exceto nos primeiros meses de vida, não permitem a penetração de macromoléculas intactas (Figuras 16 e 17).

Figura 16 - Material de biópsia de intestino delgado em microscopia eletrônica mostrando duas células adjacentes com poro intercelular intacto e a presença de um desmosoma em botão que confere a limitação do tamanho do poro.

Figura 17 - Material de biópsia de intestino delgado em microscopia eletrônica mostrando ruptura discreta do poro intercelular. Notar a presença, em negro, de um marcador macromolecular (Horseradish peroxidase) ao longo do espaço intercelular.

Referências Bibliográficas
 
20. Fagundes Neto, U., Acta Gastroent Lat Amer 1973; 5: 195-212.
21. Teichberg, S. e cols., Am J Clin Nutr 1981; 34: 1281-91.


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Alergia Alimentar na infância e suas manifestações digestivas: uma enfermidade emergente no mundo atual (2)

Histórico

No passado, praticamente até meados do século XX, nas mais diversas formas de sociedades e culturas existentes (Figuras 6 – 7 e 8), salvo raríssimas exceções, as crianças eram rotineiramente amamentadas ao seio materno de forma exclusiva e por tempo prolongado.




Figura 6- Lactente de sociedade dita de "cultura primitiva" mamando com total naturalidade.






Figura 7- Lactente da sociedade dita "moderna" que recebeu aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado, seguindo, assim, um hábito cultural tradicional.




Figura 8 - Lactente pertencente à família moradora da favela Cidade Leonor cuja mãe se incorporou ao programa de promoção do aleitamento natural exclusivo e venceu mitos e tabus negativos em relação ao aleitamento natural.


Entretanto, como é do conhecimento geral, as mudanças ocasionadas pelo desenvolvimento tecnológico industrial, em meados do século XIX e definitivamente consolidadas no século XX, entre as sociedades ditas “modernas”, nas quais as mulheres passaram a ocupar um espaço significativo no mercado de trabalho, associadas ao amplo e contínuo desenvolvimento da indústria de alimentos, levaram, em consequência, a uma drástica redução da prática do aleitamento materno. Outros tipos de leite, distintos do materno, foram sendo, então, progressivamente introduzidos em idades cada vez mais precoces na alimentação dos lactentes; a partir dessa mudança de hábitos e costumes começaram a aflorar os problemas dessa nova prática nutricional e, assim, passaram a surgir as Alergias Alimentares em escala cada vez mais crescente.


Vale a pena lembrar que os efeitos adversos dos alimentos são reconhecidos desde épocas imemoriais. Hipócrates já havia observado, há 2.000 anos, que a ingestão de leite de vaca pode provocar problemas gastrointestinais e urticária, mas hipersensibilidade aos alimentos foi poucas vezes descrita até que Von Pirquet, em 1906, introduziu o conceito de Alergia. O primeiro caso de APLV foi descrito na literatura médica da Alemanha, em 1901, nos EUA a primeira referência ao problema data de 1916, enquanto que na Inglaterra verifica-se apenas uma descrição de APLV antes de 1958 (15-16).


Na busca de substitutos do leite de vaca, para o tratamento de crianças com sintomas de alergia, passaram a ser desenvolvidas fórmulas preparadas industrialmente a partir da proteína vegetal da soja, introduzidas em 1929, ainda que tais preparações já fossem conhecidas e utilizadas desde 1909, porém em pequena escala. Posteriormente, já na década de 1940, surgiram os preparados de hidrolisados da caseína e do soro leite como alternativa no tratamento das alergias alimentares múltiplas. Mais recentemente, no fim do século XX, passaram a ser elaboradas as fórmulas à base de mistura de aminoácidos, as quais são praticamente desprovidas de quaisquer estímulos antigênicos. Elas são indicadas naqueles casos de comprovada intolerância aos hidrolisados protéicos extensivamente hidrolisados.


Genética associada ao meio ambiente: fatores que contribuem para o surgimento da Alergia Alimentar


Atualmente, está bem estabelecido que há uma significativa contribuição genética para o surgimento de alergia e, mais ainda, que inúmeros genes tem sido identificados como responsáveis pelo aparecimento tanto de eczema quanto de asma. Mutações genéticas têm sido descritas em até 27% dos pacientes portadores de eczema grave e estas parecem conferir fatores de risco para a persistência da doença, sensibilização para alergias múltiplas, e aparecimento de asma associada ao eczema. A descoberta dessas mutações genéticas demonstra de forma inequívoca a importância do papel da ruptura da barreira de defesa da pele como fator primordial na patogênese do eczema e na sensibilização alérgica (17).


É interessante assinalar que, no caso dos pacientes portadores de eczema grave, foram encontrados auto-anticorpos circulantes dirigidos contra determinadas proteínas celulares. Este fato levou à especulação de que aquilo que se iniciou como um processo essencialmente alérgico sofreu uma evolução para tornar-se uma enfermidade auto-imune. Daí a necessidade de se programar ações efetivas para prevenir a evolução da doença para a cronicidade.


A “Marcha da Alergia” nos lactentes de alto risco


Como já foi anteriormente referido APLV tende a apresentar remissão espontânea, mas geralmente vem a ser substituída por outra manifestação de alergia. O surgimento de eczema é frequentemente visto como o prenúncio de que ocorreu a sensibilização do organismo por algum alergeno alimentar, com aumento dos níveis de IgE especificamente para um determinado alimento, cujos picos séricos se mantém dentro dos primeiros 2 anos de vida. Este cortejo sintomático é seguido por um incremento da sensibilização por alergenos inalatórios, os quais, por sua vez, acarretam uma correspondente elevação na incidência de asma e rinite. Eczema atópico é geralmente a primeira manifestação da doença alérgica, sendo que cerca de metade de todos os lactentes que sofrem de eczema acabam por apresentar asma, enquanto que 2/3 deles desenvolvem rinite alérgica nos anos subseqüentes. Esta associação de eventos patológicos é frequentemente referida como a “Marcha da Alergia” (18).


A sensibilização por alergenos inalatórios e alimentares é bastante comum no caso de surgimento de eczema atópico. Há uma clara evidencia de que a ocorrência de sensibilização atópica em lactentes portadores de eczema representa um marcador da intensidade da doença. A sensibilização provocada por alimentos e agentes inalatórios está associada ao aparecimento de eczemas mais graves, aumento do risco para a persistência da doença além dos 7 anos de vida, e também, risco maior para o surgimento de alergia das vias respiratórias.


Estudos realizados na década de 1980, utilizando testes de provocação, tipo duplo cego, com alimentos controlados e placebo, já comprovavam que 30 a 56% das crianças portadoras de eczema moderado ou grave apresentavam AA. A eliminação da dieta destes alergenos alimentares acarretava significativa regressão da lesão atópica. É necessário evitar a ingestão do alimento alergênico, posto que mesmo mínimas quantidades do antígeno alimentar são capazes de induzir a síntese de IgE específica, e, portanto, levar à liberação de histamina desde os basófilos, a qual por sua vez determina a deflagração dos sintomas de Alergia (19).


O acompanhamento rotineiro dos pacientes e a conseqüente realização de testes de provocação constituem importante estratégia de atuação, posto que a história natural da doença, para a vasta maioria dos pacientes, é a aquisição de tolerância em relação aos alergenos, ao longo dos tempos.

Referências Bibliográficas

15. Johansson, S.G. e cols., Allergy 2001; 56: 813-24.
16. Werfel, T. e cols., Allergy 2007; 62: 723-28.

17. Illi, S. e cols., J Allergy Clin Immunol 2004; 113: 925-31.

18. Uguz, A. e cols., Clin Exp Allergy 2005; 35: 746-50.

19. Bindslev-Jensen, C. e cols., Allergy 2004; 59: 690-97.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Alergia Alimentar na infância e suas manifestações digestivas: uma enfermidade emergente no mundo atual (1)

Introdução

Alergia Alimentar (AA), aos mais diversos alimentos da dieta, constitui-se em um problema cada vez mais comum na infância, em especial durante os 2 -3 primeiros anos de vida, e pode se apresentar com um amplo espectro de sinais e sintomas que afeta principalmente os tratos digestivo, respiratório e tegumentar. O leite de vaca, durante o primeiro ano de vida, representa o principal alergeno da dieta e envolve inúmeras de suas múltiplas proteínas presentes em sua composição. É importante assinalar que alergia à proteína do leite de vaca (APLV) trata-se de uma enfermidade temporária que, na imensa maioria dos casos, apresenta remissão espontânea até o terceiro ano de vida, em alguns casos desaparece mesmo ao final do primeiro ano. Vale ressaltar que é secundada pela alergia à proteína da soja, e que, em muitas circunstâncias ocorre uma reação cruzada com APLV.

Atualmente está bem estabelecido que há um importante componente genético, que atua como fator predisponente, o qual se associa a um fator desencadeante (proteína heteróloga) para o surgimento da AA. Por outro lado, o fator genético isoladamente não pode ser responsabilizado pelo significativo aumento da prevalência das doenças alérgicas, as quais tem sido caracterizadas cada vez mais frequentemente nestas últimas 2 décadas. Este incremento deve ser definitivamente atribuído a uma série de interações do complexo “genética-meio ambiente”, as quais ocorrem durante a gravidez ou mesmo logo após o nascimento do ser humano, ainda durante os primeiros meses de vida extra-uterina (Figura 1) (1).


Figura 1- Esquema dos vários fatores envolvidos na gênese da AA.

Definições

Para facilitar o entendimento dos conceitos e uniformizar a nomenclatura utilizada no presente trabalho são apresentadas a seguir as definições das principais reações adversas aos alimentos.

Hipersensibilidades Alimentares são reações adversas aos alimentos que incluem quaisquer manifestações anormais resultantes da ingestão de um determinado alimento e podem ser o resultado de Intolerâncias Alimentares ou AA (2).

Intolerâncias Alimentares são respostas adversas causadas por uma característica fisiológica específica do hospedeiro, tais como as afecções metabólicas (por exemplo, deficiência de Lactase) (3).

Alergias Alimentares (AAs) são reações adversas imunologicamente determinadas que podem ser devidas a mecanismos mediados por IgE, não IgE ou mistas (4).

Reações Tóxicas podem simular Hipersensibilidades Alimentares e são tipicamente causadas por fatores inerentes aos alimentos tais como contaminantes tóxicos (por exemplo, liberação de histamina em envenenamento por determinadas espécies de peixes), ou substâncias farmacológicas contidas nos alimentos (por exemplo, tiramina em queijos envelhecidos), as quais podem afetar a maioria dos indivíduos sadios quando oferecidas em doses suficientemente elevadas (5).

Aversões Alimentares podem mimetizar reações de Intolerância Alimentar, porém, elas costumam não ser reproduzíveis quando se realiza um teste "cego" do alimento a ser ingerido e ao qual se suspeitava haver Intolerância (6).

Resumidamente, as reações adversas (Hipersensibilidades) - Intolerâncias Alimentares ou AA – podem ser classificadas em:

1- Intolerância/Hipersensibilidade Não Alérgica

2- Alergia Alimentar/Hipersensibilidade Alérgica

Mediada por IgE

• Não Mediada por IgE

• Mistas

3- Reações Tóxicas

4- Aversão Alimentar

Hipersensibilidade alérgica aos alimentos – AAs - necessariamente envolvem mecanismos imunológicos em reação a uma ou mais determinada proteína e podem ser divididas em 3 tipos fundamentais, a saber (7):

1- Mediadas por IgE (hipersensibilidade imediata) (Figura 2); admite-se que as reações de alergia mediadas por IgE sejam responsáveis por 60% dos casos.
Figura 2- Lesões de urticária gigante provocadas por AA (ingestão de camarão). Notar as lesões eritemato-papulosas disseminadas no tronco do paciente.
2- Não mediadas por IgE (Figura 3):

a) hipersensibilidade tardia ou celular;

b) formação de imunecomplexos e vasculite.

Figura 3- Paciente portador de alergia APLV e da soja apresentando quadro de diarréia crônica com síndrome de má absorção, levando a perda de peso e parada do ritmo de crescimento. Notar a nítida diminuição do tecido celular sub-cutâneo, a atrofia da musculatura da região glútea e raiz das coxas, além da distensão abdominal provocada pela flacidez da musculatura do abdome.
3- Mistas, quando ambos os mecanismos estão presentes (Figura 4).
Figura 4- Material de biópsia do intestino delgado de um paciente portador de gastroenteropatia eosinofílica. Observar a atrofia vilositária associada a intenso infiltrado inflamatório linfo-plasmocitário e eosinofílico na lâmina própria da mucosa jejunal.
As reações mediadas por IgE tendem a surgir dentro de segundos ou minutos após a ingestão do alimento alergênico, ao passo que AA que tarda dias ou semanas para se manifestar é mais provável que não seja mediada por IgE. AA pode afetar vários sistemas do organismo e os mais freqüentemente envolvidos são os tratos digestivo e respiratório, e a pele. Manifestações de APLV podem afetar todos os segmentos do trato digestivo, a saber: esôfago, estômago, intestino delgado, colo e reto (8).
Alergias Alimentares apresentam sua maior prevalência durante os primeiros anos de vida e afetam cerca de 6% das crianças menores de 3 anos de idade. Está bem estabelecido que a causa mais freqüente de AA é a APLV. Aproximadamente 2,5% dos recém-nascidos demonstram reações de APLV durante o primeiro ano de vida. Muito embora a APLV seja uma enfermidade transitória, ainda assim, em torno de 80% dos pacientes afetados podem manter-se alérgicos além do primeiro ano de vida. Por outro lado, a maioria das crianças perde sua hipersensibilidade (adquire tolerância) aos vários alimentos alergênicos entre os 3 e os 5 anos de vida. Lactentes que sofrem de APLV e Soja, cuja reação imunológica não é mediada por IgE, geralmente passam a ser tolerantes a estes alimentos durante o segundo ano de vida. Aqueles lactentes que sofrem de AA (leite de vaca, soja, ovos, etc.), cuja reação imunológica é mediada por IgE tornam-se tolerantes a estes alimentos um pouco mais tarde (85% destas crianças por volta dos 5 anos de idade) (9-10-11).

Antes da década de 1950 a incidência descrita de APLV durante o primeiro ano de vida era muito baixa, aproximadamente 0,1 a 0,3%. Desde então, as estimativas da incidência da APLV aumentaram significativamente e tem variado entre 1,8 a 7,5%, dependendo dos critérios diagnósticos utilizados e da elaboração dos desenhos metodológicos das pesquisas. Indiscutivelmente, APLV é a causa de AA mais comumente confirmada entre lactentes e sua incidência no primeiro ano de vida, diagnosticada em ensaios clínicos prospectivos bem conduzidos, varia de 2 a 3%, e, em seguida vem a alergia à proteína da soja em 0,8% dos casos. É importante salientar que manifestações clínicas reproduzíveis de APLV têm sido relatadas em aproximadamente 0,5% dos lactentes em aleitamento natural exclusivo (12).

Crianças portadoras de afecções atópicas tendem a apresentar maior prevalência de AA; aproximadamente 35% das crianças portadoras de dermatite atópica moderada ou grave sofrem de AA mediada por IgE (Figura 5), e, cerca de 6% das crianças que sofrem de asma apresentam sibilância respiratória induzida por alimentos (13).

Figura 5- Lesão de dermatite eczematosa retroauricular em paciente com APLV e soja.
Com o objetivo de avaliar a percepção dos pais a respeito de possíveis reações adversas causadas pelo leite de vaca, Eggesbo e cols., em 2011, na Noruega, realizaram uma investigação clínica acompanhando um grupo de 3.623 crianças desde o nascimento até que completassem 2 anos de idade, através da aplicação de questionários semestrais. Os autores detectaram uma prevalência de APLV de 7,5% aos 12 meses, 5% aos 24 meses e uma incidência cumulativa de 11,6%, demonstrando, assim, a importância da percepção dos pais quanto à suspeita da existência de reações adversas ao leite de vaca e a necessidade de se estabelecer procedimentos diagnósticos apropriados (14).
Referências Bibliográficas:
1. Cox, H., J Pediatr Gastroenterol Nutr 2008; 47:S45-8.
2. Venter, C. e cols., J Allergy Clin Immunol 2006; 117: 1118-24.
3. Johansson, S. G. e cols., J Allergy Clin Immunol 2004; 113: 832-6.
4. Du Toit, G. e cols., Pediatr Allergy Immnunol 2009; 20: 309-19.
5. Sicherer, S. H. e cols., J Allergy Clin Immunol 2004; 114: 118-24.
6. Kneepkens, C. M. F. e cols., Eur J Pediatr 2009; 168; 891-96.
7. García-Ara, C. e cols., J Allergy Clin Immunol 2001; 107: 185-90.
8. Husby, S., J Pediatr Gastroenterol Nutr 2008; 47: S49-52.
9. Kneepkens, C. M. F. e cols., Eur J Pediatr 2009; 168: 891-96.
10. Pereira, B. e cols., J Allergy Clin Immunol 2005; 11: 884-92.
11. Johansson, S.G. e cols., Allergy 2001; 56:813-24.
12. Sampson, H.A., J Allergy Clin Immunol 2004; 113:805-19.
13. Spergel, J. M. e cols., J Allergy Immunol 2003; 112: S118-27.
14. Eggesbo, M. e cols., Pediatr Allergy Immunol 1999; 10: 122-32


No nosso próximo encontro continuarei a discutir este tema tão atual e fascinante.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

O teste do Hidrogênio no ar expirado: sua consolidação como método eficiente, não invasivo, de avaliação da função digestivo-absortiva

Diagnóstico

1- Metabolismo do gás no trato digestivo

O metabolismo do gás no trato digestivo envolve uma série de processos fisiológicos que dizem respeito à produção, consumo, excreção e sua disponibilidade nos diversos compartimentos do mesmo.

O volume do gás no trato digestivo tem sido mensurado desde a década de 1950 por diferentes investigadores, que utilizaram técnicas diversas, mas os resultados têm mostrado pequenas variações entre elas. Em geral, os valores giram ao redor de 100 ml na maioria dos indivíduos, porém, em um mesmo indivíduo este valor pode variar de 30 a 200 ml.

A composição do gás intraluminal varia ao longo de todo o trato digestivo, a saber: o gás no interior do estômago apresenta uma composição similar ao do ar atmosférico, enquanto que no flatus a composição mostra uma enorme variabilidade individual, representando o resultado final dos diferentes processos metabólicos que ocorrem no interior do trato gastrointestinal. Mais de 99% do gás intestinal é composto por 5 gases inodoros (N2, O2, CO2, H2 e Ch4), e, em particular, o N2 varia de 11 a 92%; O2, 0 a 11%; CO2, 3 a 54%; H2, 0 a 85%; CH4, 0 a 56%. Inúmeros outros gases odoríferos, tais como NH3, sulfito de hidrogênio, indol, escatol, aminas voláteis, ácidos graxos de cadeia média estão também presentes, entretanto em ínfimas quantidades, correspondendo a menos de 1% do flatus.

O gás presente no trato digestivo é proveniente de diversas fontes, a saber: ar deglutido, produção intraluminal (reações químicas e metabolismo bacteriano) e difusão de gases desde a corrente sanguínea para o lúmen intestinal.

Pequenas quantidades de ar alcançam o estômago através da deglutição, tanto separadamente como em associação com os alimentos. Uma fração deste ar é eliminada através da eructação e outra parte dele é propelida para o intestino delgado, em particular, quando o indivíduo se encontra na posição supina, porque esta posição torna a eructação mais difícil.

Considerando-se a produção intraluminal, está bem definido que o CO2, o H2 e o CH4, são os gases preponderantes em todo o trato gastrointestinal. No intestino delgado é produzida uma grande quantidade de CO2 pela interação do H2 íon com o bicarbonato pela ação da anidrase carbônica. Como o CO2 é rapidamente absorvido nas porções mais altas do intestino sua contribuição no volume final do flatus é mínima. Entretanto, concentrações mais altas de CO2 eliminadas pelo reto podem ser encontradas usualmente quando a concentração do H2 no flatus também se encontra elevada, devido às reações da fermentação bacteriana. Diferentemente do CO2, está bem definido que as únicas fontes de H2 e CH4 no intestino derivam dos processos metabólicos das bactérias, porque ratos isentos de microorganismos e os recém-nascidos durante as primeiras 12 horas de vida não produzem estes gases. Em condições de jejum, a produção de H2 é baixa, mas, após a ingestão de substratos fermentáveis ou não digeríveis, primariamente carboidratos, as bactérias intraluminais liberam quantidades significativas de H2. Nos indivíduos sadios algumas frutas e vegetais (particularmente legumes e feijão), ou farinhas de trigo, aveia, batata e milho contém oligossarídeos que escapam à digestão pelas enzimas do trato digestivo alto e, assim, tornam-se disponíveis, no intestino grosso, como substratos para a fermentação bacteriana. Por outro lado, na vigência de determinadas enfermidades do intestino delgado que acarretam má absorção dos carboidratos da dieta, grandes quantidades destes substratos alcançam os colons, e, assim, se tornam disponíveis para a fermentação bacteriana por meio de um processo anaeróbico, e, então, são produzidos gases (CO2, H2 e CH4) e ácidos orgânicos, tais como ácido láctico e ácidos graxos de cadeia média. No caso destes gases não serem aproveitados pelas bactérias, eles são absorvidos para a circulação sistêmica, e, então, serão excretados pela respiração ou mesmo nas fezes. Particularmente, o H2 pode ser rapidamente absorvido para a circulação sistêmica e excretado pelos pulmões, e esta é a tese racional para o emprego do teste do H2 no ar expirado, usado amplamente para detectar a má absorção de um determinado carboidrato. A quantidade de H2 absorvida é quase completamente eliminada da circulação sanguínea em uma única passagem pelos pulmões, e, portanto, a taxa de H2 no ar expirado representa na prática aquela que foi absorvida pelo intestino.

2- O Teste do Hidrogênio no Ar Expirado: sua consolidação como método eficiente, não invasivo, na avaliação da função digestivo-absortiva

No passado, acreditava-se que o pulmão fosse um órgão apenas responsável pela respiração e, portanto, tinha-se o conceito de que somente Oxigênio (O2) e Dióxido de Carbono (CO2) pudessem ser dosados no ar expirado. Atualmente, porém, sabe-se que o ar expirado dos pulmões contém mais de 2000 substâncias distintas, e que, além da respiração, os pulmões apresentam uma função adicional, qual seja a excreção de substâncias voláteis, o que tornou os pulmões reconhecidamente como “órgãos excretores” de gases que se encontram dissolvidos no sangue. Uma destas inúmeras substâncias voláteis excretadas pelos pulmões é o Hidrogênio (H2), o qual pode ser facilmente medido com a utilização de um equipamento manual de teste respiratório.

O ser humano sadio em jejum e em repouso não elimina H2 porque o seu metabolismo não produz este gás, o qual somente é gerado durante o metabolismo anaeróbio. Considerando que o organismo humano em repouso não possui metabolismo anaeróbio, o H2 produzido e excretado pelos pulmões deve ter origem nas bactérias anaeróbias e, como se sabe, o trato digestivo alberga um número elevado de bactérias, que são predominantemente anaeróbias e que produzem grandes quantidades de H2. De fato, a concentração de bactérias, em especial as anaeróbias, alcança valores de 1015 colônias/ml, enquanto que no duodeno e nas porções superiores do jejuno praticamente não ocorre colonização por bactérias anaeróbias, encontrando-se apenas bactérias aeróbias, consideradas residentes das vias aéreas superiores, na concentração de até 104 colônias/ml (Figura 1). 


Referência - Ledochowiski M. Journal of Breath Research 2:1-9, 2008.

Portanto, pode-se assumir, com boa margem de segurança, que o H2 expirado pelos pulmões dos seres humanos em repouso é produzido, quase que exclusivamente, pelo metabolismo bacteriano dos anaeróbios que colonizam o íleo e o intestino grosso. Desta forma, pode-se afirmar que o H2 mensurado no ar expirado diz respeito à quantidade da atividade metabólica das bactérias anaeróbias presentes no trato digestivo, em particular, em condições normais, no íleo e no intestino grosso. Entretanto, em situações patológicas, como por exemplo, na síndrome do “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado”, a concentração de bactérias anaeróbias torna-se predominante no intestino delgado e pode alcançar valores superiores a 104 colônias/ml. As bactérias anaeróbias têm preferência para metabolizar os carboidratos, os quais, como parte da reação de fermentação, são “quebrados” dando a formação de ácidos graxos de cadeia pequena, CO2 e H2 (Figura 2).


 Referência - Ledochowiski M. Journal of Breath Research 2:1-9, 2008.

Uma grande parte do CO2 permanece na luz do intestino e é responsável pela sensação de flatulência, enquanto que os ácidos graxos de cadeia pequena exercem efeito osmótico atraindo água para o interior do lúmen intestinal, causando diarréia. O H2 produzido no intestino atravessa a parede intestinal, cai na circulação sanguínea, é transportado até os pulmões e, finalmente, é eliminado pela respiração como parte do ar expirado. A concentração de H2 expirada pode, portanto, ser facilmente mensurada em partes por milhão (ppm) por técnica não invasiva, por um equipamento de uso manual. A concentração do H2 mensurado na expiração é sempre um reflexo da massa de bactérias e da atividade metabólica bacteriana no trato digestivo. O momento no qual a concentração de H2 no ar expirado se eleva durante a realização do teste respiratório fornece uma indicação em qual região do intestino se deu a fermentação.

Normas para a realização do teste do H2 no ar expirado

Cada teste deve sempre se iniciar obtendo-se a amostra de jejum para a mensuração do H2 no ar expirado. Vale ressaltar que o paciente deve estar em jejum pelo período de ao menos 8 horas. Após a mensuração do valor basal de jejum, o qual deve na imensa maioria dos casos ser inferior a 5 partes por milhão (ppm) (não deve ser superior a 10 ppm), o teste respiratório pode começar. O paciente deve ingerir o conteúdo de uma solução aquosa do carboidrato, diluída a 10%, o qual se deseja testar a tolerância e/ou absorção à dose de 2 gramas/kg de peso para os dissacarídeos (Lactose, Maltose e Sacarose) e à dose de 1 grama/kg de peso para os monossacarídeos (Glicose, Frutose e Galactose). A dose máxima para quaisquer dos carboidratos a serem testados não deve ultrapassar 25 gramas. Após a obtenção da amostra de jejum e da ingestão da solução aquosa, contendo o carboidrato a ser testado, amostras de ar expirado devem ser obtidas aos 15, 30, 60, 90 e 120 minutos. Caso o teste seja realizado com Lactulose (a dose é fixa de 20 gramas diluídas a 10% em água), para pesquisa de “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado”, deve-se acrescentar uma coleta de amostra do ar expirado aos 45 minutos após a amostra de jejum. Vale salientar que a Lactulose é um dissacarídeo sintético (frutose-galactose) não absorvível que exerce efeito osmótico e que, portanto, pode provocar sintomas após sua ingestão, tais como, flatulência, cólicas e diarréia, os quais costumam desaparecer pouco tempo depois do término do teste.

Interpretação do Teste do H2 no ar expirado

A interpretação do resultado do teste do H2 no ar expirado baseia-se em 2 fatores cruciais, a saber: 1- a concentração em ppm do Hidrogênio expirado e 2- o aparecimento de sintomas após a realização do teste de sobrecarga.

1-     Teste Normal

Quando o carboidrato a ser testado é um dissacarídeo (lactose, sacarose e maltose) no caso de haver suficiência enzimática (dissacaridase), não deverá ocorrer aumento significativo da concentração de H2 no ar expirado (elevação inferior a 20 ppm sobre o nível de jejum) e nem tampouco referência a manifestações clínicas. Da mesma forma, quando o carboidrato a ser testado é um monossacarídeo (glicose, galactose e frutose) no caso de haver integridade funcional do enterócito, e suficiente disponibilidade do mecanismo transportador GLUT5 para a frutose, o teste deve também ser considerado Normal (Figura 3).


Referência - Ledochowiski M. Journal of Breath Research 2:1-9, 2008.

Por outro lado, caso surjam sintomas clínicos e a concentração de H2 no ar expirado for inferior a 20 ppm, trata-se de um não produtor de H2, o que pode ocorrer em até 5% dos indivíduos testados. Nesta circunstância para se estabelecer um diagnóstico de segurança deve ser realizado o teste com Lactulose, posto que este dissacarídeo é sempre fermentado, e, se ainda assim não houver elevação da concentração de H2 no ar expirado pode-se assumir com segurança tratar-se de um não produtor de H2.

2-     Teste Anormal

Considera-se um teste Anormal quando ocorre elevação da concentração de H2 acima de 20 ppm sobre o nível de jejum a partir dos 60 minutos depois da ingestão do carboidrato (Figura 4), pois  fica caracterizada “Má Absorção” e se concomitantemente surgirem sintomas, deve-se agregar o diagnóstico de “Intolerância”.


Referência - Ledochowiski M. Journal of Breath Research 2:1-9, 2008.

Por outro lado, caso ocorra um aumento significativo do H2 no ar expirado a partir dos 60 minutos, mas não surjam sintomas deve-se, nesta circunstância, utilizar a denominação “Má Absorção” para o teste bioquímico, mas do ponto de vista clínico não ocorreu “Intolerância” (Figura 5).


Referência - Ledochowiski M. Journal of Breath Research 2:1-9, 2008.

Usualmente deve ser possível alcançar o pico máximo do aumento do H2 no ar expirado aos 60 minutos, ou ainda melhor, aos 90 minutos, porque pode tardar esse tempo para que o carboidrato não absorvido alcance o intestino grosso.

Caso o valor do H2 no ar expirado seja superior a 10 ppm e menor do que 20 ppm, o teste deve ser considerado como limítrofe anormal. Além disso, outro fator também deve ser levado em consideração, pois se houver uma elevação da concentração de H2 acima de 10 ppm sobre o nível de jejum dentro dos primeiros 30 minutos do teste, esta ocorrência caracteriza “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado”. Essencialmente há 2 possibilidades para a vigência deste perfil particular do H2 no ar expirado, a saber:


1-     a curva mostra um perfil de 2 picos de elevação do H2 no ar expirado, ou seja, 1 deles nos primeiros 30 minutos do teste seguido de uma diminuição na concentração do H2, o qual é seguido por nova elevação após os 60 minutos. Este comportamento do teste indica que há um “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado” associado a preservação da válvula íleo-cecal e também que as bactérias presentes nas porções altas do intestino delgado foram capazes de metabolizar a substância testada. O segundo pico demonstra que a maior porção da substância testada não foi absorvida e que, portanto, foi fermentada no intestino grosso (má absorção) (Figura 6).




Referência - Ledochowiski M. Journal of Breath Research 2:1-9, 2008.

Caso o paciente, durante a realização do teste, decorridos menos de 60 minutos após a ingestão da substância testada, vier a apresentar sintomas e que estes rapidamente venham a desaparecer, isto indica que as queixas se devem mais provavelmente ao “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado” do que à má absorção da substância testada.


2- a curva mostra um pico precoce, antes dos 60 minutos após a ingestão da substância testada, o qual se mantém pelo menos 20 ppm acima do valor basal, sem apresentar uma queda no valor do H2 no ar expirado até os 90 minutos. Esta curva apresenta um “quase” perfil de 2 picos, sem que ocorra o “vale” entre o primeiro e segundo picos (Figura 7).



Referência - Ledochowiski M. Journal of Breath Research 2:1-9, 2008.

Neste caso deve-se considerar que houve um refluxo do fluido do intestino grosso para o íleo em virtude de uma hipotonia da válvula íleo-cecal.

Tipos de testes do H2 no ar expirado

Na verdade, o teste hidrogênio no ar expirado deve ser indicado para quaisquer carboidratos, tais como os monossacarídeos (glicose, frutose e galactose), dissacarídeos (sacarose, maltose e lactose) e mesmo para os polissacarídeos, álcool-açúcares, e o dissacarídeo sintético Lactulose não absorvível (galactose-frutose). Os tipos de teste do H2 no ar expirado mais indicados estão representados na Tabela 1.




As principais indicações dos testes do H2 no ar expirado estão apontadas na Tabela 2.




Teste de sobrecarga com Lactulose

Como anteriormente referido, a Lactulose é um dissacarídeo sintético composto por galactose-frutose, portanto não absorvível, visto que o intestino humano não possui nenhuma dissacaridase capaz de hidrolisar este carboidrato, e como conseqüência a Lactulose é sempre fermentada. Neste caso deve-se utilizar 20 gramas do carboidrato diluído em solução aquosa a 10%. As indicações para a realização do teste com Lactulose estão discriminadas na Tabela 3.

 

Todos estes testes, individualmente ou em conjunto, para se avaliar o perfil da função digestivo-absortiva ou o tempo de trânsito oro-cecal estão disponíveis para atendimento aos pacientes no Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo – IGASTROPED. tel.: 11 988427324. (Contato Tatianne Rocha)