sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Doença Celíaca: Um artigo sobre a posição da ESPGHAN no manejo e evolução clínica das crianças e adolescentes (Parte 2)


Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

O artigo intitulado “ESPGHAN position paper on management and follow-up of children and adolescents with celiac disease”, que foi publicado no Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, em setembro de 2022, foi realizado por um grupo de 34 experts pertencentes à  ESPGHAN Special Interest Group on Celiac Disease encabeçado por ML Mearin do Willen Alexander Children´s Hospital, Leiden University Medical Centre, Leiden, the Netherlands, teve por objetivo reunir as evidências atuais e oferecer recomendações consensuais a respeito do manejo e da evolução clínica da Doença Celíaca (DC). Este grupo formulou 10 perguntas consideradas de essencial importância para os cuidados dos pacientes portadores da DC a longo prazo. Foi realizada uma pesquisa na literatura médica de janeiro de 2010 a março de 2020, na PubMed e na Medline. As publicações mais relevantes foram identificadas e os trabalhos potencialmente elegíveis foram avaliados. As afirmações e as recomendações foram detalhadas e discutidas pelos coautores. As recomendações foram, em seguida, submetidas a votação. Foi considerada concordância geral quando o nível de aceitação atingiu pelo menos 85% dos autores.

Considerando a longa extensão deste trabalho de 74 páginas decidi, neste segundo resumo, selecionar a pergunta de número 3, pois foi aquela que me pareceu de maior interesse geral para os profissionais da Saúde.

3 – Qual deve ser a frequência do seguimento dos pacientes e o que deve ser avaliado?

A literatura atual não fornece evidências sólidas a respeito da frequência ótima de seguimento dos pacientes. A despeito da falta de estudos de relevante qualidade, recomenda-se que a primeira visita de seguimento deva ser agendada entre 3 e 6 meses após o diagnóstico da DC. Entretanto, caso haja fácil acesso ao serviço médico, na medida da necessidade, o agendamento mais precoce pode também ser realizado, principalmente no que diz respeito a fornecer à família maiores conhecimentos sobre a DC, preocupações e dificuldades com a implantação da dieta isenta de glúten, e, mais importante ainda, caso os sintomas persistam ou se agravem, a despeito da suposta aderência restrita à dieta isenta de glúten, ou se as manifestações clínicas (por exemplo desnutrição) ou anormalidades laboratoriais, no momento do diagnóstico, requeiram seguimento precoce. Visitas de seguimento posteriores podem ser agendadas com intervalo de 6 a 12 meses.

Pacientes pediátricos que sem mantém em restrita dieta isenta de glúten, usualmente demonstram rápida resolução dos sintomas gastrointestinais relacionados a DC, tais como: flatulência, diarreia, dor abdominal, perda de peso, assim como em relação às manifestações extra intestinais, tais como, anemia, retardo da puberdade, estomatite. Seguimentos clínicos inconsistentes ou mesmo ausentes estão associados com pobre aderência dietética.

A normalização da sorologia é amplamente utilizada durante o seguimento, como um sinal indireto da recuperação da mucosa intestinal, sendo considerada como valor preditivo altamente positivo e/ou negativo. A redução significativa dos níveis do anticorpo anti-transglutaminase (ATG-IgA) é alcançada após cerca de 3 meses do início da dieta isenta de glúten, quando avaliada utilizando-se o mesmo ensaio laboratorial. Alguns estudos comprovaram que os níveis do ATG-IgA permaneceram 1x acima do nível superior da normalidade em 83,8%, e, acima de 10x em 26,6% das crianças avaliadas após 3 meses do início da dieta isenta de glúten. A total normalização de ambos os níveis de ATG-IgA e a recuperação da lesão histopatológica podem levar mais de 2 anos, particularmente nos casos de lesões graves do intestino delgado, com elevados níveis de ATG-IgA no momento do diagnóstico.

A saúde óssea pode estar comprometida nos pacientes com DC, e, nas crianças a doença óssea na maioria das vezes é assintomática e está associada com uma diminuição do ritmo de crescimento e da qualidade óssea. Diferentemente do que é observado em adultos, a DC em crianças não parece estar associada com aumento do risco de fraturas. Uma redução da densidade mineral óssea pode estar presente no momento do diagnóstico da DC em crianças e adolescentes. Ainda que um seguimento de longa duração possa ser necessário para assegurar a recuperação apropriada da densidade mineral óssea na maioria dos casos, um ano após o uso da dieta isenta de glúten restrita é suficiente para a restauração da massa óssea. Portanto, testes rotineiros da densidade mineral óssea não são necessários. Quando houver perda óssea identificada, testes da densidade óssea seriados devem ser realizados a cada 1 ou 2 anos, até sua normalização.          

Nos casos pouco frequentes de deficiência de vitamina D, no momento do diagnóstico da DC, sua correção deve ser proposta para otimizar a saúde óssea. O fígado é um local comum de manifestações extra intestinais da DC, usualmente apresentando níveis elevados das aminotransferases. A função hepática de ser monitorada durante o seguimento, caso estas enzimas estejam alteradas ao diagnóstico. Considerando-se que as crianças com DC podem apresentar deficiências de micronutrientes, investigações dos níveis de ferro, folato e vitamina B12 são relevantes no momento do diagnóstico, e, caso mostrem-se anormais, estes micronutrientes devem ser monitorados até a normalização, seja apenas utilizando-se a dieta isenta de glúten ou a respectiva suplementação nos casos de anemia e da diminuição dos depósitos de ferro.

O risco de doença autoimune da tireoide encontra-se aumentado nos pacientes com DC, porém, com base nos conhecimentos atuais não há evidências para o aconselhamento de monitorar os níveis de tiroxina e TSH durante o processo de acompanhamento dos pacientes.

Referências Bibliográficas  

1-   Mearin ML et al – JPGN  2022; 75:369-386

2-   Snyder J et al – Pediatrics 2016; 138:e20153147

3-   Deora V et al – JPGN 2017; 65:185-9

4-   Ludvigsson JF et al – Gut 2017; 67:1410-24

 

Meus Comentários

A análise detalhada deste excelente artigo deixa explicitamente estabelecida a fundamental importância de se estabelecer um seguimento clínico rigoroso para garantir o controle da DC visto que até o presente momento não há, no horizonte de médio prazo, a possibilidade de se propor a cura definitiva desta enfermidade. Todos sabemos das enormes dificuldades que se apresentam para se conseguir uma adesão restrita à dieta isenta de glúten nos pacientes pediátricos de forma permanente, posto que, inúmeros fatores, sejam eles biopsicossociais ou mesmo de outras índoles, atuam de forma ativa para contrariar o objetivo final. Por esta razão, é necessário que os pacientes e seus familiares recebam uma atenção constante por parte dos profissionais da saúde envolvidos no tratamento dos pacientes, acompanhando o ritmo de crescimento e/ou outras possíveis manifestações clínicas suspeitas de transgressões alimentares, as quais podem ser voluntárias e/ou involuntárias. Neste sentido, o controle laboratorial periódico por meio da determinação do anticorpo anti-transglutaminase se constitui em um excelente marcador do sucesso do tratamento.      

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) associado a sintomas ou entidades clínicas que não apresentam evidências de má digestão/má absorção


Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo de revisão, em julho de 2022, intitulado “Small Intestinal Bacterial Overgrowth – Pathophysiology and Its Implications for Definition Management”, de Bushyhead D.  e cols, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Este número da Gastroenterology publicou um artigo de revisão sobre as diversas situações clínicas relacionadas com o Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO). Há uma interessante descrição dos fatores reguladores do intestino sobre a microbiota, a qual está representada na Figura 1.

Figura 1

Figura 1

Há também a descrição da prevalência da SIBO em diversos países, publicada na Tabela 1.

Tabela 1

Tabela 1

A Tabela 2 descreve os diversos transtornos clínicos relacionados à SIBO.

Tabela 2

Tabela 2

A Tabela 3 relaciona a fisiopatologia dos sintomas e os achados clínicos na SIBO.

Tabela 3

Tabela 3

A Tabela 4 descreve os testes diagnósticos para SIBO, e, a Tabela 5 propõe uma nova terminologia para se analisar o microbioma intestinal

Tabela 4

Tabela 4

Tabela 5

Tabela 5

Dentre as diversas situações que podem envolver o surgimento da SIBO decidi me ater a um transtorno funcional bastante frequente na atividade clínica diária, a Síndrome do Intestino Irritável (SII), que ainda necessita ter muitos aspectos esclarecidos, e, um deles é a inter-relação SII-SIBO que a seguir abordo em detalhe.

Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) associado a sintomas ou entidades clínicas que não apresentam evidências de má digestão/má absorção

Sabe-se que SIBO pode causar diarreia na ausência de outros aspectos clínicos de má digestão e/ou má absorção (esteatorréia, desnutrição, deficiências de vitaminas e nutrientes) desde a metade do século 20, com especial prevalência entre os indivíduos idosos. Esta hipótese é plausível e se apoia em vários fatores. Em primeiro lugar, os fatores de risco para SIBO (hipocloridria, dismotilidade intestinal e resposta imunológica prejudicada) tem sido descrita neste grupo populacional. Em segundo lugar, inúmeros mecanismos podem ser levados em consideração para explicar a patogênese da diarreia devido à SIBO, e, a maior parte deles gira ao redor das interações microbiota-sais biliares, mesmo porque, efeitos diretos do microbioma alterado sobre o sistema neuromuscular entérico devem ser levados em consideração.

Uma das maiores alegações controvertidas relativas à SIBO tem sido sua relação com a Síndrome do Intestino Irritável (SII). Qual a possível relação entre SIBO e SII, embora seu nexo seja duvidoso? Tem sido demonstrado que pacientes portadores de SII, ao realizar o teste do Hidrogênio no ar expirado após sobrecarga com Lactulose, estes testes revelaram-se positivos de forma mais prevalente do que em controles sadios. Além disso, comprovou-se a ocorrência da normalização dos testes e o desaparecimento dos sintomas após a realização de um ciclo terapêutico com antibioticoterapia. A eficácia da Rifaximina como atenuante dos sintomas na SII tem sido considerada uma evidência que dá suporte para esta associação SIBO e SII.

Uma ruptura na fisiologia dos sais biliares tem sido considerada para explicar casos de diarreia sem causas conhecidas, bem como, na SII com diarreia. Embora a diarreia relacionada aos sais biliares tenha sido considerada decorrente de problemas da não reabsorção dos sais biliares pelo transportador ileal dos sais biliares, interações entre a microbiota e os sais biliares também têm sido levadas em consideração. Alterações na composição da microbiota fecal, que provavelmente refletem a microbiota colônica, têm sido descritas em associação com alterações da fisiologia dos sais biliares em pacientes com SII-diarreia, porém saber se tais alterações seriam primárias ou secundárias, necessita a realização de investigações mais detalhadas.

Alterações nos padrões motores do intestino delgado poderiam também fornecer alguma base para o conhecimento da interrelação SIBO e SII. Embora ainda pouco explorada nos anos mais recentes, existem evidências que caracterizam uma dismotilidade intestinal na SII, porém essa hipótese ainda requer confirmação. Presume-se que a microbiota presente no intestino delgado em pacientes com SII poderia afetar o sistema neuromuscular entérico, e, por isso ser a responsável pela dismotilidade, posto que a SIBO tem sido sugerida ocorrer em um subtipo de SII, a SII pós-gastroenterite.

SIBO tem ido proposto responsável por impactar um outro fenômeno que poderia ser relevante para a SII, isto é, o envolvimento desde a barreira intestinal juntamente com o sistema imunológico associado ao intestino, e, pela via do eixo microbiota-intestino-cérebro, alcançar o sistema nervoso central, e, desta maneira, tornar-se um hospedeiro de tal cenário, simulando um “transtorno autoimune”.

Diante dos conhecimentos até então disponíveis na literatura, admite-se, portanto, que a interrelação SII-SIBO permanece controvertida, e este debate tem gerado muito calor na literatura da gastroenterologia; somente após ser conhecida uma definição acurada a respeito do que venha a ser um microbioma normal do intestino delgado, se tornará possível a geração de luz sobre tão importante tema para os clínicos, pesquisadores e pacientes.


Referências Bibliográficas

  • Bushyhead D. & Quigley E. – Gastroenterology 2022;163:593-607
  • Pimentel M et al. – Am J Gastroenterol 2003;98:412-19
  • Pyleris E. et al. – Dig Dis Sci 2012;57:1321-29
  • Yu D. et al, – Gut 2011;160:334-340

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Impacto dos transtornos do desenvolvimento neurológico no desfecho do manejo intestinal nas crianças com constipação funcional

 Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou um artigo em setembro de 2022, intitulado “Impact of Neurodevelopmental Disorders on Bowel Management Outcomes in Children with Functional Constipation”, de Seidler GR e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Objetivos

Pacientes que apresentam constipação funcional (CF) podem participar em programas no manejo de estruturação intestinal (MEI) quando falham os procedimentos habituais. Neste trabalho foi desenvolvido um programa para avaliar a eficácia do MEI para crianças portadoras de CF com transtornos de desenvolvimento neurológico e naquelas que não apresentavam estes transtornos.

Métodos

Foi realizado uma revisão retrospectiva das crianças que apresentavam CF participantes do MEI durante o período de 2014 a 2021. Foram avaliados os seguintes parâmetros clínicos: continência intestinal urinária, frequência da evacuação, história de cirurgia prévia, medidas de conduta relatadas pelos cuidadores, e inventário de qualidade de vida, antes de ingressar no programa e pelo menos 9 meses após ingressar no programa.

Resultados

A coorte incluiu 156 pacientes com idade média de 9 anos que foram acompanhadas durante 627 dias (variação de 389-808 dias). Foram incluídas 2 sub-coortes portadoras de CF, a saber: uma portadora de CF isolada (69%) e outra portadora de CF associada a transtorno do desenvolvimento neurológico (31%): 59% com déficit de atenção hiperatividade, 33% transtorno do espectro autista, e 8% com transtorno obsessivo-compulsivo. Ambos os grupos apresentaram significativa melhora no acompanhamento da frequência da evacuação e da continência fecal, e da continência urinária. Ocorreu também uma melhora significativa nas medidas de conduta relatadas pelos cuidadores, da mesma forma que também ocorreu uma significativa melhora na qualidade de vida das crianças.

Conclusões

Este estudo permitiu concluir que os pacientes portadores de CF pertencentes a ambas as coortes com ou sem apresentar transtornos do desenvolvimento neurológico se beneficiaram significativamente quanto a continência fecal e urinária durante o período de permanência no programa.

Referência

1- JPGN 75(3):286-92, 2022

 

 

 

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Manejo farmacológico da Síndrome do Intestino Irritável com Diarreia: normas de conduta recomendadas pela Associação Americana de Gastroenterologia (AGA)

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo sobre normas de conduta na Síndrome do Intestino Irritável com Diarreia, em julho de 2022, intitulado “AGA Clinical Pratice Guideline on the Pharmacological Management of Irritable Bowel Syndrome with Diarrhea”, de Lembo A.  e cols, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Introdução

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) trata-se de um frequente transtorno da interação trato digestivo-cérebro, com uma prevalência global entre os indivíduos adultos variando de 4,1% a 10,1%. A SII afeta os indivíduos independentemente da raça ou sexo, mas, é mais comum nas mulheres e indivíduos mais jovens. Embora não seja um transtorno que apresente risco de vida, ela está associada com prejuízos significativos à qualidade de vida, além de também causar elevadas taxas de problemas psicológicos e altos custos econômicos.

A SII-D é um dos principais subtipos de SII, estimada entre 30 e 40% dos casos. O diagnóstico de confirmação da SII-D pode ser estabelecido levando-se em consideração a história clínica e o exame físico do paciente, de acordo com os Critérios de Roma IV. A presença de sintomas de alarme, tais como, início das manifestações após os 50 anos de idade, sangramento retal não atribuível a hemorroidas ou fissura anal, perda de peso não intencional, anemia ferropriva, diarreia noturna e história familiar de câncer colón, Doença Inflamatória Intestinal ou Doença Celíaca, requer investigações mais especificas para cada paciente.

Objetivos

Desde a primeira revisão técnica publicada pela AGA a respeito da SII-D, em 2014, novos tratamentos farmacológicos tornaram-se disponíveis e novas evidências têm sido acumuladas a respeito dos tratamentos estabelecidos. O propósito da presente norma de conduta é proporcionar recomendações baseadas em evidências no manejo farmacológico dos pacientes com SII-D, com base em uma síntese sistemática e abrangente da literatura. Além disso, foram também incluídas as recomendações para as seguintes 3 classes de agentes farmacoterapêuticos para SII-D, a saber: antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina e antiespasmódicos.

Recomendações

Um sumário de todas as recomendações, está disponível na Tabela 1. As descrições dos estudos incluídos estão fornecidas nas Tabelas 4 e 5, e, uma visão geral dos efeitos relativos e absolutos para os desfechos clínicos, está disponível na Tabela 6.




1-   ELUXADOLINE

Trata-se de um opioide minimamente absorvível aprovado pelo FDA na dose 100mg 2x/dia, pode ter a dose reduzida a 75mg por dia, naqueles pacientes que são incapazes de tolerar a dose maior. Esta droga é contraindicada nos pacientes que foram submetidos a extração da vesícula biliar ou naqueles que têm o hábito de beber mais do que 3 doses de bebidas alcoólicas por dia.

 

Efeitos Adversos mais comuns são: constipação (8%), náusea (7%) e dor abdominal (7%). Vale ressaltar que este medicamento apresentou melhor eficácia nos pacientes que apresentaram predominância de diarreia intensa, do que naqueles que apresentaram predominantemente dor abdominal severa. 

2-   RIFAXIMIN

Trata-se de um antibiótico administrado por via oral, não absorvível e de amplo espectro com atividade contra bactérias aeróbicas e  anaeróbicas Gram positivas e Gram negativas. Esta droga foi aprovada pelo FDA na dose de 550mg, 3x/dia, durante 14 dias. Os pacientes que apresentarem recidivas dos sintomas, podem ser novamente tratados com esse medicamento, com a mesma dosagem. Uma grande proporção de pacientes com SII-D alcançaram níveis adequados de alívio da dor abdominal, em comparação com aqueles que receberam placebo (56.6% versus 42,2%) e, também, melhor nível de qualidade de vida (38,7% versus 29,7).

Os efeitos adversos mais frequentes foram náusea, infecção das vias áreas superiores, infecção do trato urinário e nasofaringite.

3-   ALOSETRON

É um antagonista seletivo do 5-HT3 cujo mecanismo de ação tudo indica ser mediado central e perifericamente. A dose inicial recomendada é de 0,5mg 2x/dia, porém, caso ocorra constipação a dose pode ser diminuída para 0,5mg 1x/dia.

Os efeitos adversos mais frequentes são constipação e colite isquêmica. Obs.: Uso restrito para mulheres com quadro severo de SII-D.

4-   LOPERAMIDE

É um opioide sintético periférico que inibe o peristaltismo e a atividade antissecretória, prolonga o tempo de trânsito intestinal, com penetração limitada na barreira hematoencefálica. Esse medicamento foi aprovado pelo FDA para o tratamento de pacientes com diarreia aguda, crônica e do viajante. A dose inicial recomendada é de 2mg 2x/dia, porém, pode chegar até a dose máxima de 4mg 2x/dia.

 

5-   Antidepressivos tricíclicos - Amitriptilina

Tem sido utilizada para tratar os sintomas de SII-D, devido suas ações periféricas e centrais (isto é, supraespinhal e espinal), as quais podem afetar a motilidade, a secreção e o sensorial. Considerando a definição dos Critérios de Roma IV sobre os transtornos da interação do trato digestivo-cérebro, tendo como base que os antidepressivos tricíclicos apresentam efeitos fisiológicos independentes dos efeitos sobre o humor, esses agentes foram novamente rotulados como neuro moduladores do trato digestivo-cérebro. A dose destes medicamentos pode variar de 10mg a até 150mg por dia, porém, a maioria dos estudos tem utilizado a dose de 50mg/dia. Esses medicamentos mostraram-se associados com importante resposta de adequado alívio do humor e da dor abdominal.

Os efeitos adversos podem causar boca seca, sedação e constipação.

 

6-   Inibidores da recaptação seletiva da serotonina - Fluoxetina, Paroxetina e Citalopram

Esses medicamentos estão aprovados para o tratamento de  transtornos do humor tais como, ansiedade e depressão, mas também são usados para o tratamento de condições clínicas de dor crônica. Esses medicamentos inibem seletivamente o 5-HT3 nas terminações nervosas pré-sinápticas, o que resulta em um aumento da concentração sináptica do 5-HT3. O uso desses medicamentos na SII-D tem sido de considerável interesse porque a SII-D é considerada um transtorno trato digestivo-cérebro, pois esses medicamentos possuem efeitos de mediação central, aumentam a motilidade gástrica e intestinal, embora eles não possuam um impacto maior sobre a sensação visceral. Doses: Fluoxetina 20mg, Paroxetina 10mg, Citalopram 20mg.  

 

7-   Antiespasmódicos

São frequentemente utilizados na prática clínica para reduzir a dor abdominal da SII-D. Admite-se que os antiespasmódicos têm a capacidade de aliviar os sintomas da SII pela diminuição da contração do músculo liso e possivelmente da hipersensibilidade visceral. Os antiespasmódicos incluem uma vasta quantidade de medicamentos que têm sido utilizados clinicamente durante muitos anos e são consagrados pelo tempo de uso.      

 

Meus Comentários

Uma contínua necessidade, ainda não alcançada nos ensaios clínicos a respeito da SII, é a inexistência de um marcador biológico que possa incorporar os diferentes mecanismos fisiopatológicos da SII-D, ou ainda, que pudesse dar com credibilidade a resposta ao tratamento prescrito, posto que, a SII-D apresenta diferentes mecanismos predominantes de ação como, por exemplo, normalização do hábito intestinal e analgesia visceral. Tratamentos comportamentais e modificações dietéticas têm mostrado efeitos benéficos nos pacientes com SII-D, e devem ser levados em consideração com base em cada indivíduo, posto que, eles podem ser utilizados conjuntamente com terapias farmacológicas. Esta norma de conduta representa um importante auxílio para a utilização de novos agentes farmacoterapêuticos recomendados no manejo da SII-D. Vale a pena ressaltar, que a relação médico-paciente é de primordial importância nos cuidados dos pacientes portadores de SII-D e, ao mesmo tempo, deve-se levar em consideração as preferências do paciente, segundo critérios pessoais, na escolha da terapia mais acertada.

Referências Bibliográficas

1-   Lembo A. e cols -  Gastroenterology 2022; 163:137-151.

2-   Palsson OS e cols. – Gastroenterlogy 2020; 158:1262.

3-   Sperber AD e cols, - Gastroenterology 2021; 160:99-114.

4-   Smalley W e cols. – Gastroenterology 2021; 160:99-114.       

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Manejo farmacológico da Síndrome do Intestino Irritável com Constipação: normas de conduta recomendadas pela Associação Americana de Gastroenterologia (AGA)

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo sobre normas de conduta na Síndrome do Intestino Irritável com Constipação, em julho de 2022, intitulado “AGA Clinical Pratice Guideline on the Pharmacological Management of Irritable Bowel Syndrome with Constipation”, de Chang L.  e cols, que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Introdução

A Síndrome do Intestino Irritável (SII) trata-se de um transtorno frequente decorrente da interação trato digestivo-cérebro, com uma prevalência universal que varia entre 4,1% e 10,1%. A SII afeta os indivíduos de forma generalizada independentemente da raça, idade ou sexo, porém, é mais frequente nas mulheres e indivíduos jovens. Embora a SII não seja uma entidade clínica que coloque em risco a vida, ela está associada com significante prejuízo pessoal incluindo diminuição na qualidade de vida, elevadas taxas de comorbidades psicológicas e altos custos financeiros. Os pacientes portadores da SII relatam uma pior qualidade de vida do que aqueles portadores de diabetes e com doença renal em estágio terminal. O impacto da SII nas funções diárias pode ser demonstrada pelas altas taxas de absenteísmo (média de 13,4 dias no trabalho ou na escola por ano, comparado com 4,9 dias nos indivíduos que não apresentam SII) e presenteísmo (87% relatam reduzida produtividade no trabalho, na semana anterior, resultando em cerca de 14 horas por semana de perda da produtividade devido à SII).  Socialmente, o ônus da SII na vida diária pode ser percebida no impacto negativo de fazer as refeições fora de casa, divertir-se com amigos, viajar e fazer turismo em lugares desconhecidos.

 A SII com constipação (SII-C) é um subtipo de SII que afeta mais de 1/3 dos casos de SII. Uma pesquisa realizada pela AGA em pacientes com SII-C, demonstrou que os indivíduos relatam dificuldade de concentração, evitam relações sexuais e não se sentem capazes em seus plenos potenciais. O diagnóstico de certeza de SII-C pode ser estabelecido com base na história clínica e no exame físico, avaliação dos sintomas gastrointestinais (em especial sinais de alarme), alguns testes diagnósticos e a utilização dos sintomas baseados nos critérios de Roma IV. A presença de sinais de alarme, tais como: surgimento dos sintomas após os 50 anos de idade, sangramento retal não atribuível a hemorroida ou fissura anal, perda de peso não intencional, anemia ferropriva, diarreia noturna, histórico familiar de câncer no colón, Doença Inflamatória Intestinal ou Doença Celíaca, requer investigações mais especificas para cada paciente.    

Objetivos

Desde a primeira publicação da AGA, que foi a primeira revisão técnica sobre SII-C e suas respectivas normas de conduta em 2014, novos tratamentos farmacológicos tornaram-se disponíveis e novas evidências têm sido acumuladas a respeito dos tratamentos estabelecidos. O propósito destas normas de conduta atuais é oferecer recomendações baseadas em evidências para o manejo farmacológico de indivíduos portadores de SII-C, baseadas em uma síntese sistemática e abrangente da literatura. Além disso, foram incluídas as recomendações para as seguintes 3 classes de agentes farmacoterapêuticos para SII-C, a saber: antidepressivos tricíclicos, inibidores seletivos da recaptação da serotonina e antiespasmódicos.

Recomendações

Um resumo de todas as recomendações está fornecida na Tabela 1.









Uma descrição dos estudos incluídos está publicada na Tabela 4 e uma visão geral do efeito relativo e absoluto estimado para o desfecho clínico está publicada na Tabela 5.

SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL – CONSTIPAÇÃO

1)   TENAPANOR – trata-se de uma pequena molécula inibidora do permutador gastrointestinal  sódio/hidrogênio isoform3. Ocorre inibição da absorção do sódio e aumento da secreção de água.

Nome comercial: IBSRELA

Dose: 50mg    1x/dia

Efeitos Adversos: diarreia, dor abdominal e náusea


2)   PLECANATIDE – trata-se de um Peptídeo não absorvível composto por 16 amino-ácidos, estruturalmente semelhante à uroguanilina, da mesma forma que o Linaclotide, estimula a guanilato ciclase C, que é um receptor dos enterócitos via o segundo mensageiro monofosfato cíclico de guanosina.

Nome comercial: TRULANCE

Dose: 3mg 1x/dia

Efeitos Adversos: diarreia


3)   LINACLOTIDE – trata-se de um Peptídeo não absorvível composto por 14 amino-ácidos, semelhante ao Plecanatide, que provoca secreção de cloro e bicabornato no lúmen intestinal.

Nome comercial: LINZESS ou CONSTELLA

Dose: 290 µg 1x/dia

Efeitos Adversos: diarreia


4)   TEGAZERODE – trata-se de um antagonista parcial do receptor de 5-HT4, estimula motilidade gastrointestinal e aumento da quantidade de fluido intraluminal.  

Nome comercial: ZELMAC

Dose: 1 – 6mg 2x/dia

Efeitos Adversos: Diarreia e Cefaleia

Risco: Problema Cardiovascular.

Obs: Uso somente para Mulheres até 65 anos.


5)   LUBIPROSTONA – trata-se de um ativador do canal de cloro do lúmen intestinal, intensifica o fluxo de líquido para o intestino e acelera o trânsito intestinal.  

Nome comercial: AMITIZA

Dose: 8 µg 2x/dia

Efeitos Adversos: Tontura, palpitações, dor abdominal, diarreia.


6)   POLIETILENO GLICOL (PEG) – trata-se de um polímero de cadeia longa do óxido de etileno que age como um laxante osmótico, cuja recomendação já havia sido proposta na norma de conduta de 2014. Desde então, tem sido largamente empregado no tratamento da constipação, PEG desprovido de eletrólitos.


7)   ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS (ATC): Devem ser usados em pacientes portadores com SII-C?

Esta recomendação permaneceu inalterada desde a guia de conduta de 2014. Os ATCs tem sido utilizados na  SII-C devido as suas ações periféricas e centrais, as quais podem afetar a motilidade, secreção e sensação. A SII-C bem como outros transtornos funcionais foram redefinidos nos Critérios de Roma IV como transtorno da interação do trato digestivo-cérebro, caracterizados por quaisquer combinações de distúrbios da motilidade, hipersensibilidade visceral, funções alteradas da mucosa e imunológicos, alteração da microbiota intestinal e alterações no processamento do Sistema Nervoso Central. Com consonância com essa redefinição e baseado no fato de que os ATCs e outros antidepressivos apresentam diferentes efeitos fisiológicos sobre o humor, esses agentes têm sido redefinidos como neuromoduladores do sistema trato digestivo-cérebro.

Nome: AMITRIPTILINA, DESIPIRAMINA, TRIMIPRAMINA, INIPRAMINA, DOXEPIN.

Dose:  50 a 150mg 1x/dia

Efeitos Adversos: Boca seca e Sedação.

  

8)   INIBIDORES DA RECAPTAÇÃO DA SEROTONINA (IRS):

Esta recomendação permaneceu inalterada desde a guia de conduta de 2014. Os IRS estão aprovados para o tratamento de transtorno do humor, tais como: ansiedade e depressão, posto que eles inibem seletivamente a recaptação da 5-HT nas terminações do nervo pré- sináptico, que resultam em um aumento da concentração sináptica dos 5-HT.

Nome: FLUOXETINA Dose: 20mg 1x/dia;

PAROXETINA Dose 10-50mg/dia.

 

9)   ANTIESPASMÓTICOS (ATEs):

Esta recomendação permaneceu inalterada desde a guia de conduta de 2014. Os ATEs são frequentemente usados na prática clínica para reduzir a dor abdominal associada a SII-C. Embora o ATEs pertençam a diferentes classes farmacológicas, admite-se que sejam eficazes para aliviar os sintomas da SII, por meio da contração do músculo liso e possivelmente a sensibilidade visceral.

CONCLUSÕES  

As limitações dos ensaios clínicos nas SII-C continuam esbarrando na inexistência de marcador biológico que possa incorporar os possíveis diferentes mecanismos fisiopatológicos da SII-C, ou que possam de forma confiável predizer a resposta terapêutica às medicações que apresentam diferentes mecanismos predominantes de ação. Por exemplo, normalização do hábito intestinal e analgesia visceral, e a necessidade de tratamentos clinicamente efetivos que proporcionem alívio dos múltiplos sintomas.

Modificações dietéticas e tratamentos comportamentais têm demonstrado efeitos benéficos nos pacientes com SII-C, e devem ser considerados individualmente, posto que podem ser utilizados de forma conjunta com terapêuticas farmacológicas.     

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1-   Can L e cols. – Gastroenterology 2022; 163:118-136

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4-   Chey WD e cols. – Am J Gastroenterol 2017; 112:763-774