terça-feira, 23 de junho de 2009

Intolerância à Lactose: Mitos e Realidade (5)

Manifestações Clínicas e Métodos Diagnósticos



Os principais sintomas de intolerância à Lactose são distensão abdominal, flatulência, cólicas intestinais e diarréia, os quais são parcialmente dependentes da capacidade funcional da atividade da Lactase, mas sim, e acima de tudo, estão diretamente relacionados com a quantidade da Lactose ingerida. Ou seja, como se trata de uma reação enzima-substrato, se houver excesso de substrato (Lactose) para ser digerido pela enzima (Lactase) na unidade de tempo e na área de superfície de digestão da mucosa intestinal, os sintomas de intolerância à Lactose deverão surgir algumas horas após a ingestão do leite. Vale ressaltar que a intensidade dos sintomas irá depender estritamente de uma relação diretamente proporcional entre a Concentração de Lactose no alimento/Atividade da Lactase na mucosa intestinal. Dentre todos os sintomas acima referidos, indiscutivelmente, a diarréia é o que apresenta maior risco para o paciente, em especial durante o período de lactente, posto que o leite representa praticamente a única ou pelo menos a maior fonte alimentar da dieta nesta fase da vida. Nestas circunstâncias, caso o diagnóstico não seja estabelecido prontamente, a diarréia pode se tornar crônica acarretando agravo nutricional que pode ser de grave intensidade até mesmo com instalação de acidose metabólica, que pode ser confundida com processo infeccioso sistêmico. Quanto mais tenra for a idade do lactente maiores serão os riscos das complicações nutricionais mais graves (Figuras 1 & 2).

Figura 1- Paciente com diarréia persistente e desnutrição grave com intolerância à Lactose.


Figura 2- Paciente em recuperação clínica e nutricional, já tolerante à Lactose.

É importante assinalar que como se trata de diarréia osmótica, o que, portanto, obedece ao princípio da relação causa-efeito. A Lactose não digerida permanece presente na luz do intestino e aí provoca secreção de água e eletrólitos no sentido organismo-lúmen intestinal, cujo volume de fluido acumulado supera a capacidade de reabsorção de água pelo intestino grosso, sendo eliminado sob a forma de fezes líquidas; ao se suspender a Lactose da dieta a diarréia rapidamente cessará. Assim sendo, uma vez cessada a causa o efeito desaparecerá.

Em pré-escolares e escolares, dor abdominal crônica costuma ser um sintoma predominante de intolerância à Lactose, e até mesmo pequena quantidade do carboidrato, tal como 12 gramas, a qual corresponde à concentração equivalente a um copo de leite (250 ml), pode ser a causa deflagradora do sintoma. Além disso, a Lactose não absorvida resulta em um importante substrato para a flora bacteriana do intestino grosso. As bactérias aí prevalentes metabolizam a Lactose produzindo ácidos graxos voláteis e gases (metano, dióxido de carbono e hidrogênio), os quais causam flatulência (Figura 3).

Figura 3- Produtos de metabolização da Lactose pela flora colônica.

Os ácidos graxos provocam uma diminuição do pH fecal, tornando-o ácido (menor que 6,0), o que pode ser na prática utilizada como uma medida indireta da má absorção da Lactose
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Métodos Diagnósticos

A obtenção de uma história clínica bastante detalhada geralmente permite levantar uma forte suspeita da existência da intolerância à Lactose, a qual pode ser confirmada na maioria das vezes com a eliminação de todas as fontes alimentares contendo Lactose da dieta. No entanto, quando se deseja obter confirmação diagnóstica mais acurada de uma suposta intolerância à Lactose é necessária a realização de uma investigação laboratorial adequada. Atualmente, o exame laboratorial mais confiável, além de não ser invasivo, trata-se do Teste do Hidrogênio no ar expirado. Para que se obtenha resultado fidedigno é necessário que o paciente esteja em jejum de pelo menos 6 horas. O paciente deve ingerir uma quantidade de Lactose, 2 gramas/kg de peso até o máximo de 25 gramas, diluída em uma solução aquosa a 10%. As amostras de ar expirado devem ser coletadas em um recipiente apropriado, um balão devidamente selado, em jejum, antes da ingestão da solução de Lactose, e a cada 30 minutos durante o período de 3 horas, após a ingestão da solução de Lactose. Uma elevação da concentração de Hidrogênio no ar expirado acima de 20 partes por milhão (ppm) sobre o valor de jejum, em quaisquer tempos durante as coletas das amostras de ar obtidas, caracteriza má absorção de Lactose. Alguns fatores podem ser causa de resultados falso-positivos ou falso-negativos. Dentre os falso-positivos destacam-se a coexistência de sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (neste caso o pico de Hidrogênio no ar expirado ocorre precocemente, dentro da primeira hora do teste) e as alterações da motilidade intestinal. Dentre os falso-negativos incluem-se o uso prévio de antibióticos (afetam a flora colônica) e a falta de produção de Hidrogênio pela flora bacteriana o que pode ocorrer em até 15% da população. Caso, concomitantemente à caracterização de má absorção ou não, o paciente venha a apresentar sintomas clínicos compatíveis com intolerância à Lactose, este diagnóstico deve ser levado em consideração.

Tratamento

O tratamento da intolerância à Lactose baseia-se única e exclusivamente na eliminação da Lactose da dieta do paciente. No caso dos lactentes deve-se utilizar uma fórmula isenta de Lactose e naqueles indivíduos que fazem uso de dieta sólida eliminar o leite da alimentação, substituindo-o por outros produtos lácteos ricos em Cálcio, porém com baixíssimas concentrações de Lactose, tais como queijos e iogurtes.

Por aqui encerramos as discussões sobre esse tema tão em voga e a partir do nosso próximo encontro iniciarei a discussão a respeito das Síndromes Funcionais Gastrointestinais, tema altamente relevante e atual da nossa especialidade.

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