Prof.
Dr. Ulysses Fagundes Neto
Introdução
A Esofagite Eosinofílica (EEo)
trata-se de uma enfermidade inflamatória do esófago, caracterizada por
inflamação eosinofílica crônica e fibrose, acarretando disfunção esofágica
(Figura 1).
Figura 1- Imagem endoscópica do
esôfago apresentando traqueização (E); microfotografia de grande aumento da
mucosa esofágico apresentando número aumentado de infiltração eosinofílica (D).
A criança que sofre de EEo pode apresentar
uma grande variedade de sintomas, a saber: intolerância alimentar, disfagia,
impactação alimentar, dor abdominal e/u vômitos. Esta constelação inespecífica
de sintomas pode provocar um retardo diagnóstico ou mesmo a sua não realização,
o que em última análise, pode impactar no desenvolvimento e no crescimento do
paciente (Figura 2).
Figura 2- Representação esquemática
dos principais sintomas da EEo.
A prevalência da EEo tem mostrado um
aumento global na última década, e, apesar deste aumento sua patogênese ainda
não está amplamente compreendida. Um estudo realizado na Austrália estimou um
aumento da prevalência da EEo de 0,05 para 0,89 casos por 100 mil pacientes
nesta última década. Um informe norte americano demonstrou um aumento de 70
vezes na prevalência da EEo entre 1994 e 2011. A presente estimativa da
prevalência da EEo em crianças e adultos nos EUA, abrange cerca de 1 para 2.000
indivíduos.
A EEo tem sido geralmente descrita
como um fenômeno atópico, e, o aumento da sua prevalência, ocorre
simultaneamente com o aumento da prevalência da asma, eczema e alergias
alimentares (Figura 3).
Figura 3- Fotografia de lesão
eczematosa peri-labial.
Pesquisadores têm comprovado
detalhadamente que os deflagradores ambientais para doenças atópicas se iniciam
por infiltração celular, predominantemente por eosinófilos e células T, sendo
que estas últimas são responsáveis pelas respostas da citocina Th2. A potencial
existência de um possível mecanismo unitário para a ruptura das barreiras
epiteliais e a subsequente inflamação que ocorre na EEo, eczema e asma, ainda
permanece sob investigação. Particularmente no que diz respeito à EEo, tem sido
sugerido que a ruptura de permeabilidade do epitélio esofágico pode se dar devido
a expressão reduzida de uma proteína de adesão intracelular denominada
desmogleina-1. Leung e cols., examinaram a permeabilidade gástrica e intestinal
nos pacientes com EEo, em comparação com grupo controle, e não encontraram
diferenças significativas nos resultados do teste de avaliação da
permeabilidade utilizando a relação lactose/manitol na urina. Esses autores
levantaram a hipótese na qual, ao invés da alteração mais distal da
permeabilidade, uma expressão anormal das proteínas da barreira esofágica,
devem exercer um papel na resposta imunológica local. Essa ruptura é importante
porque a exposição crônica dos antígenos ambientais sobre o esôfago pode, a
longo prazo, resultar em fibrose e disfunção.
Quando ocorre a ruptura do epitélio
intestinal, há também um retardo nos processos imunológicos naturais para a
colonização bacteriana sadia. Há uma íntima conexão entre alterações precoces
no microbioma intestinal e o aparecimento de enfermidades atópicas. Um
importante exemplo do significado destas deslocações do microbioma tem sido
demonstrado pela ocorrência de enfermidades atópicas associadas a eventos com
alterações precoces do microbioma, como aqueles apresentados pelas crianças
nascidas de parto cesárea. Jensen e cols., também demostraram um aumento de 6
vezes na EEo nas crianças expostas a antibioticoterapia em momentos precoces da
vida.
Witmer e cols. recentemente, em 2018,
realizaram um estudo retrospectivo caso-controle com o objetivo de identificar
as exposições e as condições em idades precoces da vida que possam estar
associadas com a ocorrência da EEo em Pediatria, cujo resumo segue abaixo.
Estudo retrospectivo caso-controle
Métodos
O grupo estudado abrangeu o período de
out/2008 a set/2015. A população selecionada para este estudo referiu-se aos
pacientes portadores de EEo, os quais foram incluídos por apresentarem um histórico
clínico detalhado da mãe e da criança ao nascer. Estes pacientes foram posteriormente
seguidos desde o nascimento e tiveram o diagnóstico de EEo estabelecido após o
sexto mês de vida. Os fatores de risco para EEo investigados ocorreram obrigatoriamente
durante os primeiros seis meses de vida. Foram selecionados os seguintes
fatores de risco, a saber: prematuridade (menos de 30 semanas de gestação),
parto cesárea, corioaminioite e ruptura prolongada da membrana amniótica. As
afecções atópicas durante o período de lactentes incluíram as seguintes
condições clínicas: eczema, dermatite seborreica, eritema tóxico neonatal,
alergia à proteína do leite de vaca, hematoquezia, asma, refluxo gastroesofágico,
problemas alimentares, cólica do lactente e candidíase oral. Exposições
medicamentosas precoces na vida foram investigadas e incluíram: antibióticos,
inibidores de bomba de próton e antagonistas dos receptores de histamina-2.
Resultados
A população estudada incluiu 1.410
crianças com EEo que foram confrontadas com 2.820 crianças controles. A mediana
de idade por ocasião do diagnóstico de EEo foi de 4,2 anos com uma variação do
interquartil de 2,1 para 7,2 anos e uma variação geral de 6 meses a 13,7 anos.
Houve aumento do fator de risco para o surgimento de EEo, estatisticamente
significativo, associada às seguintes variáveis: exposição a determinados
medicamentos, exposições perinatais e diagnósticos clínicos nos primeiros seis
meses de vida. No que diz respeito à exposição a medicamentos, houve um risco
aumentado para os inibidores da bomba de próton e os antagonistas dos
receptores de histamina-2. Exposição a antibiótico também se mostrou
estatisticamente significativa, porém não tão elevada quanto às anteriores. Com
relação aos fatores de risco perinatais, prematuridade e nascimento de parto
cesárea mostraram-se estatisticamente significantes. No que diz respeito às
enfermidades atópicas, em idades precoces da vida, os fatores de risco
aumentados revelaram-se para alergia à proteína do leite e hematoquezia (Figura
4).
Figura 4- Imagem de sangue misturado
às fezes característica em lactente portador de colite alérgica.
Outras manifestações atópicas da pele, que
apresentaram fatores de risco aumentados para EEo, incluíram eczema e dermatite
seborreica (Figura 5).
Figura 5- Imagem de dermatite
seborreica em lactente.
Dentre os fatores potenciais de risco,
considerando-se a categoria miscelânia, estão incluídos o eritema toxico
neonatal e o refluxo gastroesofágico.
Discussão
Considerando-se a associação entre o
uso de inibidores da bomba de próton, os antagonistas de receptores de
histamina-2 e os antibióticos, pode-se especular que esses medicamentos, estão
potencialmente envolvidos na alteração do desenvolvimento do microbioma
intestinal e do desenvolvimento do sistema imunológico. Do ponto de vista das
exposições perinatais, a prematuridade pode estar associada pela imaturidade da
barreira de permeabilidade intestinal exposta a antígenos orais tais como o
leite de vaca. O parto cesárea e a corioaminionite também mostraram um aumento
potencial do fator de risco para a prevalência da EEo, embora com importância bem
menor do que as causas anteriormente citadas. Dentre as enfermidades atópicas,
a alergia à proteína do leite de vaca mostrou-se a mais fortemente associada a
EEo, seguida da hematoquezia, a qual é uma manifestação comum de alergia à
proteína do leite de vaca nos lactentes. Um achado inédito observado neste
estudo diz respeito à associação da EEo com o eritema tóxico neonatal. O
eritema tóxico neonatal (ETN) tem sido descrito como uma erupção cutânea
benigna no período de recém-nascido, que regride dentro das primeiras semanas
de vida. Ele é caracterizado pela presença de pápulas e pústulas, halos
eritematosos que apresentam infiltrado eosinofílico no seu interior, tanto no
interior das pústulas como no esfregaço da pele, e menos comumente no sangue
periférico (7% a 15% dos casos) (Figura 6).
Figura 6- Imagem de recém-nascido
apresentando Eritema tóxico.
Embora ainda não seja conhecida a
fisiopatologia do ETN, tem sido proposta sua etiologia estar relacionada a
mediadores pró-inflamatórios, tais como as interleucinas e as sintases do ácido
nítrico, as quais possivelmente seriam geradas em resposta à colonização
microbiana no interior dos folículos pilosos do recém-nascido durante os
primeiros dias de vida.
Conclusões
A exposição a medicamentos
bloqueadores de ácidos e antibióticos mostrou-se inegavelmente associada como
um fator de aumento de risco, nos primórdios da vida, para a ocorrência da EEo
em Pediatria. Por esta razão, os profissionais da saúde devem ter precaução ao
prescrever esses medicamentos em idades precoces, e, ao mesmo tempo, estar
vigilantes quando os sintomas apresentados por seus pacientes forem compatíveis
com a suspeita de EEo. Em relação às crianças que apresentam alguns sintomas
sugestivos, condições atópicas precoces e/ou dificuldades alimentares no
período de lactentes, estes são fatores que podem auxiliar no aumento da
suspeita de EEo e estratificar o risco da necessidade da realização de testes
invasivos para se obter um diagnóstico conclusivo. Conceitualmente, a
identificação dos fatores de risco, nos primórdios da vida, que podem
contribuir para o surgimento da EEo, poderia levar a um melhor conhecimento da
fisiopatologia de base desta enfermidade, bem como servir como mais um alvo efetivo
de prevenção e intervenção. Este estudo definitivamente constrói uma evidência
que eventos que ocorrem em períodos precoces da vida contribuem para aumentar o
risco da prevalência da EEo.
Referências Bibliográficas
1- Leung et al – JPGN 2015;60:2236-9.
2- Jensen et al – JPGN 2013;57:67-71.
3- Witmer et al – JPGN 2018;67:610-15.
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