quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Colite Alérgica: Manifestações Clínicas, Diagnóstico e Tratamento (4)


Tratamento

O tratamento da Colite Alérgica baseia-se estritamente na eliminação do alergeno da dieta do paciente. Enquanto o paciente estiver recebendo uma dieta baseada em apenas um determinado alimento, como geralmente ocorre com os lactentes menores de 6 meses, seja fórmula láctea ou fórmula de soja, torna-se facilmente identificável qual a proteína que deve ser retirada da dieta. Entretanto, quando a dieta do paciente passa a ser mais variada já tendo ocorrido a introdução de outros alimentos, a identificação do alergeno pode ser uma tarefa extremamente difícil de ser exercida com sucesso. Portanto, quanto mais diversificada for a dieta de um paciente que se suspeita ser portador de AA mais trabalhoso será identificar um ou mais agentes alergênicos. Por esta razão, estrategicamente, deve-se sempre restringir ao máximo o número e a variedade dos alimentos empregados na dieta do paciente, porém, é imperioso que se tome todo o cuidado para não provocar alguma deficiência nutricional.

Lactente em Aleitamento Artificial

Nesta circunstância o paciente deve receber única e exclusivamente uma dieta hipoalergênica, ou seja, uma fórmula à base de hidrolisado protéico extensivamente hidrolisado durante um período não inferior a 12 semanas, podendo inclusive prolongar-se até o final do primeiro ano de vida dependendo do critério do médico assistente. É esperado que as manifestações clínicas desapareçam dentro das próximas 48 horas depois da introdução da fórmula hipoalergênica. Caso os sintomas persistam ou reapareçam dentro de alguns dias após a introdução da fórmula hipoalergênica, deve-se suspeitar de intolerância à fórmula à base de hidrolisado protéico. Apesar das proteínas serem extensivamente hidrolisadas nas fórmulas à base de hidrolisado protéico disponíveis no mercado, ainda assim apresentam em sua composição pequenas frações peptídicas que podem desenvolver estímulo antigênico. Tem sido nossa experiência pessoal, aliada à experiência internacional, que cerca de 10 a 15% dos pacientes podem desenvolver intolerância às fórmulas à base de hidrolisado protéico. Ao se suspeitar ou mesmo se caracterizar a ocorrência de intolerância à fórmula à base de hidrolisado protéico, deve-se substituí-la para uma fórmula à base de mistura de amino-ácidos, a qual não tem qualquer estímulo antigênico, visto que este tipo de fórmula é desprovida de frações peptídicas potencialmente alergênicas (23).
Após o sexto mês de vida devem ser introduzidos novos alimentos, porém, sempre com a devida precaução de evitar a utilização de leite de vaca e derivados, bem como produtos contendo soja. A introdução desses novos alimentos deve ser feita de forma gradual para que se possa ter uma observação criteriosa da sua tolerabilidade por parte do paciente.
Como esta enfermidade tem caráter transitório, no final do primeiro ano de vida pode-se realizar um teste de desencadeamento com fórmula láctea. O desencadeamento deve ser realizado sob supervisão médica, posto que, embora muito raramente, pode ocorrer choque anafilático caso o paciente ainda seja alérgico ao leite de vaca.

Lactente em Aleitamento Natural
Como já foi referido anteriormente o leite humano pode ser veículo de transporte de proteínas estranhas, potencialmente alergênicas, e desta forma, indiretamente, provocar manifestações de Colite Alérgica. Entretanto, é de fundamental importância que NÃO seja suspenso o Aleitamento Materno, e SIM tratar de eliminar da dieta da mãe o suposto alergeno. Inicialmente deve-se eliminar o leite de vaca e seus derivados, bem como a soja e todos os produtos industrializados que contenham estas substâncias na dieta. Após a eliminação destes alimentos a sintomatologia deve regredir significativamente, ou mesmo desaparecer dentro das próximas 48 horas. Caso a sintomatologia persista deve-se pensar que outros alimentos, além dos anteriormente referidos, também podem estar envolvidos como causa da alergia. Nem sempre é fácil detectar qual ou quais outros alimentos podem estar perpetuando as manifestações clínicas, porém, deve-se buscar à exaustação o possível alergeno por meio da elaboração de diários da alimentação da mãe, na tentativa de se estabelecer uma relação causa-efeito. Aproveito este tema para fazer a descrição da minha experiência pessoal com outro alergeno além do leite de vaca e da soja, através do relato de um caso.

Relato de um caso da experiência pessoal
 
Tratava-se de um recém-nascido de 15 dias de vida em aleitamento natural exclusivo que atendi com queixa de diarréia sanguinolenta. Era o segundo filho de uma mãe extremamente cuidadosa que já havia amamentado com sucesso seu primeiro filho durante 6 meses sem quaisquer intercorrências. Afora a queixa de várias evacuações sanguinolentas durante 2 dias o paciente apresentava-se em excelente estado geral, ativo, sem qualquer sinal clínico de toxemia que pudesse sugerir infecção intestinal. A primeira suspeita foi de Colite Alérgica, comprovada por biópsia retal, e a infecção colônica foi afastada por cultura de fezes que resultou negativa para crescimento de microorganismos enteropatogênicos. Como o recém-nascido não havia tido contato prévio com leite de vaca considerei que tivesse havido sensibilização intra-útero e recomendei que a mãe eliminasse da sua dieta leite de vaca e derivados, bem como soja e produtos contendo soja. A recuperação clínica deu-se em 48 horas após o início da dieta da mãe, e houve total regressão dos sintomas. Entretanto, após 15 dias do início da dieta de eliminação que a mãe estava sendo submetida, o lactente retornou para consulta, e naquela ocasião a mãe referiu que a diarréia sanguinolenta havia recaído 2 dias atrás. A mãe assegurava que estava cumprindo a dieta à risca, sem qualquer transgressão, nem mesmo inadvertidamente. Como se tratava de uma pessoa com a qual eu já vinha tendo um longo contato e era sabedor do seu zelo para com os filhos, dei crédito absoluto à sua informação, principalmente depois de haver insistido exaustivamente na possibilidade de detectar alguma transgressão alimentar, a qual sempre foi negada. Naquele momento, ao acreditar na informação da mãe passei a enfrentar um dilema científico, posto que então, obrigatoriamente, outro alimento estaria envolvido na gênese dos sintomas. Seguindo um velho aforismo da Pediatria, de que não se deve levantar da cadeira para examinar o paciente sem que se tenha uma boa presunção diagnóstica, continuei a interrogar a mãe sobre seus hábitos alimentares de forma ainda mais detalhada, em especial perguntando-lhe que possíveis alimentos não rotineiramente utilizados ela poderia ter ingerido. Depois de um longo interrogatório ela se lembrou que na noite anterior ao segundo sangramento intestinal do filho ela teve um enorme desejo de comer bala de côco, e fez o marido sair de casa para comprar a guloseima. Assim que o marido chegou em casa trazendo um pacote de bala de côco ela ingeriu todas as balas rapidamente. Mais ainda, contou-me que o mesmo fato havia ocorrido na noite anterior ao primeiro episódio do sangramento intestinal. Avançamos na quase descoberta da possível causa da alergia, porém, algo permanecia obscuro, como explicar o primeiro episódio, posto que alergia se manifesta após uma sensibilização prévia, salvo existir algum tipo de sensibilização cruzada. Por este motivo, não me dei por satisfeito e continuei o interrogatório, agora retrocedendo à gravidez, e aí o mistério se elucidou. Uma noite, já nas últimas semanas de gestação a mãe sentiu um enorme desejo de comer bala de côco, e pediu ao marido que fosse comprar a guloseima, a qual ela novamente ingeriu todo um pacote em poucas horas. Agora sim tudo tinha uma explicação perfeitamente científica: durante a gestação o feto foi sensibilizado intra-útero, portanto, já havia tido o primeiro contato com o alergeno, na segunda vez teve o processo alérgico desencadeado e na terceira vez foi um verdadeiro teste de provocação positivo para Colite Alérgica à bala de côco.
Vale a pena referir que a mãe continuou amamentando seu filho, tendo eliminado mais um alimento da dieta, de forma exclusiva até o sexto mês de vida sem qualquer outra intercorrência. Como se pode depreender desta experiência é necessário investigar todos os detalhes da dieta da mãe para termos sucesso na conduta alimentar, e persistir na recomendação da prática do aleitamento natural exclusivo por tempo prolongado. Outras experiências com outros alergenos alimentares também já foram por mim vivenciadas, mas me detenho neste exemplo por ser ele o mais significativo.

Referência Bibliográfica
23. Sichere, S. H. e cols., J Pediatr 2001; 138: 688-93.

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