Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A renomada revista JPGN publicou
um artigo de revisão, em julho de 2021, intitulado “Proton-Pump
Inhibitors: do children break a leg by using them?”, de Tavares M. e Dias
JA., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.
Introdução
Os Inibidores da Bomba de Próton (IBP) são
mundialmente prescritos em larga quantidade. Desde os primórdios de 1990, os
IBPs têm sido administrados com uma grande variedade de indicações. No século
XXI, essa tendência foi replicada no campo da Pediatria, muito além das
indicações que estão expressas nas estritas recomendações das Sociedades
Pediátricas. Na população adulta, o uso crônico dos IBPs, durante décadas, em
associações com múltiplas combinações farmacêuticas, e, com a coexistência de
várias comorbidades tem provocado uma preocupação nos médicos a respeito dos
possíveis efeitos colaterais sinérgicos ou interações antagonísticas do
medicamento. O efeito do IBP é uma intensa inibição dos receptores da secreção
ácida, nas células parietais do estômago, o que eleva o pH usual do estômago de
2.5 para 6, durante um período de 24 horas. Esta tendência alcalinizante pode
levar à diminuição da absorção dos nutrientes, derivada da inibição de
mecanismos dependentes do meio ácido gástrico. Neste caso, a biodisponibilidade
de minerais e vitaminas (ferro, magnésio, cálcio e vitamina B12), ao que tudo
indica, está diminuída. O pH ácido é crucial para a liberação do Cálcio
ionizado, a partir dos sais insolúveis de Cálcio da dieta. A hipergastrinemia
derivada da elevação do pH gástrico, acarreta hiperplasia das células das
paratireoides e aumenta a síntese de paratormônio. Este fato pode estimular a
ativação de osteoclastos com consequente reabsorção óssea. Teoricamente, o
efeito combinado de baixos níveis de Cálcio e aumento do paratormônio, pode
acarretar densidade óssea diminuída.
O IBP bloqueia a H+/K+-ATPase
não somente nas células parietais, mas também nos osteoclastos, um degrau
essencial para a reabsorção óssea, posto que os efeitos do IBP são também
efetivos nos osteoclastos. Neste caso em particular, o IBP parece ter uma
atividade osteoclástica diminuída, acarretando reabsorção óssea rebaixada e,
consequentemente, tendo uma ação osteo protetiva.
Estudos e efeitos potencialmente prejudiciais em
adultos.
Na população adulta, há um número considerável de
estudos observacionais e epidemiológicos. Muito embora, teoricamente o
resultado da supressão ácida possa ser extremamente prejudicial, os dados
relatados mostraram poucas associações com a utilização dos resultados dos
estudos baseados em evidências. O elevado risco potencial de infarto do
miocárdio devido a interação do IBP com outros medicamentos, em estudos
randomizados, não foram confirmados. Estudos de metanálise envolvendo grande
número de adultos, mostraram uma fraca associação com fraturas. Levando-se em
consideração inúmeros estudos com grandes populações de adultos, permite
considerar que, além do risco de viés identificado na maioria dos dados
publicados, a população adulta tem um risco levemente maior de fratura óssea,
entre os usuários de IBP, e, este efeito está diretamente correlacionado com a
duração do tratamento.
Outros potenciais efeitos colaterais adversos tais
como, câncer e demência, têm sido descartados por inúmeros estudos de
metanálise. Por outro lado, há uma concordância global quanto à potencial
ocorrência de má absorção de minerais e vitamina B12.
Estudos pediátricos e efeitos colaterais potenciais
Nos pacientes pediátricos o uso de IBP não tem sido
associado a efeitos colaterais de maior monta na prática clínica. O uso crônico
em Pediatria tem sido mais uma exceção do que regra, entretanto, mesmo com o
seu uso de curto prazo, no primeiro ano de vida, pode ser desafiador, em
virtude da escassez de estudos confiáveis, a respeito da segurança e dos
efeitos de longo prazo. Não há padrões que deem suporte ao uso rotineiro de IBP
em recém-nascidos, bem como sua utilização em lactentes que não apresentam
sinais claros de Doença do Refluxo (DRe). Além disso, a prescrição de IBP deve
ser desencorajada para lactentes cuja queixa é choro constante ou para tratar
cólica.
Por outro lado, um número crescente com outras
enfermidades, tais como, Esofagite Eosinofílica ou Atresia Esofágica, podem de
fato necessitar o uso de IBP por um longo período. A despeito das indicações
específicas para o uso de IBP, observadas nas guias de conduta clínica, sua prescrição
tem aumentado nas últimas décadas em mais de 3 vezes entre 2009 e 2018.
Alterações nas diversidades do microbioma têm sido
documentadas com a utilização de IBP, e, estas são um tópico muito sensível. A
diversidade do microbioma alcança a sua maturidade ao redor dos 3 anos de
idade, e é dependente da modulação ambiental. Alterações no microbioma estão
ligadas ao ecossistema intestinal, bem como a predisposição para infecção e
maturação da imunidade. Alguns estudos levantaram essa possibilidade, porém é
impossível prever como a supressão ácida gástrica por longo período, pode se
tornar um modulador do sistema imunológico no futuro. Deficiências de ferro e
vitamina B12, também representam risco potencial para aqueles pacientes que
precisam de uma forte supressão ácida por longos períodos.
Recentemente, uma outra controvérsia emergente
surgiu a respeito da associação do risco de fraturas, devido ao uso de IBP em
Pediatria. Este alerta foi levantado por um estudo epidemiológico, que associou
o uso de IBP a episódios de fraturas em um vasto estudo de coorte nacional em
crianças. Este estudo retrospectivo analisou uma coorte utilizando os registros
das prescrições farmacêuticas de 851.361 crianças de um serviço militar de
saúde, desde o nascimento até os 14 anos de idade. Este estudo relatou uma
maior incidência de fraturas no grupo de crianças tratado com IBP no primeiro
ano de vida, mas, por outro lado, não foi observado este problema no grupo de
crianças de 12 meses a 2 anos de idade. As crianças que receberam IBP no
primeiro ano de vida, apresentaram um risco aumentado de fratura, porém, quando
ajustadas para diferentes variáveis, a associação representava um risco
praticamente desprezível. Está bem estabelecido que estes estudos
retrospectivos apresentam limitações, e, podem ser influenciados por viés,
posto que não há uma caracterização robusta entre os diferentes grupos
estudados: um exemplo é visto no grande estudo de coorte nacional em que os
padrões de fraturas, o mecanismo da lesão e mesmo o tratamento ineficaz não
foram considerados para análise. É importante enfatizar que neste estudo não há
informação a respeito da exposição à luz solar ou diferentes tipos de dieta,
entre os grupos estudados.
Wang e cols. relataram em geral um pequeno risco de
fratura nas crianças tratadas com IBP. Este efeito esteve relacionado com a
duração do tratamento, mas não com a dose diária, posto que, a coorte estudada
baseou-se nos registros de prescrição, nos quais resultou ser impossível
definir a dose diária.
Tomando-se por base estudos divergentes e
parcialmente interferidos por viés, desencadeou-se um conceito geral da
possível elevação do risco de fraturas nas crianças medicadas com IBP (Tabela
1).
Tabela 1
Conclusões
O uso crônico de IBP deve estar sob estrita
supervisão de um especialista capacitado, e, cuja utilização deve ser dirigida
para o diagnóstico e seguimento de enfermidades do trato digestivo, cujos
prognósticos podem ser mais deletérios, caso não seja levado a cabo o uso de
supressão ácida. É do conhecimento geral que há grupos de pacientes que irão
necessitar terapia com IBP durante um período de suas vidas. Estes casos podem
estar dependentes do uso de IBP desde momentos precoces da sua vida, tais como,
atresia esofágica ou usuários de longo prazo como no caso da EEo. Transtornos
severos da motilidade esofágica podem necessitar do tratamento com IBP a longo
prazo, considerando-se que a supressão ácida apresenta o papel relevante no seu
manejo clínico. Em um cenário real de um paciente pediátrico que irá necessitar
supressão ácida prolongada, a medicação deverá ser manuseada com cuidado, com a
devida preocupação de detectar possíveis deficiências de minerais. Esta
intercorrência pode ser evitada por meio de exames clínicos rotineiros e pela
avaliação do perfil metabólico ósseo antes do início do tratamento.
No presente momento, não estão disponíveis estudos
randomizados para avaliar o tipo de efeito prejudicial, a relação com a dose
e/ou duração do tratamento com IBP; entretanto, quando a suspeição é levantada,
torna-se urgente alcançar uma evidência solida, baseada em estudos prospectivos
desprovidos de viés para o esclarecimento deste tópico. Atualmente, não há um
claro mecanismo biológico que possa provar uma relação causal entre o uso de
IBP e fratura óssea.
Referências
Bibliográficas
·
Tavares M & Amil-Dias J – JPGN 2021;73:665-69.
·
Wang YH e cols. – JAMA Pediatr 2020;174:543-51
·
Freedberg DE e cols. – Osteoporos Int
2015;26:2501-7
·
Putman PE e cols. – J Pediatr 2009;154:475-6
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