Prof.
Ulysses Fagundes Neto
Discussão
PA é
uma entidade clínica caracterizada por alterações inflamatórias microscópicas
e/ou macroscópicas no cólon e reto como consequência de reações imunológicas
devido à ingestão de proteínas estranhas, que são denominadas para efeito
clínico de alergenos. Deve-se sempre ter como conceito fundamental que alergia se desenvolve a partir de uma
reação imunológica e que diz respeito ao envolvimento de alguma proteína, e, no
caso da alergia alimentar este componente proteico está presente na dieta da
criança. Vale ressaltar que PA é uma enfermidade que afeta essencialmente o
lactente no seu primeiro ano de vida, mais preferentemente nos primeiros 6
meses de idade, muito embora excepcionalmente haja relatos de casos em crianças
maiores. Trata-se de uma enfermidade de caráter temporário com resolução
espontânea ao final do primeiro ou segundo anos de vida.
Na
nossa experiência pessoal, em 1987, ao analisarmos 55 lactentes com idade média
de 3,9 meses, durante um período de 5 anos, os quais apresentavam alergia à
proteína do leite de vaca (APLV) e à soja. Naquela experiência PA representava
20% dos casos de alergia alimentar, mas tudo indica que este percentual vem
aumentando de forma considerável (6) (Figuras 10–11-12-13-14-15-16-17-18).
Figura
10- História clínica e gráfico de crescimento de uma paciente portadora de APLV
com característica de síndrome da má absorção e agravo nutricional.
Figura
11- Fotografia da paciente evidenciando distensão abdominal e hipotonia
muscular.
Figura
12- Evolução clínica com evidente recuperação nutricional após a introdução de
fórmula hipoalergênica.
Figura
13- Fotografia da paciente em total estado de Eutrofia.
Figura
14- Fotografia de uma paciente portadora de PA com discreto agravo nutricional.
Figura
15- Microfotografia de espécime de biópsia retal da referida paciente
evidenciando aumento do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria e
número significativamente aumentado de infiltrado eosinofílico.
Figura
16- Fotografia da paciente anteriormente referida em total estado de
recuperação, bem como normalização da morfologia retal.
Muito
embora colite por infecção bacteriana ou protozoária possa provocar sangramento
retal trata-se de uma etiologia rara neste período da vida em condições
ambientais higiênicas apropriadas. Fissura anal é também frequentemente causa
de sangramento retal, porém a característica do sangramento nesta condição
clínica difere totalmente da colite. O sangramento característico da fissura
anal é um fio de linha de sangue rutilante que recobre as fezes, posto que a
fissura é uma lesão anal praticamente externa, ao passo que no sangramento devido
à PA, o sangue é visto misturado às fezes.
Até
meados do século XX, nas mais diversas formas de sociedade e cultura
existentes, salvo raríssimas exceções, as crianças eram rotineiramente
amamentadas ao seio materno de forma exclusiva e por tempo prolongado.
Entretanto, as mudanças iniciadas em meados do século XIX ocasionadas pelo
desenvolvimento tecnológico industrial, entre as sociedades ditas “modernas”,
nas quais as mulheres passaram a ocupar um espaço significativo no mercado de
trabalho, levaram a uma drástica redução da prática do aleitamento materno.
Em
virtude destas mudanças culturais, leites de outros mamíferos passaram a ser
introduzidos em idades cada vez mais precoces na alimentação dos lactentes. A
partir desta mudança nos hábitos alimentares começaram a surgir os efeitos
colaterais desta prática nutricional, em especial, as alergias alimentares.
Deve-se
a Von Pirquet, em 1906, a introdução do conceito de alergia. Em 1916, foi feita
a primeira referência de APLV nos Estados Unidos. Em 1929, passaram a surgir as
fórmulas de soja industrialmente preparadas. Em 1940, apareceu o primeiro preparado
de hidrolisado da caseína extensamente hidrolisado, denominado Nutramigen. No fim do século xx passaram a ser elaboradas as fórmulas à base de
mistura de amino-ácidos.
Em 1952, Daniel Darrow descreveu o primeiro caso de APLV como complicação de um episódio de gastroenterite. Este paciente
portador de diarreia aguda foi realimentado com leite de vaca e apresentou um
agravo do quadro diarreico com perda de peso. Foi, então, introduzida uma
fórmula à base de hidrolisado proteico (Nutramigen), que fez cessar os sintomas
e houve recuperação nutricional. Uma enfermeira, entretanto, inadvertidamente
reintroduziu leite de vaca na dieta do paciente, e este voltou a apresentar
diarreia com perda de peso, cujos sintomas foram revertidos com a reintrodução
do hidrolisado proteico. Na realidade, involuntariamente foi realizado um teste
de provocação positivo para APLV.
Rubin
(7), nos EUA, em 1940, publicou suas observações sobre 4 pacientes, com idades
compreendidas entre 4 e 7 semanas, que foram alimentados com leite de vaca, os
quais apresentaram diarreia sanguinolenta e cólicas intensas, denominando-as
portadoras da "Síndrome do Sangramento Intestinal devido a APLV". Mortimer (8), nos EUA, em
1959, por sua vez descreveu o caso de um lactente de 3 meses, que se encontrava
em aleitamento misto, possuía história de alergia familiar fortemente positiva,
e que desenvolveu quadro clínico de eczema e asma. Foi tratado com fórmula de soja
em substituição à fórmula láctea durante 2 meses, período no qual apresentou
vômitos frequentes e reinício das crises asmáticas, manifestações estas que
desapareceram com a introdução de uma fórmula à base de hidrolisado proteico.
Halpin e cols. (9), nos EUA, em 1977, documentaram a primeira descrição de PA em
4 lactentes com idades entre 2 e 4 meses, os quais apresentavam diarreia
sanguinolenta, perda de peso e vômitos com o emprego de fórmula de soja com
diagnóstico prévio de APLV. Nos
4 pacientes foi realizado desencadeamento com fórmula de soja e os sintomas
reapareceram, sendo que anteriormente os sintomas haviam regredido com o uso de
uma fórmula à base de hidrolisado proteico extensamente hidrolisado.
Lake
e cols. (10), nos EUA, em 1982, descreveram 6 lactentes amamentados
exclusivamente com leite materno que apresentaram diarreia sanguinolenta no
primeiro mês de vida, tendo sido descartadas causas infecciosas. Foi
constatado, nesta ocasião, que proteínas estranhas, potencialmente alergênicas,
podem ser veiculadas pelo leite materno, e que os sintomas regridem quando o
suposto alergeno é retirado da dieta da mãe. Além disso, Sherman e Cox (11),
nos EUA, em 1982, levantaram a possibilidade de sensibilização intra-útero às proteínas
do leite de vaca, ao descrever o caso de um recém-nascido que apresentou diarreia
sanguinolenta algumas horas após o nascimento ao receber leite de vaca a partir
de 8 horas de vida. As manifestações clínicas persistiram ao se introduzir
fórmula de soja, e somente regrediram com o uso de fórmula à base de hidrolisado
proteico extensamente hidrolisado.
No presente
trabalho ficou evidenciada a importância da elevada prevalência de PA como a
principal manifestação de alergia alimentar, posto que, desde o início dos anos
1990, não temos mais observado casos de alergia alimentar com manifestação de
diarreia crônica associada a desnutrição.
Referências
Bibliográficas
1-
Buyuktiryaki B – JPGN 2020; 70:574-79.
2-
Meyer R – Allergy 2020;75:14-32.
3-
Diaz NJ, Patricio FS e Fagundes-Neto U –
Arquivos de Gastroenterologia 2002; 39:260-66.
4-
Camargo LS e Fagundes-Neto U – Arquivos de
Gastroenterologia 2016;53:262-66.
5-
Walker-Smith
JA – Clin Exp Allergy 1995; 25:20-22.
6- Fagundes-Neto
U – Rev Paul Med 1987; 105:166-71.
7- Powell,
G. K. e cols., J Pediatr 1978; 93: 553-60.
8- Schrander,
J. J. P. e cols., Eur J Pediatr 1993; 152: 640-4.
9- Zeiger,
R. S. e cols., J Pediatr 1999; 134: 614-22.
10-
Lake, A. M. e cols., J Pediatr 1982; 101:
906-10.
11-
Sherman,
M. P. e cols., J Pediatr 1982; 100: 587-9.