segunda-feira, 8 de junho de 2009

Intolerância à Lactose: Mitos e Realidade (3)

Definições: Intolerância à Lactose – Má Absorção de Lactose – Deficiência de Lactase


Há na literatura médica vários conceitos para caracterizar cada um dos termos acima referidos e que muitas vezes podem trazer confusões diagnósticas e interpretações equivocadas de cada uma dessas denominações. A seguir trataremos de explicitar detalhadamente as diferentes situações observadas na prática diária.

A- Intolerância à Lactose: é uma síndrome clínica caracterizada por um ou mais dos seguintes sintomas: dor abdominal, diarréia, náusea, flatulência e/ou distensão abdominal após a ingestão de leite ou de substâncias contendo Lactose. A quantidade de Lactose que poderá causar sintomatologia varia de indivíduo para indivíduo, dependendo da quantidade ingerida, do grau de deficiência de Lactase, e também da forma da substância na qual a Lactose está presente.

B- Má Absorção de Lactose: é um problema fisiológico que pode se manifestar ou não como intolerância à Lactose (ocorrência de manifestações clínicas como anteriormente descritas) e é devida a um desequilíbrio entre a quantidade de Lactose ingerida e a capacidade disponível de Lactase para hidrolisar o substrato (reação enzima x substrato).

C- Deficiência Primária de Lactase: é caracterizada pela ausência relativa ou absoluta da Lactase a qual inicia seu desenvolvimento durante a infância, em idades variáveis, em distintos grupos étnicos, e é a causa mais comum de má absorção de Lactose e de intolerância à Lactose. A deficiência primária de Lactase é também denominada Hipolactasia Tipo Adulto ou Deficiência Hereditária de Lactase.
D- Deficiência Secundária de Lactase: é a deficiência de Lactase que resulta de uma lesão da mucosa do intestino delgado, tal como na diarréia aguda, diarréia persistente, sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado, ou outras causas de agressões à mucosa do intestino delgado, podendo estar presente em qualquer idade, porém sendo mais comumente observada nos lactentes e pré-escolares.

E- Deficiência Congênita de Lactase: enfermidade extremamente rara, potencialmente letal em épocas que não existiam substitutos para o leite.

F- Deficiência de Lactase do Desenvolvimento: é caracterizada como a deficiência relativa de Lactase observada entre prematuros com menos de 34 semanas de gestação.

Classificação das Intolerâncias à Lactose
1- Deficiência Primária de Lactase
Como já foi anteriormente mencionado cerca de 75% da população global não consegue tolerar a Lactose na vida adulta, posto que a produção de Lactase é determinada por um gene autossômico recessivo LAC*R, o qual acarreta a restrição da produção de Lactase a partir do 5º ano de vida, a qual ocorre de forma progressiva, porém, gradualmente. Embora a deficiência primária de Lactase possa se apresentar de uma maneira relativamente aguda sob a forma de intolerância ao leite, sua instalação é tipicamente sutil ao longo dos anos, surgindo no final da adolescência ou, mais tarde, na vida adulta. A maioria dos indivíduos adultos permanece com apenas 10% da capacidade de produção da Lactase em relação aos níveis observados durante o período de lactentes. É interessante assinalar que mesmo aqueles indivíduos com intolerância à Lactose na vida adulta são capazes de tolerar um copo de leite; entretanto, quando eles ingerem uma quantidade adicional de leite sintomas de intolerância podem surgir.

Pesquisadores da História tem demonstrado que os romanos geralmente utilizavam o leite como purgativos, dando preferência ao leite de égua sobre o leite de cabra, porque o primeiro apresenta maior concentração de Lactose. Da mesma forma na Ásia há comprovação histórica de que os chineses não consumiam leite. Estudos mais recentes demonstram cabalmente que também os habitantes nativos das Américas pré-Colombiana tampouco utilizavam o leite de animais na vida adulta.
Naquelas populações que não possuem tradição do uso do leite na vida adulta, a incidência de má absorção à Lactose alcança taxas que variam de 50 a 100% em todos os grupos étnicos estudados tanto na Ásia oriental, como nos povos nativos do Oceano Pacífico: chineses, japoneses, coreanos, tailandeses, indonésios, filipinos, aborígenes australianos, neo guineanos e nativos das ilhas Fiji. Altas incidências também foram encontradas em inúmeros povos africanos e seus descendentes que vieram para as Américas, tais como os Ibos, Iorubas, Hausas e Fulani da Nigéria; Bantus de Camarões; Congo; Uganda e Zâmbia.

Altas incidências também foram caracterizadas entre os italianos do sul, especialmente em Nápoles, cipriotas gregos, árabes da Jordânia, Síria, Israel e Egito.

A deficiência primária de Lactase afeta de 60 a 80% dos negros norte-americanos e dos judeus Ashkenazi, e aproximadamente 100% das populações nativas da Ásia e das Américas (Tabela 1).
Tabela 1- Prevalência de Deficiência Primária de Lactase e Persistência de Tolerância à Lactose em diversos grupos étnicos.
Portanto, pode-se depreender que a deficiência primária de Lactase é uma condição natural na vida adulta, e, conseqüentemente, muitos indivíduos apresentarão sintomas de intolerância à Lactose se consumirem leite, especialmente em grandes quantidades.

2- Deficiência Congênita de Lactase
Trata-se de uma doença extremamente rara, potencialmente letal, de origem autossômica recessiva, com incidência é de 1:60.000 nascidos vivos, cujos sintomas surgem nos recém-nascidos logo após receberem as primeiras mamadas. Os sintomas típicos são diarréia líquida de característica intratável se o diagnóstico não é suspeitado. Diarréia osmótica com perda dos nutrientes leva à desnutrição, associada à desidratação e acidose metabólica. Substâncias redutoras nas fezes são facilmente detectadas e o pH fecal torna-se ácido. Deve-se retirar a Lactose
da dieta, seguida da conseqüente introdução de fórmula isenta de Lactose. A resposta clínica ocorre poucas horas após a retirada da Lactose da dieta e o desenvolvimento da criança passa a ser normal. Vale enfatizar que esta deficiência enzimática é permanente, e que, portanto, a Lactose deve ser evitada durante toda a vida.

No nosso próximo encontro continuaremos a discutir os aspectos mais interessantes desse tema intrigante e desafiador que tantas discussões suscita.

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