Características clínicas e morfológicas da mucosa retal de lactentes com enterorragia devido a alergia alimentar: experiência pessoal
Considerando que a Colite Alérgica é a causa mais
prevalente de colite nos primeiros meses de vida, e que os principais alergenos
são as proteínas do leite de vaca e da soja, podendo mesmo ser veiculados pelo
leite materno, e, que no nosso meio são escassos os estudos que correlacionam
os dados clínicos com os achados histopatológicos na colite, realizamos esta
pesquisa, que transcrevo abaixo, de
forma resumida, a qual foi publicada na revista Arquivos de Gastroenterologia,
em 2002, sob o título: “Características clínicas e morfológicas da mucosa retal
de lactentes com enterorragia devido a alergia alimentar”, pelos seguintes
autores: Norys Diaz, Francy Patrício & Ulysses Fagundes Neto (1).
Objetivos:
1- Descrever as
características da morfologia da mucosa retal em pacientes menores de 6 meses
portadores de APLV;
2- Comparar as características
da morfologia da mucosa retal entre estes pacientes e um grupo controle.
Pacientes:
Foram investigados, de
forma prospectiva e consecutiva, 20 lactentes menores de 6 meses que
apresentavam queixa clínica de presença de sangue vivo nas fezes e suspeita de AA. Em cada caso foram obtidas as
seguintes informações: idade, sexo, idade de início do sangramento retal,
presença de outros sintomas associados (vômitos, regurgitação, diarréia,
palidez, distensão abdominal, cólicas, ganho ponderal inadequado, constipação e
febre), peso ao nascer, tipo de alimentação no início dos sintomas (leite
materno, fórmula láctea ou outros), idade do desmame, tratamentos dietéticos
prévios, antecedentes pessoais e familiares de primeiro grau com outras
enfermidades de provável origem alérgica.
Testes Laboratoriais:
Foram realizados os seguintes exames: hemograma; parasitológico de fezes;
cultura de fezes; retosigmoidoscopia; biópsia retal.
Critérios Diagnósticos de Colite Alérgica
Foram utilizados os
critérios propostos por Walker-Smith (2) anteriormente descritos.
Grupo Controle: Foram
investigados 10 lactentes menores de 12 meses com suspeita de megacolon
congênito. A análise da mucosa retal obtida por biópsia revelou-se sem
alterações.
Avaliação da Mucosa Retal
A biópsia retal foi
realizada durante o período de estado da doença, antes do início do tratamento,
sem sedação, com a cápsula de aspiração de Rubin. Em todos os pacientes foram
obtidos 3 fragmentos de mucosa retal a 2, 3 e 5 cm da borda anal, das
paredes lateral ou posterior do reto. Foram avaliados os seguintes elementos
microscópicos: alterações no epitélio superficial (degeneração, regeneração,
erosão, criptite, metaplasia de células de Paneth), alterações da arquitetura
glandular (distorção, ramificação, abscessos crípticos), conteúdo mucoso das
glândulas (normal ou reduzido), infiltrado da lâmina própria (tipo, extensão,
quantidade), nódulos linfóides (presença, número e localização), presença de
granulomas, parasitas, fungos, corpos de inclusão de citomegalovirus e outras
inclusões virais. A contagem do número de eosinófilos e neutrófilos foi
realizada para cada uma das camadas da mucosa retal (epitélio superficial,
epitélio glandular, lâmina própria e muscular da mucosa).
A contagem de eosinófilos
foi realizada tomando-se como padrão de anormalidade os achados de Winter e
cols. (3) e Odze e cols. (4), a saber:
1- Presença de um ou mais
eosinófilos por campo de grande aumento (400x) avaliado, no epitélio
superficial ou glandular ou na muscular da mucosa. O número total de células
foi expresso como a média do número total de células contadas, dividido entre o
número de campos de grande aumento avaliados.
2- Presença de 6 ou mais
eosinófilos por campo de grande aumento avaliado, na lâmina própria. O número
total de células foi expresso da mesma forma que no item anterior.
Foram contados apenas os
eosinófilos íntegros. Para caracterização de colite foram utilizados os
critérios de Goldman (5).
Resultados:
A idade dos pacientes
variou de 22 a
175 dias e o início dos sintomas variou entre 2 e 157 dias de vida, sendo que
em 85% deles os sintomas se iniciaram antes dos 120 dias de vida.
A dieta de 60% dos
pacientes se constituía de fórmula láctea ou aleitamento misto, enquanto que os
40% restantes recebiam lactância materna exclusiva. O desmame ocorreu antes dos
4 meses de idade em 92% dos pacientes (considerando-se aqueles que não estavam
recebendo aleitamento materno exclusivo na primeira consulta).
Além da enterorragia os
pacientes apresentavam os seguintes sintomas associados: vômitos (65%), palidez
(30%), cólicas (20%), diarréia (20%), constipação (5%). Ganho ponderal
inadequado foi observado em 15% deles. Lesões cutâneas de provável natureza
alérgica (eczema e dermatite seborréica) estiveram presentes em 20% dos
pacientes e respiratórias em 10% deles.
Com relação aos
tratamentos dietéticos previamente utilizados, sem sucesso, 3 (15%) haviam
recebido fórmula de soja e 2 (10%) fórmula à base de hidrolisado protéico.
Em nenhum dos pacientes
foi detectada presença de parasitas e nem tampouco microorganismos
enteropatogênicos nas fezes.
Erosão do epitélio
superficial ou úlcera foi observada em 3 pacientes, ao passo que nos controles
não foram observadas alterações no epitélio superficial. O achado mais marcante
na biópsia retal dos pacientes foi a presença significativamente aumentada de
eosinófilos em todas as camadas da mucosa retal em relação ao grupo controle,
respectivamente, a saber: epitélio superficial 1,4 x 0,1; epitélio glandular
1,8 x 0,2; lâmina própria 10,3 x 1,3; muscular da mucosa 2,5 x 0,0.
Nas figuras 1 e 2 podem ser
observados os aspectos de mucosa retal normal à microscopia óptica comum,
enquanto que nas Figuras 3-4-5 e 6 podem ser observadas as distribuições
dos eosinófilos nas diversas camadas da mucosa retal nos pacientes com Colite Alérgica.
Figura 1-
Mucosa colônica normal evidenciando epitélio preservado, infiltrado
linfo-plasmocitário na lâmina própria e glândulas crípticas com a células
repletas de muco.
Figura 2- Mucosa retal sem alterações morfológicas evidenciando em ambas as laterais
e no centro nódulos linfóides.
Figura 3- Colite eosinofílica: notar presença de eosinófilos no epitélio e em grande
quantidade na lâmina própria.
Figura 4- Colite eosinofílica:
notar presença de eosinófilos em grande quantidade no epitélio e na porção
superior da lâmina própria próxima ao epitélio.
Figura 5- Colite eosinofílica: eosinófilos infiltrando o epitélio e na lâmina própria
da mucosa retal.
Figura 6- Colite eosinofílica: notar a presença de eosinófilos na muscular da mucosa.
Conclusões
Os resultados verificados
nesta investigação clínico-anátomo-patológica permitem afirmar que:
1- o quadro clínico da Colite Alérgica caracteriza-se, em geral, por início dentro dos 4 primeiros meses de vida, de forma insidiosa, com sangramento retal associado a outros sintomas, tais como diarréia, vômitos, cólicas intensas, irritabilidade;
2- as manifestações clínicas podem se apresentar em lactentes tanto em vigência de aleitamento artificial quanto natural, embora neste último caso os sinais e sintomas costumam ser menos floridos;
3- o número significativamente aumentado de eosinófilos na mucosa retal é o elemento diagnóstico mais importante;
4- o encontro de mais de 6 eosinófilos na lâmina própria e/ou 1 ou mais eosinófilos no epitélio superficial e/ou glandular, por campo de grande aumento, constituem-se nos critérios histo-patológicos para o diagnóstico definitivo de Colite Alérgica;
5- o tratamento dietético preconizado é, sempre que possível, manter o aleitamento materno, sendo que a mãe deve respeitar dieta de restrição de leite e derivados, bem como outros alergenos alimentares reconhecidos;
6- os pacientes que já estavam em aleitamento artificial devem passar a receber fórmula à base de hidrolisado protéico extensivamente hidrolisado, e na intolerância a este tipo de dieta, deve-se introduzir fórmula à base de mistura de aminoácidos.
1- o quadro clínico da Colite Alérgica caracteriza-se, em geral, por início dentro dos 4 primeiros meses de vida, de forma insidiosa, com sangramento retal associado a outros sintomas, tais como diarréia, vômitos, cólicas intensas, irritabilidade;
2- as manifestações clínicas podem se apresentar em lactentes tanto em vigência de aleitamento artificial quanto natural, embora neste último caso os sinais e sintomas costumam ser menos floridos;
3- o número significativamente aumentado de eosinófilos na mucosa retal é o elemento diagnóstico mais importante;
4- o encontro de mais de 6 eosinófilos na lâmina própria e/ou 1 ou mais eosinófilos no epitélio superficial e/ou glandular, por campo de grande aumento, constituem-se nos critérios histo-patológicos para o diagnóstico definitivo de Colite Alérgica;
5- o tratamento dietético preconizado é, sempre que possível, manter o aleitamento materno, sendo que a mãe deve respeitar dieta de restrição de leite e derivados, bem como outros alergenos alimentares reconhecidos;
6- os pacientes que já estavam em aleitamento artificial devem passar a receber fórmula à base de hidrolisado protéico extensivamente hidrolisado, e na intolerância a este tipo de dieta, deve-se introduzir fórmula à base de mistura de aminoácidos.
Como motivo de inspiração
e estímulo a todas as atuais e futuras mães para que tenham o desejo, o sucesso
e a satisfação de amamentar seus filhos, para terminar este capítulo sobre Colite Alérgica, deixo abaixo a
fotografia de uma pintura de El Greco intitulada La Virgen de la Buena Leche que está
exposta em seu museu em Toledo, Espanha.
Referências Bibliográficas
1. Diaz, N. j. e cols., Arq Gastroenterol 2002; 39:
260-67.
2. Walker-Smith,
J. A., Clin Exp Allergy 1995; 25: 20-2.
3. Winter, H.S. e
cols., Mod Pathol 1990; 3: 5-10.
4. Odze, R. D. e cols., Hum Pathol 1993; 24: 668-74.
5. Goldman, H. e
cols., Am J Surg Pathology 1986; 10: 76-86.
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