terça-feira, 26 de agosto de 2025

A permeabilidade intestinal na interação dos transtornos cérebro-trato digestivo: desde a escrivaninha até a beira do leito (Parte 2)

 Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista Gastroenterology publicou um artigo de revisão, em março de 2025, intitulado “Intestinal Permeability in Disorders of Gut–Brain Interaction:  From Bench to Bedside”, de Madhusudan Grover e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

Tratamentos disponíveis com o objetivo de fortalecer a barreira de permeabilidade intestinal nos transtornos da interação cérebro-trato digestivo (TI TDC)

Há uma série de medidas terapêuticas, tais como: dietas, farmacológicas, e comportamental que se admite exercerem efeitos benéficos sobre os sintomas dos pacientes portadores de TI TDC, por meio do fortalecimento da permeabilidade intestinal e da função da barreira mucosa. (Tabela 1 – Figura 3).

Interface gráfica do usuário, Texto, Aplicativo

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

DIETA:

Uma grande proporção de pacientes portadores de TI TDC, incluindo, a Síndrome do Intestino Irritável (SII), dispepsia funcional (DF) e constipação, tratam seus sintomas relacionados aos alimentos por meio de modificações da dieta. O tratamento dietético, como por exemplo, utilizando dietas ricas em fibra, baixos teores de gordura e baixas concentrações em FODMAPs, podem trazer alívio dos sintomas por meio de múltiplos mecanismos inclusive por uma melhoria da função da barreira mucosa.  

FIBRA:

Seres humanos produzem apenas um limitado número de enzimas para digerir principalmente amido, porém, a microbiota intestinal produz milhares de diversas enzimas que podem despolimerizar e fermentar os polissacarídeos da dieta transformando-os em ácidos graxos de cadeia curta, os quais os seres humanos podem absorver e utilizar porque eles fornecem energia para as células epiteliais, regulam a produção de muco, melhoram a função da barreira intestinal e reduzem a inflamação intestinal. Fibra solúvel, tal como, Psyllium, demonstrou-se ser eficaz na SII e na constipação idiopática. A fibra solúvel aumenta o conteúdo de água nas fezes pela fermentação da massa bacteriana e reduz o tempo de trânsito. A fibra solúvel exerce seu efeito positivo nos pacientes portadores TI TDC fortalecendo a integridade da camada de muco pelo aumento da produção dos ácidos graxos de cadeia curta em consequência da fermentação da fibra pela microbiota intestinal. Os ácidos graxos de cadeia curta fortalecem o metabolismo celular e regulam a função neuro imune, a qual produz efeitos protetivos para a barreira intestinal e aumentam a permeabilidade paracelular.

GORDURA ALIMENTAR:

O aumento da ingestão de gordura tem sido associado com o aumento dos sintomas na SII. Uma dieta de longo prazo com alto teor de gordura, contendo ambas as gorduras, saturadas e insaturadas, correspondendo a pelo menos a 35% das calorias, pode prejudicar a integridade da barreira intestinal por vários mecanismos. O consumo em excesso de gordura na dieta provoca uma alteração na expressão das proteínas das junções firmes dos enterócitos. Uma dieta elevada em gordura aumenta a síntese de sal biliar e reduz sua reabsorção, o que pode aumentar a permeabilidade intestinal por meio do aumento do estresse oxidativo da célula epitelial, apoptose e inflamação com alteração da estrutura da microbiota intestinal. Além disso, uma dieta rica em gordura induz o desequilíbrio entre as citocinas pro- inflamatórias e anti-inflamatórias, a qual aumenta as taxas das citocinas que destroem a barreira intestinal, diminui os níveis das citocinas formadoras da barreira intestinal e provocam inflamação.

FODMAPs:

Uma série de estudos têm demostrado alta eficácia de uma dieta com baixo teor de FODMAPs na SII e na DF. Os FODMAPs são constituídos por carboidratos de cadeia curta, pouco digerível e pouco absorvível, que podem desencadear sintomas em pacientes com TI TDC. Admite-se que o aumento dos sintomas digestivos provocados pelos FODMAPs ocorre devido ao aumento do conteúdo de água, gás colônico e distensão colônica provocados pela fermentação bacteriana. Estes fenômenos desencadeiam respostas alteradas na região do cérebro envolvida com os estímulos viscero-sensoriais.

GLUTAMINA:

A glutamina é um aminoácido essencial que possui um importante efeito sobre a sinalização celular, detoxificação da amônia e homeostase básica. Uma série de estudos demonstraram que deficiência de glutamina pode acarretar aumento da permeabilidade da membrana e sua suplementação pode restaurar a permeabilidade intestinal após uma lesão intestinal, como pode ocorrer na SII-D pós gastroenterite.

FÁRMACOS

Antagonistas dos receptores de histamina 1 (H-1)

O aumento do número de mastócitos e sua ativação tem sido estudados em pacientes com SII e DF. Este achado acarreta aumento da permeabilidade colônica e agrava os sintomas da diarreia. Os mastócitos também contribuem para o aumento da sensibilidade visceral periférica e da dor abdominal pela liberação de histamina. Terapêuticas tendo como alvo a redução da ativação dos mastócitos têm demonstrado a capacidade de diminuir os sintomas do TI TDC. Cetotifeno é um fármaco estabilizador dos mastócitos com propriedades antagonistas a H-1, que inibe a degranulação dos mastócitos e a liberação da triptase, histamina e citocina.

LUBIPROSTONE

É um derivativo da prostaglandina E1 que ativa os canais de cloro tipo 2 dando como resultado o aumento da passagem de água e cloro para o lúmen intestinal. LUBIPROSTONE, portanto, é uma droga eficaz para o tratamento da SII-C e da constipação idiopática crônica.

TENAPANOR

Essa droga tem sido demonstrada capaz de reduzir a dor abdominal e a constipação em pacientes portadores da SII-C. Além disso, previne a resposta de hipersensibilidade visceral, normaliza a excitabilidade neuronal sensorial colônica, e reduz a excitabilidade dos neurônios sensoriais do gânglio da raiz dorsal colônica.

Diagrama

O conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Conclusões

As evidências das acumulações fisiopatológicas sugerem que a permeabilidade intestinal contribui para os sintomas dos TI CTD, tais como a SII e a DF. Entretanto, os resultados dos testes de permeabilidade devem ser interpretados com precaução porque diferentes aspectos da função da barreira intestinal são acessados, porém não a totalidade deles – especialmente os biomarcadores não invasivos – estão apropriadamente validados. Atualmente, nenhum teste disponível desempenha um papel relevante na prática clínica. Para se designar um teste de permeabilidade intestinal como um biomarcador clínico, um número maior de estudos é necessário para desenvolver valores normativos. Além disso, estudos da fisiopatologia em seres humanos são necessários para determinar de que maneira as alterações na barreira contribuem para outros mecanismos, tais como: alterações na sensibilidade visceral, função motora, respostas imunes e a sinalização trato digestivo-cérebro. Uma série de atitudes, tais como, dietéticas, farmacológicas e comportamentais podem trazer efeitos benéficos sobre os sintomas da TI CTD, pelo menos em parte fortalecendo a permeabilidade intestinal e a função de barreira da mucosa. Portanto, a inclusão de investigações sobre a função da barreira intestinal em novos estudos no tratamento da TI CTD, trarão melhores compreensões do papel da função da barreira intestinal. Além disso, novas drogas com efeito mais direto sobre a barreira intestinal poderão propiciar novas esperanças para os pacientes portadores de TI CTD e outras patologias relacionais com a barreira intestinal.

Referências Bibliográficas

1-   Mars RAT e cols. - Cell 2020;182:1460-1473

2-   Zuo L. e cols.- Cell Mol Gastroenterol Hepatol 2020;10:327-3430

3-   Vanuytsel T. e cols. – Front Nutr 2021;8:71-79

4-   Edwinson AL. e cols. – Nat Microbiol 2022;7:680-694