Um relevante estudo epidemiológico a respeito da prevalência da Dor Abdominal em crianças de idade escolar
Recentemente, Saps e cols. (Journal of Pediatrics 2009; 154:322-6) publicaram um importante estudo prospectivo envolvendo crianças em idade escolar que apresentavam queixa de dor abdominal e outras manifestações somáticas freqüentes. Trata-se de uma das poucas investigações clínicas disponíveis na literatura médica, de natureza epidemiológica, que avaliou sintomas somáticos de um grande número de crianças a respeito de um problema frequentemente vivenciado não somente pelos profissionais da saúde como também pelos próprios pais das mesmas. Os autores demonstram de forma bastante convincente que sintomas somáticos, dentre eles cefaléia e dor abdominal, são altamente prevalentes em crianças em idade escolar.
Este trabalho de pesquisa teve o escopo de alcançar os seguintes objetivos: 1- estabelecer a prevalência da dor abdominal (DA) nestas crianças; 2- determinar os perfis psicológicos das crianças portadoras de DA; 3- determinar o impacto da DA sobre o absenteísmo escolar.
Desenho do Estudo
Os autores convidaram todos os alunos que cursavam o nível médio de 2 escolas públicas de Chicago para participar deste projeto de pesquisa de caráter prospectivo. Os objetivos do trabalho não foram revelados aos alunos para diminuir o risco de obterem informações não verdadeiras. Foi solicitado o consentimento escrito dos alunos e dos seus respectivos pais. Pesquisadores do grupo de trabalho realizavam visitas semanais para a aplicação de um questionário confidencial aos alunos a respeito da existência e da intensidade dos sintomas que pudessem ter ocorrido na semana anterior. Este questionário era composto de 8 perguntas que compunham um protocolo de investigação previamente validado para a faixa etária das crianças do presente estudo. Cinco perguntas estavam relacionadas com o trato gastrointestinal, a saber: DA, náusea, diarréia, constipação e vômitos. As outras três perguntas eram direcionadas para outras queixas somáticas freqüentes na infância: dores de cabeça, dores no tórax e dores nos membros. A intensidade das dores eram graduadas em uma escala de 0 a 4 pontos da seguinte forma: 0- ausência de dor; 1- pouca dor; 2- alguma dor; 3- muita dor e 4- dor intensa.
Como parte do projeto de pesquisa, durante o período que durou a investigação, também foram obtidas informações dos alunos e seus respectivos pais a respeito de faltas escolares, necessidades de consultas médicas e o número de dias que os pais tiveram que se ausentar do trabalho para cuidar das queixas dos seus filhos.
Resultados
Grupo de estudo
Um total de 237 de potenciais 495 (48%) crianças aceitou participar do estudo. As demais crianças não quiseram participar ou não responderam ao consentimento escrito para participar da investigação. O projeto de pesquisa teve a duração de 6 meses em uma das escolas e de 4 meses na outra.
Respostas completas dos questionários foram obtidas de 4606 sobre os 5175 (89%) possíveis. O grupo de estudo consistiu de 134 meninas e 103 meninos, com idade média de 11,8 anos, variando de 8 a 15 anos.
Sintomas, comportamento da dor e frente à dor
Aproximadamente 72% das crianças relataram pelo menos 1 sintoma somático por semana, e cerca de 45% dos participantes informaram sofrer pelo menos 1 sintoma gastrointestinal durante o período do estudo. DA foi o sintoma gastrointestinal mais freqüente, sendo que 90% das crianças referiram haver sofrido de DA pelo menos uma vez durante o tempo da investigação. A prevalência geral de DA por semana foi de 38%, sendo que a persistência da DA por mais de 4 semanas consecutivas foi relatada por 52% das crianças, acima de 8 semanas por 24%, e por mais de 12 semanas consecutivas em 18% das crianças.
A prevalência de outros sintomas gastrointestinais foi a seguinte: náusea 23%, diarréia 9%, constipação 8% e vômitos 7%.
Dor de cabeça foi a queixa somática mais freqüente e esteve presente semanalmente em 42% das crianças. A grande maioria das crianças (80%) relatava sua queixa para um adulto quando da ocorrência da dor, sendo que 56% queixavam-se exclusivamente para a mãe, 22% para a mãe ou o pai, e apenas 7% exclusivamente para o pai. De acordo com as crianças os pais respondiam às suas queixas de diversas maneiras, a saber: providenciavam medicação para atenuar a dor (44%), recomendavam que a criança fosse deitar (41%), que comesse ou bebesse algo (12%), fosse ao médico (8%), procurasse relaxar (4%), convivesse com a dor (4%), fizesse compressas quentes no local da dor (3%), tomasse um banho quente (3%) ou fosse ao banheiro (3%).
Houve uma associação diretamente proporcional de altas taxas de ansiedade, de depressão e de baixa qualidade de vida à medida que a DA tornava-se mais intensa.
As crianças que se queixavam mais frequentemente de DA apresentavam uma maior tendência a faltar às aulas; 28% das crianças faltaram às aulas pelo menos uma vez durante o período do estudo devido a um episódio de DA. Cerca de 4% das crianças faltaram às aulas uma vez por semana, e aquelas crianças que se queixavam de DA apresentaram uma tendência 4 vezes maior de faltar às aulas do que aquelas que não apresentavam esta queixa. O absenteísmo aumentou significativamente de forma diretamente proporcional com a intensidade da DA.
Apenas 4 crianças buscaram atenção médica durante o período do estudo devido a uma crise de DA e 10% dos pais faltaram ao trabalho para cuidar do seu filho devido a DA.
Conclusões
Ficou evidenciado que a DA é usualmente um problema que se torna crônico e que as crianças que já se queixavam de DA no início da investigação apresentaram uma nítida tendência a continuar com a mesma queixa durante todo o período do estudo. Houve também uma alta porcentagem de crianças que persistiram com a queixa de DA por um período de tempo superior a 8 semanas. Aliás, este é o período de tempo considerado mínimo necessário para que os pacientes sejam catalogados como portadores de uma síndrome funcional gastrointestinal definida pelos critérios de Roma III (Rasquin e cols., Gastroenterology 2006;130:1527-37). Foi também demonstrado que os sintomas somáticos, incluindo a DA, são comuns em crianças escolares e que esses sintomas estão associados com baixa qualidade de vida, outras afecções mórbidas psicológicas e somáticas, absenteísmo escolar e que muitas vezes levam seus pais a faltar ao trabalho.
Entendo que trabalhos de investigação clínica desta natureza constituem importantes contribuições científicas para uma melhor compreensão dos fenômenos psico-sócio-ambientais que estão presentes na deflagração das diversas SFG. Além disso, também servem de alerta para a comunidade pediátrica no sentido de se poder reconhecer sua real prevalência e seus impactos sobre a saúde das crianças.
No nosso próximo encontro continuarei a discutir as mais variadas nuances e os novos conhecimentos deste excitante problema que afeta um sem número de crianças em todo o globo terrestre.
Recentemente, Saps e cols. (Journal of Pediatrics 2009; 154:322-6) publicaram um importante estudo prospectivo envolvendo crianças em idade escolar que apresentavam queixa de dor abdominal e outras manifestações somáticas freqüentes. Trata-se de uma das poucas investigações clínicas disponíveis na literatura médica, de natureza epidemiológica, que avaliou sintomas somáticos de um grande número de crianças a respeito de um problema frequentemente vivenciado não somente pelos profissionais da saúde como também pelos próprios pais das mesmas. Os autores demonstram de forma bastante convincente que sintomas somáticos, dentre eles cefaléia e dor abdominal, são altamente prevalentes em crianças em idade escolar.
Este trabalho de pesquisa teve o escopo de alcançar os seguintes objetivos: 1- estabelecer a prevalência da dor abdominal (DA) nestas crianças; 2- determinar os perfis psicológicos das crianças portadoras de DA; 3- determinar o impacto da DA sobre o absenteísmo escolar.
Desenho do Estudo
Os autores convidaram todos os alunos que cursavam o nível médio de 2 escolas públicas de Chicago para participar deste projeto de pesquisa de caráter prospectivo. Os objetivos do trabalho não foram revelados aos alunos para diminuir o risco de obterem informações não verdadeiras. Foi solicitado o consentimento escrito dos alunos e dos seus respectivos pais. Pesquisadores do grupo de trabalho realizavam visitas semanais para a aplicação de um questionário confidencial aos alunos a respeito da existência e da intensidade dos sintomas que pudessem ter ocorrido na semana anterior. Este questionário era composto de 8 perguntas que compunham um protocolo de investigação previamente validado para a faixa etária das crianças do presente estudo. Cinco perguntas estavam relacionadas com o trato gastrointestinal, a saber: DA, náusea, diarréia, constipação e vômitos. As outras três perguntas eram direcionadas para outras queixas somáticas freqüentes na infância: dores de cabeça, dores no tórax e dores nos membros. A intensidade das dores eram graduadas em uma escala de 0 a 4 pontos da seguinte forma: 0- ausência de dor; 1- pouca dor; 2- alguma dor; 3- muita dor e 4- dor intensa.
Como parte do projeto de pesquisa, durante o período que durou a investigação, também foram obtidas informações dos alunos e seus respectivos pais a respeito de faltas escolares, necessidades de consultas médicas e o número de dias que os pais tiveram que se ausentar do trabalho para cuidar das queixas dos seus filhos.
Resultados
Grupo de estudo
Um total de 237 de potenciais 495 (48%) crianças aceitou participar do estudo. As demais crianças não quiseram participar ou não responderam ao consentimento escrito para participar da investigação. O projeto de pesquisa teve a duração de 6 meses em uma das escolas e de 4 meses na outra.
Respostas completas dos questionários foram obtidas de 4606 sobre os 5175 (89%) possíveis. O grupo de estudo consistiu de 134 meninas e 103 meninos, com idade média de 11,8 anos, variando de 8 a 15 anos.
Sintomas, comportamento da dor e frente à dor
Aproximadamente 72% das crianças relataram pelo menos 1 sintoma somático por semana, e cerca de 45% dos participantes informaram sofrer pelo menos 1 sintoma gastrointestinal durante o período do estudo. DA foi o sintoma gastrointestinal mais freqüente, sendo que 90% das crianças referiram haver sofrido de DA pelo menos uma vez durante o tempo da investigação. A prevalência geral de DA por semana foi de 38%, sendo que a persistência da DA por mais de 4 semanas consecutivas foi relatada por 52% das crianças, acima de 8 semanas por 24%, e por mais de 12 semanas consecutivas em 18% das crianças.
A prevalência de outros sintomas gastrointestinais foi a seguinte: náusea 23%, diarréia 9%, constipação 8% e vômitos 7%.
Dor de cabeça foi a queixa somática mais freqüente e esteve presente semanalmente em 42% das crianças. A grande maioria das crianças (80%) relatava sua queixa para um adulto quando da ocorrência da dor, sendo que 56% queixavam-se exclusivamente para a mãe, 22% para a mãe ou o pai, e apenas 7% exclusivamente para o pai. De acordo com as crianças os pais respondiam às suas queixas de diversas maneiras, a saber: providenciavam medicação para atenuar a dor (44%), recomendavam que a criança fosse deitar (41%), que comesse ou bebesse algo (12%), fosse ao médico (8%), procurasse relaxar (4%), convivesse com a dor (4%), fizesse compressas quentes no local da dor (3%), tomasse um banho quente (3%) ou fosse ao banheiro (3%).
Houve uma associação diretamente proporcional de altas taxas de ansiedade, de depressão e de baixa qualidade de vida à medida que a DA tornava-se mais intensa.
As crianças que se queixavam mais frequentemente de DA apresentavam uma maior tendência a faltar às aulas; 28% das crianças faltaram às aulas pelo menos uma vez durante o período do estudo devido a um episódio de DA. Cerca de 4% das crianças faltaram às aulas uma vez por semana, e aquelas crianças que se queixavam de DA apresentaram uma tendência 4 vezes maior de faltar às aulas do que aquelas que não apresentavam esta queixa. O absenteísmo aumentou significativamente de forma diretamente proporcional com a intensidade da DA.
Apenas 4 crianças buscaram atenção médica durante o período do estudo devido a uma crise de DA e 10% dos pais faltaram ao trabalho para cuidar do seu filho devido a DA.
Conclusões
Ficou evidenciado que a DA é usualmente um problema que se torna crônico e que as crianças que já se queixavam de DA no início da investigação apresentaram uma nítida tendência a continuar com a mesma queixa durante todo o período do estudo. Houve também uma alta porcentagem de crianças que persistiram com a queixa de DA por um período de tempo superior a 8 semanas. Aliás, este é o período de tempo considerado mínimo necessário para que os pacientes sejam catalogados como portadores de uma síndrome funcional gastrointestinal definida pelos critérios de Roma III (Rasquin e cols., Gastroenterology 2006;130:1527-37). Foi também demonstrado que os sintomas somáticos, incluindo a DA, são comuns em crianças escolares e que esses sintomas estão associados com baixa qualidade de vida, outras afecções mórbidas psicológicas e somáticas, absenteísmo escolar e que muitas vezes levam seus pais a faltar ao trabalho.
Entendo que trabalhos de investigação clínica desta natureza constituem importantes contribuições científicas para uma melhor compreensão dos fenômenos psico-sócio-ambientais que estão presentes na deflagração das diversas SFG. Além disso, também servem de alerta para a comunidade pediátrica no sentido de se poder reconhecer sua real prevalência e seus impactos sobre a saúde das crianças.
No nosso próximo encontro continuarei a discutir as mais variadas nuances e os novos conhecimentos deste excitante problema que afeta um sem número de crianças em todo o globo terrestre.
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