quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Esofagite Eosinofílica: fatores de risco associados aos primórdios da vida



Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

Introdução

A Esofagite Eosinofílica (EEo) trata-se de uma enfermidade inflamatória do esófago, caracterizada por inflamação eosinofílica crônica e fibrose, acarretando disfunção esofágica (Figura 1).
Figura 1- Imagem endoscópica do esôfago apresentando traqueização (E); microfotografia de grande aumento da mucosa esofágico apresentando número aumentado de infiltração eosinofílica (D).

A criança que sofre de EEo pode apresentar uma grande variedade de sintomas, a saber: intolerância alimentar, disfagia, impactação alimentar, dor abdominal e/u vômitos. Esta constelação inespecífica de sintomas pode provocar um retardo diagnóstico ou mesmo a sua não realização, o que em última análise, pode impactar no desenvolvimento e no crescimento do paciente (Figura 2).
Figura 2- Representação esquemática dos principais sintomas da EEo.

A prevalência da EEo tem mostrado um aumento global na última década, e, apesar deste aumento sua patogênese ainda não está amplamente compreendida. Um estudo realizado na Austrália estimou um aumento da prevalência da EEo de 0,05 para 0,89 casos por 100 mil pacientes nesta última década. Um informe norte americano demonstrou um aumento de 70 vezes na prevalência da EEo entre 1994 e 2011. A presente estimativa da prevalência da EEo em crianças e adultos nos EUA, abrange cerca de 1 para 2.000 indivíduos. 

A EEo tem sido geralmente descrita como um fenômeno atópico, e, o aumento da sua prevalência, ocorre simultaneamente com o aumento da prevalência da asma, eczema e alergias alimentares (Figura 3).
Figura 3- Fotografia de lesão eczematosa peri-labial.

Pesquisadores têm comprovado detalhadamente que os deflagradores ambientais para doenças atópicas se iniciam por infiltração celular, predominantemente por eosinófilos e células T, sendo que estas últimas são responsáveis pelas respostas da citocina Th2. A potencial existência de um possível mecanismo unitário para a ruptura das barreiras epiteliais e a subsequente inflamação que ocorre na EEo, eczema e asma, ainda permanece sob investigação. Particularmente no que diz respeito à EEo, tem sido sugerido que a ruptura de permeabilidade do epitélio esofágico pode se dar devido a expressão reduzida de uma proteína de adesão intracelular denominada desmogleina-1. Leung e cols., examinaram a permeabilidade gástrica e intestinal nos pacientes com EEo, em comparação com grupo controle, e não encontraram diferenças significativas nos resultados do teste de avaliação da permeabilidade utilizando a relação lactose/manitol na urina. Esses autores levantaram a hipótese na qual, ao invés da alteração mais distal da permeabilidade, uma expressão anormal das proteínas da barreira esofágica, devem exercer um papel na resposta imunológica local. Essa ruptura é importante porque a exposição crônica dos antígenos ambientais sobre o esôfago pode, a longo prazo, resultar em fibrose e disfunção.

Quando ocorre a ruptura do epitélio intestinal, há também um retardo nos processos imunológicos naturais para a colonização bacteriana sadia. Há uma íntima conexão entre alterações precoces no microbioma intestinal e o aparecimento de enfermidades atópicas. Um importante exemplo do significado destas deslocações do microbioma tem sido demonstrado pela ocorrência de enfermidades atópicas associadas a eventos com alterações precoces do microbioma, como aqueles apresentados pelas crianças nascidas de parto cesárea. Jensen e cols., também demostraram um aumento de 6 vezes na EEo nas crianças expostas a antibioticoterapia em momentos precoces da vida.

Witmer e cols. recentemente, em 2018, realizaram um estudo retrospectivo caso-controle com o objetivo de identificar as exposições e as condições em idades precoces da vida que possam estar associadas com a ocorrência da EEo em Pediatria, cujo resumo segue abaixo.

Estudo retrospectivo caso-controle

Métodos

O grupo estudado abrangeu o período de out/2008 a set/2015. A população selecionada para este estudo referiu-se aos pacientes portadores de EEo, os quais foram incluídos por apresentarem um histórico clínico detalhado da mãe e da criança ao nascer. Estes pacientes foram posteriormente seguidos desde o nascimento e tiveram o diagnóstico de EEo estabelecido após o sexto mês de vida. Os fatores de risco para EEo investigados ocorreram obrigatoriamente durante os primeiros seis meses de vida. Foram selecionados os seguintes fatores de risco, a saber: prematuridade (menos de 30 semanas de gestação), parto cesárea, corioaminioite e ruptura prolongada da membrana amniótica. As afecções atópicas durante o período de lactentes incluíram as seguintes condições clínicas: eczema, dermatite seborreica, eritema tóxico neonatal, alergia à proteína do leite de vaca, hematoquezia, asma, refluxo gastroesofágico, problemas alimentares, cólica do lactente e candidíase oral. Exposições medicamentosas precoces na vida foram investigadas e incluíram: antibióticos, inibidores de bomba de próton e antagonistas dos receptores de histamina-2.

Resultados

A população estudada incluiu 1.410 crianças com EEo que foram confrontadas com 2.820 crianças controles. A mediana de idade por ocasião do diagnóstico de EEo foi de 4,2 anos com uma variação do interquartil de 2,1 para 7,2 anos e uma variação geral de 6 meses a 13,7 anos. Houve aumento do fator de risco para o surgimento de EEo, estatisticamente significativo, associada às seguintes variáveis: exposição a determinados medicamentos, exposições perinatais e diagnósticos clínicos nos primeiros seis meses de vida. No que diz respeito à exposição a medicamentos, houve um risco aumentado para os inibidores da bomba de próton e os antagonistas dos receptores de histamina-2. Exposição a antibiótico também se mostrou estatisticamente significativa, porém não tão elevada quanto às anteriores. Com relação aos fatores de risco perinatais, prematuridade e nascimento de parto cesárea mostraram-se estatisticamente significantes. No que diz respeito às enfermidades atópicas, em idades precoces da vida, os fatores de risco aumentados revelaram-se para alergia à proteína do leite e hematoquezia (Figura 4).
Figura 4- Imagem de sangue misturado às fezes característica em lactente portador de colite alérgica.

 Outras manifestações atópicas da pele, que apresentaram fatores de risco aumentados para EEo, incluíram eczema e dermatite seborreica (Figura 5).
Figura 5- Imagem de dermatite seborreica em lactente.

Dentre os fatores potenciais de risco, considerando-se a categoria miscelânia, estão incluídos o eritema toxico neonatal e o refluxo gastroesofágico.   

Discussão

Considerando-se a associação entre o uso de inibidores da bomba de próton, os antagonistas de receptores de histamina-2 e os antibióticos, pode-se especular que esses medicamentos, estão potencialmente envolvidos na alteração do desenvolvimento do microbioma intestinal e do desenvolvimento do sistema imunológico. Do ponto de vista das exposições perinatais, a prematuridade pode estar associada pela imaturidade da barreira de permeabilidade intestinal exposta a antígenos orais tais como o leite de vaca. O parto cesárea e a corioaminionite também mostraram um aumento potencial do fator de risco para a prevalência da EEo, embora com importância bem menor do que as causas anteriormente citadas. Dentre as enfermidades atópicas, a alergia à proteína do leite de vaca mostrou-se a mais fortemente associada a EEo, seguida da hematoquezia, a qual é uma manifestação comum de alergia à proteína do leite de vaca nos lactentes. Um achado inédito observado neste estudo diz respeito à associação da EEo com o eritema tóxico neonatal. O eritema tóxico neonatal (ETN) tem sido descrito como uma erupção cutânea benigna no período de recém-nascido, que regride dentro das primeiras semanas de vida. Ele é caracterizado pela presença de pápulas e pústulas, halos eritematosos que apresentam infiltrado eosinofílico no seu interior, tanto no interior das pústulas como no esfregaço da pele, e menos comumente no sangue periférico (7% a 15% dos casos) (Figura 6).
Figura 6- Imagem de recém-nascido apresentando Eritema tóxico.

 Embora ainda não seja conhecida a fisiopatologia do ETN, tem sido proposta sua etiologia estar relacionada a mediadores pró-inflamatórios, tais como as interleucinas e as sintases do ácido nítrico, as quais possivelmente seriam geradas em resposta à colonização microbiana no interior dos folículos pilosos do recém-nascido durante os primeiros dias de vida.   

Conclusões  

A exposição a medicamentos bloqueadores de ácidos e antibióticos mostrou-se inegavelmente associada como um fator de aumento de risco, nos primórdios da vida, para a ocorrência da EEo em Pediatria. Por esta razão, os profissionais da saúde devem ter precaução ao prescrever esses medicamentos em idades precoces, e, ao mesmo tempo, estar vigilantes quando os sintomas apresentados por seus pacientes forem compatíveis com a suspeita de EEo. Em relação às crianças que apresentam alguns sintomas sugestivos, condições atópicas precoces e/ou dificuldades alimentares no período de lactentes, estes são fatores que podem auxiliar no aumento da suspeita de EEo e estratificar o risco da necessidade da realização de testes invasivos para se obter um diagnóstico conclusivo. Conceitualmente, a identificação dos fatores de risco, nos primórdios da vida, que podem contribuir para o surgimento da EEo, poderia levar a um melhor conhecimento da fisiopatologia de base desta enfermidade, bem como servir como mais um alvo efetivo de prevenção e intervenção. Este estudo definitivamente constrói uma evidência que eventos que ocorrem em períodos precoces da vida contribuem para aumentar o risco da prevalência da EEo.

Referências Bibliográficas
1-   Leung et al – JPGN 2015;60:2236-9.
2-   Jensen et al – JPGN 2013;57:67-71.
3-   Witmer et al – JPGN 2018;67:610-15.