Influência Genética
Atualmente reconhece-se a existência de várias AFG, mas em todas elas permanece o mistério da sua fisiopatologia de base. Entretanto, alguns novos conhecimentos dão suporte a evidências de que a hipótese de haver uma interação entre fatores genéticos e a influência do meio ambiente desempenham um importante papel na patogênese destas afecções (Talley, JPGN 47:680,2008).
Tanto a Síndrome do Intestino Irritável (SII) como a Dispepsia Funcional (DF) estão presentes em nichos familiares. Por exemplo, Locke e cols. (Mayo Clinic Proc 75:907-12,2000) demonstraram que indivíduos portadores de SII e de DF apresentam um maior risco de que também seus descendentes diretos venham a apresentar esta mesma sintomatologia. Este achado não foi confirmado quando se tratava da esposa ou esposo, mesmo quando ajustes eram feitos para variáveis, tais como, sexo, idade e somatização.
De qualquer forma estudos de epidemiologia genética, rigorosamente bem elaborados e em larga escala, são necessários para identificar de forma cientificamente convincente a relevância exercida pelo papel funcional dos genes nas AFG.
Ecologia das AFG
A ecologia é uma ciência que estuda as interações dos organismos com seu meio ambiente e vice-versa. Dois importantes princípios da ecologia caracterizam a relação com o meio ambiente. Em primeiro lugar, todos os organismos vivos possuem uma inter-relação continua com outros elementos vivos e não-vivos que fazem parte do meio ambiente. Em segundo lugar, cada um destes ecosistemas e seus componentes estão conectados entre si e se afetam mutuamente (Saps, JPGN 47:684,2008). Há cerca de 60 anos a Organização Mundial da Saúde propôs uma nova dimensão no conceito de saúde ao incluir componentes físicos, psicológicos e sociais em sua definição. Baseando-se neste conceito holístico de saúde, o modelo biopsicosocial dá sustentação à relação e ao equilíbrio entre os sistemas biológicos, fisiológicos e psicológicos para determinar a suscetibilidade das AFG e explicam as variabilidades clínicas e as diferentes respostas aos tratamentos propostos. Este modelo pressupõe que a doença é o resultado da interação em múltiplos níveis dos subsistemas biológicos, psicológicos e sociais. Neste contexto, fatores psico-sociais apresentam conseqüências fisiológicas e patológicas diretas.
Atualmente está bem estabelecido que a flora intestinal desempenha uma importante influência sobre as funções do organismo do ser humano de múltiplas maneiras. Por exemplo, nos pacientes portadores da SII têm sido descritas alterações qualitativas e quantitativas da flora colônica. Um estudo realizado com amostras de fezes (Saps, JPGN 47:684-7,2008) evidenciou diferenças qualitativas entre indivíduos controles sadios e pacientes portadores da SII seja com sintomas de constipação ou diarréia. A pesquisa mostrou que embora os pacientes com sintomas predominantes de constipação possuíam altas concentrações de Veillonella aqueles portadores de diarréia apresentavam baixas taxas de Lactobacillus. Por outro lado, Galatola e cols. (Min Gastroenterol Dietol 37:169-75,1991) encontraram sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado em 56% dos pacientes com sintomas predominantes de diarréia e em 28% daqueles com sintomas predominantes de constipação. Tudo indica que as alterações da flora intestinal associadas à atividade inflamatória celular podem modificar o funcionamento normal dos neurotransmissores sensoriais colônicos, acarretando desta forma uma anormalidade na percepção visceral, dismotilidade, aumento na produção de gás e modificações do hábito intestinal. Um aumento no número de células inflamatórias na lâmina própria da mucosa colônica, a proximidade dos mastócitos às células nervosas e a produção de substâncias que ativam os receptores envolvidos nas sensações viscerais têm sido demonstradas em pacientes portadores da SII.
Infecções entéricas causadas por bactérias enteropatogênicas podem levar secundariamente a manifestações gastrointestinais persistentes caracterizadas como AFG e dispepsia. Um estudo multicêntrico controlado demonstrou a ocorrência de SII pós-infecção entérica em crianças (Saps e cols., J Pediatr 152:812-16,2008). Esta investigação evidenciou um aumento significativo na prevalência de dor abdominal, a qual perdurou durante vários anos, nos pacientes que sofreram gastroenterite de origem bacteriana mesmo após a sua cura. Muito embora a patogênese da ocorrência da SII pós-infecciosa permaneça obscura, especula-se que as alterações funcionais e estruturais sofridas pela mucosa intestinal, o aumento da permeabilidade intestinal, o comprometimento das células neuroendócrinas e a persistência de interações neuroimunológicas provocando uma disfunção sensorial e motora poderiam explicar este fenômeno clínico.
Os distintos sistemas orgânicos também vivem em um equilíbrio integrado entre eles mesmos. O sistema nervoso entérico possui um diálogo bidirecional com o cérebro por meio das vias simpáticas e parassimpáticas as quais integram o assim denominado eixo cérebro-intestino. O estresse, definido como uma ameaça aguda à homeostase pode levar a inflamação, aumento da permeabilidade intestinal, hipersensibilidade visceral e dismotilidade (Hart e cols., Aliment Pharmacol Ther 16:2017-28,2002). Estressantes físicos e psicológicos geralmente estão envolvidos na instalação bem como na modulação dos sintomas da SII. O estresse pode provocar ativação dos mastócitos e sua degranulação, com a correspondente liberação de mediadores químicos, os quais alteram a resposta motora intestinal e mesmo sua capacidade de percepção visceral, através do seu efeito sobre os nervos entéricos e as células dos músculos lisos. Os mastócitos se constituem na via final comum dos vários mecanismos sensibilizantes do trato gastrointestinal tais como o estresse, alergias alimentares e infecções. Tudo indica que todos estes mecanismos fisiopatogênicos moleculares estariam envolvidos no desencadeamento do chamado estresse relacionado ao colégio, oferecendo desta forma uma explicação para os episódios de dor abdominal e outras manifestações somáticas tão frequentemente observadas nas crianças em idade escolar durante o período letivo do ano.
Um possível efeito dos hormônios juntamente com uma importante sustentação ambiental também deve ser levado em conta. Por exemplo, a produção da Melatonina ilustra de maneira bastante nítida a integração entre os ecosistemas e os sistemas orgânicos. A Melatonina, que inicialmente pensou-se encontrar apenas na glândula pineal, também foi demonstrada estar presente em concentrações muito mais elevadas na mucosa intestinal, principalmente nas células enterocromafins. Os níveis séricos da Melatonina variam de acordo com o ciclo da luz do dia e da temperatura do meio ambiente (ecosistema exterior). A Melatonina também é produzida pela flora intestinal e sua concentração no intestino é modulada pelos alimentos ingeridos (ecosistema interno). Inúmeros estudos têm demonstrado um importante efeito da Melatonina sobre a função gastrointestinal (Konturek e cols., J Physiol Pharmacol 58:381-405,2006). A Melatonina afeta o ciclo circadiano, possui uma atividade anti-oxidante e protetora das células, bem como um efeito anti-inflamatório. A Melatonina também regula a motilidade e a sensibilidade intestinal, fatores transcendentes na patogênese da SII. Inúmeros ensaios clínicos já demonstraram o papel benéfico desempenhado pela Melatonina no tratamento da SII e da dispepsia (Lu e cols., Liment Pharmacol ther 22:927-34,2005)). A Melatonina igualmente tem sido empregada no tratamento das cefaléias e da dor abdominal crônica, as quais, como se sabe, são entidades clínicas com uma forte característica de envolvimento biopsicosocial.
No nosso próximo encontro continuarei a discutir as mais variadas nuances e os novos conhecimentos deste excitante problema que afeta um sem número de crianças em todo o globo terrestre.
Atualmente reconhece-se a existência de várias AFG, mas em todas elas permanece o mistério da sua fisiopatologia de base. Entretanto, alguns novos conhecimentos dão suporte a evidências de que a hipótese de haver uma interação entre fatores genéticos e a influência do meio ambiente desempenham um importante papel na patogênese destas afecções (Talley, JPGN 47:680,2008).
Tanto a Síndrome do Intestino Irritável (SII) como a Dispepsia Funcional (DF) estão presentes em nichos familiares. Por exemplo, Locke e cols. (Mayo Clinic Proc 75:907-12,2000) demonstraram que indivíduos portadores de SII e de DF apresentam um maior risco de que também seus descendentes diretos venham a apresentar esta mesma sintomatologia. Este achado não foi confirmado quando se tratava da esposa ou esposo, mesmo quando ajustes eram feitos para variáveis, tais como, sexo, idade e somatização.
De qualquer forma estudos de epidemiologia genética, rigorosamente bem elaborados e em larga escala, são necessários para identificar de forma cientificamente convincente a relevância exercida pelo papel funcional dos genes nas AFG.
Ecologia das AFG
A ecologia é uma ciência que estuda as interações dos organismos com seu meio ambiente e vice-versa. Dois importantes princípios da ecologia caracterizam a relação com o meio ambiente. Em primeiro lugar, todos os organismos vivos possuem uma inter-relação continua com outros elementos vivos e não-vivos que fazem parte do meio ambiente. Em segundo lugar, cada um destes ecosistemas e seus componentes estão conectados entre si e se afetam mutuamente (Saps, JPGN 47:684,2008). Há cerca de 60 anos a Organização Mundial da Saúde propôs uma nova dimensão no conceito de saúde ao incluir componentes físicos, psicológicos e sociais em sua definição. Baseando-se neste conceito holístico de saúde, o modelo biopsicosocial dá sustentação à relação e ao equilíbrio entre os sistemas biológicos, fisiológicos e psicológicos para determinar a suscetibilidade das AFG e explicam as variabilidades clínicas e as diferentes respostas aos tratamentos propostos. Este modelo pressupõe que a doença é o resultado da interação em múltiplos níveis dos subsistemas biológicos, psicológicos e sociais. Neste contexto, fatores psico-sociais apresentam conseqüências fisiológicas e patológicas diretas.
Atualmente está bem estabelecido que a flora intestinal desempenha uma importante influência sobre as funções do organismo do ser humano de múltiplas maneiras. Por exemplo, nos pacientes portadores da SII têm sido descritas alterações qualitativas e quantitativas da flora colônica. Um estudo realizado com amostras de fezes (Saps, JPGN 47:684-7,2008) evidenciou diferenças qualitativas entre indivíduos controles sadios e pacientes portadores da SII seja com sintomas de constipação ou diarréia. A pesquisa mostrou que embora os pacientes com sintomas predominantes de constipação possuíam altas concentrações de Veillonella aqueles portadores de diarréia apresentavam baixas taxas de Lactobacillus. Por outro lado, Galatola e cols. (Min Gastroenterol Dietol 37:169-75,1991) encontraram sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado em 56% dos pacientes com sintomas predominantes de diarréia e em 28% daqueles com sintomas predominantes de constipação. Tudo indica que as alterações da flora intestinal associadas à atividade inflamatória celular podem modificar o funcionamento normal dos neurotransmissores sensoriais colônicos, acarretando desta forma uma anormalidade na percepção visceral, dismotilidade, aumento na produção de gás e modificações do hábito intestinal. Um aumento no número de células inflamatórias na lâmina própria da mucosa colônica, a proximidade dos mastócitos às células nervosas e a produção de substâncias que ativam os receptores envolvidos nas sensações viscerais têm sido demonstradas em pacientes portadores da SII.
Infecções entéricas causadas por bactérias enteropatogênicas podem levar secundariamente a manifestações gastrointestinais persistentes caracterizadas como AFG e dispepsia. Um estudo multicêntrico controlado demonstrou a ocorrência de SII pós-infecção entérica em crianças (Saps e cols., J Pediatr 152:812-16,2008). Esta investigação evidenciou um aumento significativo na prevalência de dor abdominal, a qual perdurou durante vários anos, nos pacientes que sofreram gastroenterite de origem bacteriana mesmo após a sua cura. Muito embora a patogênese da ocorrência da SII pós-infecciosa permaneça obscura, especula-se que as alterações funcionais e estruturais sofridas pela mucosa intestinal, o aumento da permeabilidade intestinal, o comprometimento das células neuroendócrinas e a persistência de interações neuroimunológicas provocando uma disfunção sensorial e motora poderiam explicar este fenômeno clínico.
Os distintos sistemas orgânicos também vivem em um equilíbrio integrado entre eles mesmos. O sistema nervoso entérico possui um diálogo bidirecional com o cérebro por meio das vias simpáticas e parassimpáticas as quais integram o assim denominado eixo cérebro-intestino. O estresse, definido como uma ameaça aguda à homeostase pode levar a inflamação, aumento da permeabilidade intestinal, hipersensibilidade visceral e dismotilidade (Hart e cols., Aliment Pharmacol Ther 16:2017-28,2002). Estressantes físicos e psicológicos geralmente estão envolvidos na instalação bem como na modulação dos sintomas da SII. O estresse pode provocar ativação dos mastócitos e sua degranulação, com a correspondente liberação de mediadores químicos, os quais alteram a resposta motora intestinal e mesmo sua capacidade de percepção visceral, através do seu efeito sobre os nervos entéricos e as células dos músculos lisos. Os mastócitos se constituem na via final comum dos vários mecanismos sensibilizantes do trato gastrointestinal tais como o estresse, alergias alimentares e infecções. Tudo indica que todos estes mecanismos fisiopatogênicos moleculares estariam envolvidos no desencadeamento do chamado estresse relacionado ao colégio, oferecendo desta forma uma explicação para os episódios de dor abdominal e outras manifestações somáticas tão frequentemente observadas nas crianças em idade escolar durante o período letivo do ano.
Um possível efeito dos hormônios juntamente com uma importante sustentação ambiental também deve ser levado em conta. Por exemplo, a produção da Melatonina ilustra de maneira bastante nítida a integração entre os ecosistemas e os sistemas orgânicos. A Melatonina, que inicialmente pensou-se encontrar apenas na glândula pineal, também foi demonstrada estar presente em concentrações muito mais elevadas na mucosa intestinal, principalmente nas células enterocromafins. Os níveis séricos da Melatonina variam de acordo com o ciclo da luz do dia e da temperatura do meio ambiente (ecosistema exterior). A Melatonina também é produzida pela flora intestinal e sua concentração no intestino é modulada pelos alimentos ingeridos (ecosistema interno). Inúmeros estudos têm demonstrado um importante efeito da Melatonina sobre a função gastrointestinal (Konturek e cols., J Physiol Pharmacol 58:381-405,2006). A Melatonina afeta o ciclo circadiano, possui uma atividade anti-oxidante e protetora das células, bem como um efeito anti-inflamatório. A Melatonina também regula a motilidade e a sensibilidade intestinal, fatores transcendentes na patogênese da SII. Inúmeros ensaios clínicos já demonstraram o papel benéfico desempenhado pela Melatonina no tratamento da SII e da dispepsia (Lu e cols., Liment Pharmacol ther 22:927-34,2005)). A Melatonina igualmente tem sido empregada no tratamento das cefaléias e da dor abdominal crônica, as quais, como se sabe, são entidades clínicas com uma forte característica de envolvimento biopsicosocial.
No nosso próximo encontro continuarei a discutir as mais variadas nuances e os novos conhecimentos deste excitante problema que afeta um sem número de crianças em todo o globo terrestre.
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