Prof.
Ulysses Fagundes Neto
Introdução
Admite-se
que os principais fatores de risco da PA se devem à imaturidade dos sistemas
imunológicos inatos e adaptativos, observados nos primeiros meses da vida,
alteração da barreira de permeabilidade intestinal e suscetibilidade genética,
em combinação com alimentos sensibilizadores (2).
A PA é
caracterizada por uma inflamação do sigmoide distal e do reto a qual acarreta
edema e erosão da mucosa (Figura 2).
Figura 2- Visualização endoscópica das mucosas
colônica e ileal evidenciando ulcerações macroscópicas, sangramento espontâneo
e ingurgitamento vascular.
A
análise histológica revela infiltrado inflamatório eosinofílico no epitélio e
na lâmina própria, inclusive podendo ser observado abscesso críptico nas
glândulas crípticas (Figura 3).
Figura
3- Microfotografia de material de biópsia retal evidenciando lesões
histopatológicas características de Colite: solução de continuidade do epitélio
colônico, aumento acentuado do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina
própria, com presença aumentada de eosinófilos, glândulas crípticas com
diminuição de células produtoras de muco e presença de abscesso críptico com
infiltrado de neutrófilos.
A
ocorrência de hiperplasia nodular linfoide é também outro achado que pode ser
observado macroscopicamente e à microscopia óptica comum (Figuras 4-5) (3).
Figura
4- Fotografia da mucosa colônica evidenciando a formação de múltiplos nódulos
em um paciente portador de PA.
Figura
5- Microfotografia da mucosa colônica evidenciando além dos nódulos difusos em paciente portador de PA.
O
mecanismo fisiopatológico da PA ainda não foi totalmente identificado, porém,
sabe-se que envolve a presença de linfócitos CD8, bem como linfócitos do tipo
TH-2 e infiltrado eosinofílico em todas as camadas da mucosa colônica. Além
disso, a presença de células de memória circulantes, reveladas por testes
positivos de transformação linfocítica sugere o envolvimento de células T na
patogênese da PA, associada à secreção de fator de necrose tumoral alfa pelos
linfócitos ativados.
A
proteína do leite de vaca ou de outros mamíferos é o principal fator causal da
enfermidade, porém, outros alimentos alergênicos podem também estar envolvidos
na sua gênese, tais como, a soja, trigo, ovo, peixe e frutos do mar, as
oleaginosas e o coco.
Naqueles
lactentes que se encontram em aleitamento natural exclusivo admite-se que a
passagem destes alérgenos para o leite materno seja responsável por induzir uma
resposta inflamatória e, consequentemente, pelo desencadeamento das
manifestações clínicas.
Além
da hematoquezia outras manifestações clínicas também podem estar presentes,
tais como: diarreia, cólicas, irritabilidade intensa, regurgitações frequentes,
vômitos e dificuldade para amamentar. Vale ressaltar que a PA se trata de uma
enfermidade transitória que na maioria dos casos é resolvida espontaneamente ao
redor do primeiro ano de vida (4).
O
presente trabalho tem por objetivos descrever as principais manifestações
clínicas e os tratamentos instituídos em um grupo de lactentes portadores de
PA, bem como suas respectivas evoluções clínicas até a cura do processo
alérgico.
Pacientes e Métodos
O presente estudo consistiu na inclusão de 69
pacientes de ambos os sexos (35 feminino 50,7% e 34 masculino 49,3%), de forma
prospectiva e consecutiva, entre janeiro de 2018 e dezembro de 2019, com queixa
principal de hematoquezia e diagnóstico de PA. Todos os pacientes foram
atendidos pelo profissional médico UFN, no Instituto de Gastroenterologia
Pediátrica de São Paulo (IGASTROPED).
Foram obtidas as seguintes informações de
todos os pacientes: tempo de gestação, tipo de parto, sexo, peso de nascimento,
idade da primeira consulta, idade do início dos sintomas, tipo de dieta,
intolerâncias alimentares, evolução clínica, tratamento e desencadeamento
alimentar.
Pacientes portadores de anomalias congênitas
ou outras causas de sangramento retal, como por exemplo, infecção, fissura
anal, enterocolite necrozante, doença inflamatória intestinal, defeitos da
coagulação, divertículo de Meckel, vólvulo, invaginação, foram excluídos da
análise.
Critérios Diagnósticos
Foram
utilizados os critérios propostos por Walker-Smith (5), a saber:
1-
Presença de sangue vivo nas fezes.
2-
Exclusão de causas infecciosas e parasitárias
de colite.
3-
Desaparecimento dos sintomas após a
eliminação do supostos alérgenos da dieta do lactente ou da mãe.
4-
Desencadeamento precoce não é necessário na
rotina, deve ser tentado aos 12 meses, quando provavelmente o lactente tenha se
tornado tolerante aos alérgenos.
Colonoscopia e Histologia
Este procedimento não é necessário na rotina
diagnóstica da PA na prática diária, porém, em alguns pacientes, quando os
sintomas apresentavam dúvidas quanto à certeza diagnóstica, como por exemplo
sangramento abundante, o estudo endoscópico com biópsia foi realizado.
Conduta Dietética
Para aqueles lactentes que estavam recebendo
Aleitamento Natural (AN) exclusivo ou misto foi recomendada a dieta de exclusão
dos 7 alimentos para a lactante, a saber: leite e derivados, soja, trigo, ovo, peixe e frutos do mar,
as oleaginosas e o coco. Os lactentes passaram a ser monitorados quanto a
possíveis manifestações de intolerância alimentar e as mães foram instruídas a elaborar
um diário alimentar, anotando imediatamente, após cada refeição todos os
alimentos ingeridos, para evitar possíveis esquecimentos posteriores. No caso
de haver manifestações de intolerância (hematoquezia) mesmo estando a mãe em
regime de exclusão comprovada foi indicada, de comum acordo com a mãe, a
introdução de uma fórmula hipoalergênica podendo ser Hidrolisado Proteico extensamente
hidrolisado (HP) ou Mistura de Amino-Ácidos (AA) a critério da preferência
materna. Caso o lactente apresentasse sintomas de intolerância à fórmula de HP,
esta era substituída pela fórmula de AA.
A partir dos 6 meses de idade os lactentes
passaram a receber dieta sólida complementar constando de arroz, carne de
frango e azeite de oliva. Caso houvesse plena aceitação desta dieta, após 15 dias
de sua utilização, passou-se a introduzir outros alimentos de acordo com a
cultura alimentar de cada família, entretanto, sempre preservando as restrições
dietéticas quanto aos 7 alimentos considerados potencialmente alergênicos.
A partir dos 12 meses procedeu-se o teste de
desencadeamento com fórmula láctea apropriada para a idade do lactente.
Inicialmente era oferecida uma quantidade não superior a 20 ml da fórmula, e
aguardava-se pelo menos 40 minutos para observar o surgimento de uma possível
manifestação adversa de intolerância. A partir de então, caso não fosse
observada qualquer reação adversa, o lactente estava liberado para se alimentar
sem restrições, pois considerava-se que estava curado da PA.
Resultados
Os 69 pacientes encontravam-se em bom estado
geral, apesar de apresentarem a queixa de hematoquezia. Além da queixa
principal a grande maioria dos pacientes (81,2%) apresentava queixas
secundárias variáveis de diferentes graus de intensidade, tais como:
irritabilidade frequente principalmente no momento da amamentação, regurgitações, cólicas, vômitos e dermatite
seborreica.
A Tabela 1 apresenta os dados clínicos do
tempo de gestação, tipo de parto e peso de nascimento dos pacientes.
A Tabela 2 apresenta a idade do início dos
sintomas, da primeira consulta e o respectivo estado nutricional dos pacientes.
A Tabela 3 descreve os tipos de dieta que os
pacientes estavam recebendo quando da primeira consulta.
Com relação ao tratamento inicial 37 (53,6%)
lactentes foram mantidos em AN exclusivo, com a eliminação dos 7 alimentos alergênicos
da dieta materna, 8 (11,6%) AN + HP; 6 (8,7%) AN + AA; 7 (10,2%) HP e 11
(15,9%) AA.
Durante a evolução clínica 16 (23,2%)
lactentes desenvolveram intolerância ao HP e passaram a receber AA, e, a partir
desta conduta houve desaparecimento dos sintomas de PA.
A dieta sólida foi bem tolerada por todos os
lactentes e ao cabo dos 12 meses apena 3 pacientes ainda apresentaram sinais de
intolerância ao teste de provocação, nenhum deles com maior gravidade, a qual
desapareceu respectivamente aos 15,5, 18 e 19 meses.
Naqueles pacientes que foram submetidos à
colonoscopia com biópsia retal, a macroscopia evidenciou uma mucosa friável com
hiperemia e em algumas ocasiões discretas ulcerações aftosas (Figuras 6-7).
Figura 6- Fotografias da mucosa colônica
evidenciando a presença focal de lesões aftosas em paciente portador de PA.
Figura 7- Fotografias da mucosa colônica
evidenciando hiperemia difusa e lesões aftosas em paciente portador de PA.
A microscopia revelou aumento do infiltrado
inflamatório da lâmina própria, aumento dos eosinófilos na lâmina própria,
permeando as glândulas crípticas, e, também, no epitélio da mucosa retal
(Figuras 8-9).
Figura 8 – Microfotografia de espécime de
biópsia retal em microscopia óptica evidenciando intenso infiltrado
linfo-plasmocitário na lâmina própria associado presença aumentada de
eosinófilos.
Figura 9 – Microfotografia em grande aumento
de espécime de biópsia retal em microscopia óptica comum evidenciando grande
infiltrado eosinofílico na lâmina própria, e, também permeando o epitélio
retal.
Determinação da Calprotectina fecal,
solicitada para os últimos 30 pacientes, revelou a média de 385 ug/g, mediana
de 284, com variação de 2 a 1143.
Referências
Bibliográficas
1-
Buyuktiryaki B – JPGN 2020; 70:574-79.
2-
Meyer R – Allergy 2020;75:14-32.
3-
Diaz NJ, Patricio FS e Fagundes-Neto U –
Arquivos de Gastroenterologia 2002; 39:260-66.
4-
Camargo LS e Fagundes-Neto U – Arquivos de
Gastroenterologia 2016;53:262-66.
5-
Walker-Smith
JA – Clin Exp Allergy 1995; 25:20-22.
6- Fagundes-Neto
U – Rev Paul Med 1987; 105:166-71.
7- Powell,
G. K. e cols., J Pediatr 1978; 93: 553-60.
8- Schrander,
J. J. P. e cols., Eur J Pediatr 1993; 152: 640-4.
9- Zeiger,
R. S. e cols., J Pediatr 1999; 134: 614-22.
10-
Lake, A. M. e cols., J Pediatr 1982; 101:
906-10.
11-
Sherman,
M. P. e cols., J Pediatr 1982; 100: 587-9.
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