Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A renomada
revista JPGN de janeiro de 2021, publicou um importante artigo de autoria de
Allende, F. e cols., intitulado “Fructose Malabsorption in Chilean Children
Undergoing Fructose Breath Test at a Tertiary Hospital” que a seguir passo a
abordar em seus aspectos de maior relevância.
Introdução
A frutose é uma hexose
que pode ser ingerida individualmente como o próprio monossacarídeo, formando
parte da molécula da sacarose, ou mesmo com outros carboidratos. As principais
fontes naturais da frutose estão presentes nas frutas, vegetais e no mel,
porém, a frutose encontra-se em quantidade abundante nos carboidratos produzidos
artificialmente, tais como, xarope de milho e nos alimentos dietéticos.
Estima-se que até
50% da população adulta seja incapaz de absorver uma sobrecarga de frutose
acima de 25g por dia, a qual é digna de nota, considerando-se que o consumo
médio da frutose pode alcançar 50g por dia ou até mesmo valores mais elevados.
Investigações acerca da frequência da má absorção à frutose e seus sintomas
associados em crianças são escassos. Um estudo realizado por Escobar e
colaboradores, detectou que 54% das crianças que sofriam de dor abdominal, sem
qualquer outra explicação, apresentaram teste do Hidrogênio positivo para má
absorção à frutose. Vale ressaltar que 77% destas crianças demonstraram alívio
dos sintomas com a utilização de uma dieta com baixos teores de frutose.
O objetivo
primário deste estudo foi descrever a frequência da má absorção à frutose em
pacientes abaixo de 18 anos de idade, e, em segundo lugar associar as
características demográficas e clínicas com os resultados e a presença de
sintomas.
Métodos
Desenho do Estudo
Trata-se de um
estudo retrospectivo observacional de revisão do teste do Hidrogênio no ar
expirado em crianças abaixo de 18 anos de idade, realizado em uma clínica de
Santiago, Chile.
Teste do
Hidrogênio no ar Expirado
Todos os testes
foram realizados levando-se em consideração o mesmo protocolo, seguindo as
clássicas instruções internacionalmente
validadas. O período de jejum foi requerido de acordo com a idade das crianças,
a saber: 4 horas para as menores de 2 anos, 6 horas para as de 2-5 anos e 12 horas
para as mais velhas. O teste foi realizado utilizando-se o equipamento QuinTronSCMicroLyzer
(QT00130-M Milwaukee, WI). Uma amostra basal foi obtida, e então, foi feita a
administração de uma solução de frutose à dose de 1g/kg de peso, até o valor
máximo de 25g, dissolvida em 250ml de água, administrada oralmente ao paciente.
Subsequentemente, amostras de ar expirado foram obtidas a cada 30 minutos,
durante 180 minutos.
Os níveis das
curvas de Hidrogênio foram interpretados seguindo o consenso internacional,
considerando má absorção à frutose no caso da ocorrência de uma elevação de
pelo menos 20ppm do nível do Hidrogênio no ar expirado em relação ao valor
basal.
Resultados
Foram realizados
273 testes correspondendo a 272 pacientes, 53,3% deles eram do sexo feminino. A
idade mediana foi 7 anos, as meninas eram mais velhas que os meninos, 7 anos
versus 6 anos, respectivamente.
Frequência de má
absorção à frutose
Cento e oitenta e
três testes (67%) mostraram-se compatíveis com má absorção à frutose. A mediana
do nível basal de Hidrogênio foi 6ppm e naqueles pacientes cuja curva
mostrou-se alterada, a mediana do pico do nível de Hidrogênio foi 44ppm
(variação 40-88ppm) (Figura 1).
Relação entre
dados demográficos e resultados do teste
Não houve
diferença significativa no resultado do teste levando-se em consideração o sexo
das crianças. Os pacientes que apresentaram má absorção à frutose apresentavam mediana
de 5 anos idade (variação 4-8 anos) versus 8 anos (variação 6-13 anos) naqueles
que apresentaram teste normal (p<0,001). Quando os pacientes foram
classificados de acordo com a idade, os <6 anos versus ≥6 anos, 81,6% dentre
os menores de 6 anos, apresentaram má absorção à frutose em comparação a 57,2%
daqueles ≥6 anos (p<0,001).
Relação entre os
sintomas intra-teste e os resultados dos testes
Neste grupo
estudado 269 pacientes (98,9%) apresentaram pelo menos 1 dos sintomas
pesquisados, a saber: flatulência (83,85%), dor abdominal (73,9%), diarreia (43,8%),
ou náusea (11,8%). A relação entre os
sintomas clínicos e os resultados do
teste está descrita na Tabela 1, salientando-se que a frequência de náusea
mostrou-se ser significantemente menor nos pacientes com má absorção à frutose
em comparação com aqueles que apresentaram teste normal 7,1% versus 20,2%,
respectivamente (p=0,003).
Considerando-se
os sintomas apresentados durante a realização dos testes, no total, 31,6% dos
pacientes apresentaram pelo menos um sintoma, a saber: dor abdominal (20,9%),
flatulência (13,9%), náusea (4,4%) e diarreia (1,8%). Vale salientar que apenas
os pacientes que apresentaram má absorção à frutose sofreram diarreia durante a
realização dos testes (5 pacientes).
Discussão
No presente
trabalho foi encontrada uma alta frequência de má absorção à frutose, nesta
amostragem, com pacientes pediátricos sintomáticos (67%). Pacientes menores de
6 anos (81,3%) e aqueles que não apresentaram náuseas, foram os que
demonstraram maior probabilidade para teste positivo. A má absorção à frutose
deve ser considerada na investigação de crianças com dor abdominal, flatulência
e/ou diarreia crônica, especialmente naquelas menores de 6 anos de idade.
Meus Comentários
A má absorção à
frutose e sua consequente intolerância que pode se manifestar com flatulência,
distensão abdominal e diarreia, trata-se de uma entidade clínica raramente
descrita em passado recente, e que tem
sido cada vez mais frequentemente observada em crianças e adultos. Este fato
passou a ocorrer devido à sua inclusão como edulcorante nos mais diversos
produtos industrializados, como alternativa à sacarose, visto que sua produção
se tornou mais barata que a da sacarose. A frutose, por ser o carboidrato de
sabor mais doce dentre todos os outros carboidratos, tem sido frequentemente adicionada
aos sucos de frutas artificialmente industrializados, confeitos e guloseimas.
A frutose, quando
presente no lúmen do intestino delgado, é transportada através do epitélio
intestinal por um mecanismo de transporte facilitador denominado GLUT5, o qual
apresenta uma alta afinidade pela frutose para carregar este monossacarídeo
através da membrana apical do enterócito. Vale enfatizar que este mecanismo
apresenta um fator limitante na sua capacidade absortiva. Por outro lado, a
frutose também pode ser absorvida de forma eficiente quando está presente em
concentração equimolar com a glicose, como ocorre na composição da sacarose, por
um mecanismo denominado draga do solvente, através das junções firmes dos
enterócitos. Entretanto, quando a concentração de frutose, em determinados
alimentos, encontra-se presente em excesso de glicose, como por exemplo,
condição frequentemente observada no mel, sucos como de maçã, pera e uva, entre
outros alimentos, isto pode provocar má absorção e/ou intolerância à frutose em
certos indivíduos. Em 2013, nós tivemos a oportunidade de descrever pela
primeira vez no nosso meio a má absorção à frutose utilizando o teste do
Hidrogênio no ar expirado em um grupo de crianças portadoras de transtornos
digestivos funcionais, a saber “Fructose malabsorption in children with
functional digestive disorders” (Lozinsky A, Boé C, Palmro R and Fagundes-Neto
U - Arquivos de Gastroenterologia 2013; 50:226-230). Desde esta data tenho
observado com elevada frequência, conforme pode-se constatar nas figuras abaixo
(Figuras 2-3), em crianças e adultos, manifestações de intolerância à frutose. Entretanto,
é importante enfatizar que a intolerância à frutose é situação clínica que não
traz consequências nefastas aos pacientes, ademais de afetar a qualidade de
vida do paciente.
Figura 2-
Paciente intolerante à frutose 60 minutos após ingerir solução aquosa de
frutose durante a realização do teste do Hidrogênio no ar expirado.
Figuras 3- Menina
intolerante à frutose antes e após a introdução de uma dieta com baixo teor de
frutose.
A partir da obtenção
da história clínica basta confirmar a suspeita diagnóstica por meio do Teste do
Hidrogênio no ar expirado, e, isto posto, recomendar a diminuição do teor da
frutose na dieta do paciente, pois, uma vez eliminada a causa o efeito
indesejado desaparecerá.
Referências
Bibliográficas
1- Aliiende, F e
cols. JPGN 2021;72:e1-e3).
2- Escobar MA Jr e
cols. JPGN 2014;58:498-501.
3-
Wilder-Smith CH e
cols. Gastroenterol 2018;155:1034.e6-44.
4-
Wilder-Smith CH e
cols. Aliment Pharmacol Ther 2017;45:1094-106.