segunda-feira, 12 de julho de 2021

Má Absorção à frutose utilizando-se o teste do Hidrogênio no ar expirado

 Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN de janeiro de 2021, publicou um importante artigo de autoria de Allende, F. e cols., intitulado “Fructose Malabsorption in Chilean Children Undergoing Fructose Breath Test at a Tertiary Hospital” que a seguir passo a abordar em seus aspectos de maior relevância.

Introdução

A frutose é uma hexose que pode ser ingerida individualmente como o próprio monossacarídeo, formando parte da molécula da sacarose, ou mesmo com outros carboidratos. As principais fontes naturais da frutose estão presentes nas frutas, vegetais e no mel, porém, a frutose encontra-se em quantidade abundante nos carboidratos produzidos artificialmente, tais como, xarope de milho e nos alimentos dietéticos.

Estima-se que até 50% da população adulta seja incapaz de absorver uma sobrecarga de frutose acima de 25g por dia, a qual é digna de nota, considerando-se que o consumo médio da frutose pode alcançar 50g por dia ou até mesmo valores mais elevados. Investigações acerca da frequência da má absorção à frutose e seus sintomas associados em crianças são escassos. Um estudo realizado por Escobar e colaboradores, detectou que 54% das crianças que sofriam de dor abdominal, sem qualquer outra explicação, apresentaram teste do Hidrogênio positivo para má absorção à frutose. Vale ressaltar que 77% destas crianças demonstraram alívio dos sintomas com a utilização de uma dieta com baixos teores de frutose.

O objetivo primário deste estudo foi descrever a frequência da má absorção à frutose em pacientes abaixo de 18 anos de idade, e, em segundo lugar associar as características demográficas e clínicas com os resultados e a presença de sintomas.

Métodos

Desenho do Estudo

Trata-se de um estudo retrospectivo observacional de revisão do teste do Hidrogênio no ar expirado em crianças abaixo de 18 anos de idade, realizado em uma clínica de Santiago, Chile.

Teste do Hidrogênio no ar Expirado

Todos os testes foram realizados levando-se em consideração o mesmo protocolo, seguindo as clássicas  instruções internacionalmente validadas. O período de jejum foi requerido de acordo com a idade das crianças, a saber: 4 horas para as menores de 2 anos, 6 horas para as de 2-5 anos e 12 horas para as mais velhas. O teste foi realizado utilizando-se o equipamento QuinTronSCMicroLyzer (QT00130-M Milwaukee, WI). Uma amostra basal foi obtida, e então, foi feita a administração de uma solução de frutose à dose de 1g/kg de peso, até o valor máximo de 25g, dissolvida em 250ml de água, administrada oralmente ao paciente. Subsequentemente, amostras de ar expirado foram obtidas a cada 30 minutos, durante 180 minutos.        

Os níveis das curvas de Hidrogênio foram interpretados seguindo o consenso internacional, considerando má absorção à frutose no caso da ocorrência de uma elevação de pelo menos 20ppm do nível do Hidrogênio no ar expirado em relação ao valor basal.

Resultados

Foram realizados 273 testes correspondendo a 272 pacientes, 53,3% deles eram do sexo feminino. A idade mediana foi 7 anos, as meninas eram mais velhas que os meninos, 7 anos versus 6 anos, respectivamente. 

Frequência de má absorção à frutose

Cento e oitenta e três testes (67%) mostraram-se compatíveis com má absorção à frutose. A mediana do nível basal de Hidrogênio foi 6ppm e naqueles pacientes cuja curva mostrou-se alterada, a mediana do pico do nível de Hidrogênio foi 44ppm (variação 40-88ppm) (Figura 1). 



Relação entre dados demográficos e resultados do teste

Não houve diferença significativa no resultado do teste levando-se em consideração o sexo das crianças. Os pacientes que apresentaram má absorção à frutose apresentavam mediana de 5 anos idade (variação 4-8 anos) versus 8 anos (variação 6-13 anos) naqueles que apresentaram teste normal (p<0,001). Quando os pacientes foram classificados de acordo com a idade, os <6 anos versus ≥6 anos, 81,6% dentre os menores de 6 anos, apresentaram má absorção à frutose em comparação a 57,2% daqueles ≥6 anos (p<0,001). 

Relação entre os sintomas intra-teste e os resultados dos testes 

Neste grupo estudado 269 pacientes (98,9%) apresentaram pelo menos 1 dos sintomas pesquisados, a saber: flatulência (83,85%), dor abdominal (73,9%), diarreia (43,8%), ou náusea  (11,8%). A relação entre os sintomas clínicos e os resultados   do teste está descrita na Tabela 1, salientando-se que a frequência de náusea mostrou-se ser significantemente menor nos pacientes com má absorção à frutose em comparação com aqueles que apresentaram teste normal 7,1% versus 20,2%, respectivamente (p=0,003).

Considerando-se os sintomas apresentados durante a realização dos testes, no total, 31,6% dos pacientes apresentaram pelo menos um sintoma, a saber: dor abdominal (20,9%), flatulência (13,9%), náusea (4,4%) e diarreia (1,8%). Vale salientar que apenas os pacientes que apresentaram má absorção à frutose sofreram diarreia durante a realização dos testes  (5 pacientes).

Discussão

No presente trabalho foi encontrada uma alta frequência de má absorção à frutose, nesta amostragem, com pacientes pediátricos sintomáticos (67%). Pacientes menores de 6 anos (81,3%) e aqueles que não apresentaram náuseas, foram os que demonstraram maior probabilidade para teste positivo. A má absorção à frutose deve ser considerada na investigação de crianças com dor abdominal, flatulência e/ou diarreia crônica, especialmente naquelas menores de 6 anos de idade.

Meus Comentários

A má absorção à frutose e sua consequente intolerância que pode se manifestar com flatulência, distensão abdominal e diarreia, trata-se de uma entidade clínica raramente descrita  em passado recente, e que tem sido cada vez mais frequentemente observada em crianças e adultos. Este fato passou a ocorrer devido à sua inclusão como edulcorante nos mais diversos produtos industrializados, como alternativa à sacarose, visto que sua produção se tornou mais barata que a da sacarose. A frutose, por ser o carboidrato de sabor mais doce dentre todos os outros carboidratos, tem sido frequentemente adicionada aos sucos de frutas artificialmente industrializados, confeitos e guloseimas.

A frutose, quando presente no lúmen do intestino delgado, é transportada através do epitélio intestinal por um mecanismo de transporte facilitador denominado GLUT5, o qual apresenta uma alta afinidade pela frutose para carregar este monossacarídeo através da membrana apical do enterócito. Vale enfatizar que este mecanismo apresenta um fator limitante na sua capacidade absortiva. Por outro lado, a frutose também pode ser absorvida de forma eficiente quando está presente em concentração equimolar com a glicose, como ocorre na composição da sacarose, por um mecanismo denominado draga do solvente, através das junções firmes dos enterócitos. Entretanto, quando a concentração de frutose, em determinados alimentos, encontra-se presente em excesso de glicose, como por exemplo, condição frequentemente observada no mel, sucos como de maçã, pera e uva, entre outros alimentos, isto pode provocar má absorção e/ou intolerância à frutose em certos indivíduos. Em 2013, nós tivemos a oportunidade de descrever pela primeira vez no nosso meio a má absorção à frutose utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado em um grupo de crianças portadoras de transtornos digestivos funcionais, a saber “Fructose malabsorption in children with functional digestive disorders” (Lozinsky A, Boé C, Palmro R and Fagundes-Neto U - Arquivos de Gastroenterologia 2013; 50:226-230). Desde esta data tenho observado com elevada frequência, conforme pode-se constatar nas figuras abaixo (Figuras 2-3), em crianças e adultos, manifestações de intolerância à frutose. Entretanto, é importante enfatizar que a intolerância à frutose é situação clínica que não traz consequências nefastas aos pacientes, ademais de afetar a qualidade de vida do paciente.

 


Figura 2- Paciente intolerante à frutose 60 minutos após ingerir solução aquosa de frutose durante a realização do teste do Hidrogênio no ar expirado.



Figuras 3- Menina intolerante à frutose antes e após a introdução de uma dieta com baixo teor de frutose.

A partir da obtenção da história clínica basta confirmar a suspeita diagnóstica por meio do Teste do Hidrogênio no ar expirado, e, isto posto, recomendar a diminuição do teor da frutose na dieta do paciente, pois, uma vez eliminada a causa o efeito indesejado desaparecerá.         

Referências Bibliográficas

1-  Aliiende, F e cols. JPGN 2021;72:e1-e3).

2-  Escobar MA Jr e cols. JPGN 2014;58:498-501.

3-  Wilder-Smith CH e cols. Gastroenterol 2018;155:1034.e6-44.

4-  Wilder-Smith CH e cols. Aliment Pharmacol Ther 2017;45:1094-106.

 

 

Nenhum comentário: