Gastroenterology 2018;154:1209-14.
Bodas de Diamantes da Revista Gastroenterology (1943-2018): as contribuições para os Transtornos Pépticos Ácidos e Esofagite Eosinofílica
Traduzido e Editorado: Prof.
Dr. Ulysses Fagundes Neto
Ao longo dos últimos 50 anos os manuscritos
publicados na revista Gastroenterology
tiveram um substancial impacto no nosso conhecimento clínico, compreensão e
manejo da Ulcera Péptica (UP),
infecção por Helicobacter pylori (Hp),
Doença do Refluxo Gastro-Esofágico (DRGE),
Esôfago de Barret e Esofagite Eosinofílica (EEo). Este artigo salienta os mais citados
trabalhos sobre as enfermidades acima referidas e que estão historicamente contextualizadas
nas Linhas do Tempo 1 e 2.
Linha do Tempo 1
Linha do Tempo 2
Úlcera Péptica e Helicobacter pylori
Avanços
significativos na era pré-Hp incluem
os manejos eficazes sobre a produção de ácido por meio da utilização dos inibidores
da bomba de próton bem como a vagotomia altamente seletiva. Muito embora os
impactos do Hp sobre as úlceras
gastroduodenais e a neoplasia gástrica sejam bem conhecidos, o impacto do Hp sobre a DRGE era mais controverso, porque associações positivas dos
sintomas de refluxo estavam ligadas com fatores contribuintes de gastrites
graves, enquanto que o Hp estava
relacionado com um menor risco de câncer esofágico.
Antes
da descoberta da eficácia terapêutica proporcionada pelas drogas
anti-secretoras, a cirurgia era a única opção efetivamente viável porá o manejo
da UP. A vagotomia altamente seletiva
foi a primeira cirurgia para tratar a UP
e que possibilitava evitar a ressecção gástrica e preservava de forma intacta
os esfíncteres antral e pilórico. Um relato pioneiro publicado na Gastroenterology, por Amdrup e Jensen,
em 1970, demonstrou que a vagotomia altamente seletiva proporcionava uma
evolução clinicamente superior em comparação com as abordagens até então
tradicionais.
A
descoberta do Hp como o fator
etiológico individual mais importante das úlceras gastroduodenais, levantou a
especulação de que o Hp também
poderia causar a DRGE. Entretanto,
vários estudos relataram uma associação negativa entre Hp e a DRGE, o que aventou
o questionamento se de fato a infecção pelo Hp
estaria positiva ou negativamente correlacionada com a DRGE. A resposta parece
depender da localização da infecção. A pangastrite predominantemente do corpo
do estômago está associada a uma hipocloridria mais intensa e, portanto, com
redução dos sintomas de refluxo, em oposição à gastrite predominantemente
antral (Figuras 1-2-3).
Figura
1– Gastrite nodular antral lesão característica da infecção por Helicobacter
pylori.
Figura
2- Representação esquemática da fisiopatologia da infecção por Helicobacter
pylori.
Figura
3- Imunohistoquímica demonstrando a presença do Helicobacter pylori na
mucosa gástrica.
Doença do Refluxo Gastro-Esofágico
O
primeiro estudo para identificar a prevalência da DRGE nos EUA, foi publicado na Gastroenterology
por Locke e cols., em 1997, e a população que serviu de base para esta
investigação foi a que habitava o Condado de Olmsted, Minnesota. Esta pesquisa demonstrou
que 19,8% dos investigados apresentavam sintomas típicos de refluxo (queimação
retroesternal ou regurgitação ácida), pelo menos semanalmente por mais de 5
anos. Além disso, os pacientes referiam que seus sintomas típicos de refluxo
também estavam associados com sintomas atípicos, tais como: dor torácica não
cardíaca, disfagia e dispepsia.
Aproximadamente
30% dos pacientes com sintomas típicos da DRGE
apresentam à endoscopia uma visível esofagite por refluxo a qual pode resultar
em complicações esofágicas, tais como: estenose e esôfago de Barret. O sistema
de classificação endoscópico da DRGE (grau
de Los Angeles) foi publicado na Gastroenterology
em 1996, o que possibilitou uma avaliação padronizada e reproduzível da DRGE e suas complicações.
Souza
e cols., publicaram na Gastroenterology
em 2009, uma investigação revolucionária que desmistificou um dogma que
perdurou durante décadas a respeito da patogênese da DRGE. Esses autores diferentemente do que se admitia até então, ou
seja, que as lesões esofágicas se deviam ao efeito químico cáustico do material
de refluxo por ácido e bile, identificaram um outro fator como causa da
esofagite. Na verdade, segundo estes autores a esofagite por refluxo se desenvolve
por uma forma predominantemente linfocitária de inflamação que ao que tudo
indica deve ser mediada por citocinas.
Outros
estudos publicados na Gastroenterology
têm demonstrado que a DRGE pode
causar anormalidades motoras no esôfago por meio de processos mediados por
citocinas. Por exemplo, Rieder e cols., em 2007, demonstraram que os transtornos
motores do esôfago podem resultar na produção de citocinas pró-inflamatórias
pela mucosa esofágica, o que estabelece uma ligação direta entre a produção de
citocinas pelas células escamosas do esôfago que induzem à DRGE e as
anormalidades motoras esofágicas.
Esôfago de Barret
Esta
enfermidade foi primeiramente descrita por Tileston, em 1906, porém, foi Norman
Barret que propôs que esta patologia fosse um segmento intratorácico do
estômago de etiologia congênita ao invés da proposição universalmente aceita,
de que se trata de um tecido metaplásico (Figura 4).
Figura
4- Lesão esofágica característica do Esôfago de Barret.
Na
década de 1980 foi reconhecida a associação entre o esôfago de Barret e o adenocarcinoma
esofágico. Em 1995, Cameron e cols., publicaram na Gastroenterology, um estudo a partir de espécimes de tecido de
esofagectomia que todos os adenocarcinomas esofágicos e a maioria dos
adenocarcinomas da junção esôfago gástrica são provenientes do esôfago de
Barret. Shaheen e cols., em 2000, publicaram uma revisão sistemática na Gastroenterology estimando que a
verdadeira incidência anual de câncer devido ao esôfago de Barret se encontra
ao redor de 0,5%.
O
reconhecimento da potencial lesão pré-cancerígena do esôfago de Barret, e da
sua associação com sintomas de refluxo com ambos, esôfago de Barret e
adenocarcinoma esofágico, levou ao intenso esforço de triagem endoscópica e
vigilância clínica nos pacientes com sintomas de refluxo e naqueles com esôfago
de Barret. Considerando-se que uma substancial morbidade e mortalidade estão associadas
à esofagectomia, passou a haver um grande interesse no desenvolvimento de
tratamentos endoscópicos no que concerne ao adenocarcinoma esofágico precoce ou
o esôfago de Barret displásico. Estudos de terapia fotodinâmica demostraram boa
eficácia, porém, mostraram-se limitados devido à sua toxidade sobre a fotossensibilidade
da pele e a estenose esofágica. Ell e cols., em 2000, descreveram na Gastroenterology, sua experiência a
respeito da ressecção endoscópica da mucosa esofágica em 64 pacientes com alto
grau de displasia ou câncer T1. Este artigo passou a ser considerado a técnica
mais refinada recomendada como padrão para o tratamento da neoplasia precoce do
esôfago de Barret com lesões visíveis. Finalmente, em 2006, foi publicado na Gastroenterology, o resultado de um
grupo de trabalho internacional,
denominado critérios de Praga, para documentar o comprimento endoscópico
do esôfago de Barret.
Esofagite Eosinofílica
O
primeiro caso descrito de EEo foi
publicado na Gastroenterology em
1977, por Dobbins e Behar. Tratava-se de um paciente de 51 anos de idade que
sofria de asma e rinite alérgica e que também se queixava de disfagia. As
biópsias esofágicas realizadas demonstraram papilas alongadas e hiperplasia da
zona basal típicas da DRGE, porém, também evidenciavam uma acentuada
infiltração eosinofílica no epitélio escamoso, lâmina própria e muscular da
mucosa (Figura 5). Repetidas manometrias demonstraram contrações esofágicas
simultâneas enquanto que a pHmetria mostrava-se normal.
Figura
5– Espécime de biópsia esofágica característica de EEo evidenciando infiltração
eosinofílica da mucosa esofágica acima de 15 eosinófilos por campo de grande
aumento.
Um
segundo caso foi relatado por Landres na Gastroenterology
em 1978, o qual era similar ao anterior, porém, cuja manometria demonstrou ser
consistente com acalasia (Figura 6).
Figura
6– Estudo radiológico contrastado do esôfago evidenciando estenose esofágica.
Em 1982,
Winter publicou um estudo altamente citado em Pediatria no qual associou a
presença de eosinófilos intraepiteliais com uma depuração ácida anormal (Tabela
1).
Tabela
1– Sintomas mais frequentes de EEo em crianças e adultos.
Nas
próximas duas décadas a presença de eosinófilos na mucosa esofágica foi
amplamente vista como um biomarcador para a DRGE.
A caracterização inicial da EEo como
atualmente é reconhecida, foi esclarecida por Atwood e Straumann, em uma série
de casos entre 1993 e 1994, porém, essa enfermidade permaneceu praticamente no
esquecimento durante esta década, com exceção de um número cada vez maior de
estudos de centros pediátricos de prestígio nos EUA.
Embora
o progresso inicial tenha sido lento, Kelly e cols., publicaram uma grande
série de casos na Gastroenterology
em 1995, introduzindo o conceito de que EEo
poderia ser uma forma de Alergia Alimentar. O estudo demonstrou uma resposta
dos sintomas e da histologia esofágica com a utilização de uma fórmula
elementar em 10 crianças que fracassaram em responder a um tratamento clínico
ou cirúrgico antirefluxo. O papel terapêutico da dieta de eliminação dos
alimentos alergênicos, foi substanciado no primeiro estudo prospectivo que
propôs a utilização da dieta de eliminação dos 6 alimentos, publicado por
Gonçalves e cols. na Gastroenterology,
em 2012. Trabalhos subsequentes têm confirmado a eficácia da dieta de
eliminação, cuja utilização tem sido recomendada como tratamento primário para
a EEo em adultos e crianças.
Um
dos mais influentes e altamente citados estudos no campo da EEo, trata-se de um consenso publicado na
Gastroenterology por Furuta e cols.,
em 2007. Este artigo reuniu um painel internacional de gastroenterologistas pediátricos
e de adultos, patologistas, cientistas básicos, alergistas e investigadores,
para estabelecer os critérios diagnósticos da EEo. Estudos adicionais altamente influentes incluíram a pesquisa
da história natural da EEo, os quais
foram publicados na Gastroenterology
por Straumann e cols., em 2003, e por Schoepfer e cols. em 2013, aonde identificaram
a natureza crônica desta enfermidade e o prognóstico de progressão para
fibroestenose grave do esôfago quando a enfermidade não é devidamente reconhecida
(Figura 7).
Figura
7– Visões endoscópicas demonstrando as mais diversas alterações morfológicas do
esôfago na EEo.
Desde
um ponto de vista terapêutico, diversos ensaios inovadores para o tratamento
medicamentoso da EEo, têm sido
publicados na Gastroenterology.
Dentre outros se incluem o primeiro ensaio prospectivo e o primeiro ensaio
randomicamente controlado com o uso de esteroides tópicos para o tratamento da EEo realizados por Teitelbaum e Konikoff,
respectivamente. Esses ensaios controlados utilizando suspensão de budesonida
tem demonstrado uma eficácia indiscutível no controle da EEo.