Natália Oliveira e Silva e Ulysses Fagundes Neto
Enterócitos
Os
enterócitos desempenham importante papel no processamento final dos nutrientes
e na sua absorção. Eles possuem junções celulares especializadas (complexo
juncional), que influenciam na permeabilidade da barreira intestinal. Além
disso, os enterócitos tem participação nos mecanismos imunológicos, posto que
sintetizam citocinas e quimiocinas, as quais atuam na transdução de sinais
inflamatórios e, também, podem agir como células apresentadoras de antígenos
(Figuras 5- 6).
Figura
5- Ultramicrofotografia em grande aumento de 2 enterócitos adjacentes
evidenciando a junção firme (seta) poro extremamente seletivo dando passagem
apenas a água e eletrólitos.
Figura
6- Ultramicrofotografia em grande aumento evidenciando 2 enterócitos adjacentes
submetidos a diferentes situações experimentais: 1a- mostra a ruptura da
barreira de permeabilidade caracterizada pela mancha enegrecida ao longo de
todo o espaço intercelular; 1b- evidencia a preservação da junção firme em
situação experimental fisiológica.
Células M
Estas
são células epiteliais membranosas, especializadas na captura de antígenos para
serem oferecidas aos tecidos linfóides da mucosa intestinal.
Células caliciformes
Estas
células são especializadas na secreção do muco que recobre a superfície das
vilosidades, e tem por função dificultar a penetração de agentes patogênicos.
Além disso, protegem as células epiteliais das enzimas digestivas e lubrificam sua
superfície (Figura 7).
Figura
7- Ultramicrofotografia em grande aumento mostrando uma célula caliciforme
repleta de muco em seu interior.
Células de Paneth
Estas
células estão presentes na base das criptas do intestino delgado, e, em maior
concentração no íleo terminal. Elas são responsáveis pela maior produção de
proteínas antimicrobianas do intestino delgado, tais como, as lisozimas,
a-defensinas, fosfolipase A2 e lecitina. Tem sido demonstrado que estas células
tem um mecanismo autônomo para detecção de bactérias com potencial invasivo,
além de fungos, protozoários e vírus.
Macrófagos
Eles
são responsáveis pela rápida eliminação de microrganismos que penetram na
barreira mucosa, posto que atuam na fagocitose e destruição destes patógenos
que penetram na lâmina própria.
Enzimas digestivas
Incluem
enzimas gástricas, pancreáticas e da borda em escova. Estas enzimas apresentam
papel de destaque na proteólise, que é um mecanismo eficaz para diminuir a
possibilidade de absorção de proteínas capazes de desencadear reações
alérgicas.
Imunidade
adaptativa
Este
sistema envolve os linfócitos, os quais proporcionam proteção duradoura após
exposição ao antígeno, e, se dividem 2 grupos, a saber:
-
Humoral: mediada por linfócitos B e
anticorpos produzidos por eles;
-
Celular: mediada por linfócitos T e
citocinas.
Imunidade humoral
A
resposta humoral do
intestino é caracterizada pela produção de IgA no epitélio e sua secreção no
lúmen intestinal. Trata-se da imunoglobulina mais abundante da mucosa (80-90%),
ela é sintetizada na lâmina própria em resposta à ativação dos linfócitos T das
placas de Peyer. Estruturalmente, existem 2 isoformas de IgA, a monomérica e a
polimérica. A IgA polimérica secretada é resistente à proteólise intraluminal e
tem importante papel no desenvolvimento da tolerância, no lúmen intestinal. A
IgA pode formar imunecomplexos com os antígenos alimentares ou com patógenos,
neutralizando-os e evitando sua penetração. Além disso, inibe a proliferação
viral dentro do enterócito e neutraliza as enterotoxinas.
A
IgA pode também atuar a nível intraepitelial e subepitelial, captando os
antígenos que atravessam a barreira intestinal. A criança apresentará o mesmo
número de células produtoras de IgA do adulto quando atingir 1-2 anos, período
que a microbiota se torna semelhante à do adulto.
Imunidade cellular
A imunidade
celular é mediada pelos linfócitos T e seus subprodutos. Os linfócitos T CD4+
são classificados em 2 subtipos, e são relacionados da seguinte forma com a
inflamação da mucosa intestinal, a saber:
-
Tipo Th1, caracteriza-se por inflamação
transmural e granulomatosa, como no caso da Doença de Crohn;
-
Tipo Th2 é caracterizada por inflamações
superficiais com exsudato celular inflamatório agudo e edema da mucosa, como
ocorre na colite ulcerativa.
Para
evitar responder aos antígenos da dieta e à microbiota, o sistema imune do
intestino exerce uma ação de supressão, que envolve tanto a tolerância oral,
quanto o equilíbrio entre a resposta Th1/Th2, que são importantes fatores para
evitar uma resposta imune inapropriada. Um dos mecanismos existentes para promover
o equilíbrio entre tolerância e imunidade envolve a presença das células T
reguladoras (Treg), que podem suprimir ativamente respostas
antígeno-específicas. As células Treg são importantes no controle da resposta
imune a antígenos do próprio indivíduo, evitando a autoimunidade e para manter
a tolerância.
Linfócitos
intraepiteliais
A
resposta celular envolve os linfócitos intraepiteliais (LIE) que atuam na
manutenção da integridade do epitélio intestinal. Estes localizam-se nos
espaços intraepiteliais do intestino, onde são expostos a uma variedade de
antígenos microbianos e alimentares. Um subtipo dos LIE, os linfócitos
gama-delta, parecem desempenhar importante papel na tolerância oral. Os LIE
gama-delta também contribuem com a imunidade adaptativa, restaurando a
homeostase da mucosa após um dano ao epitélio, pois promovem o reparo do epitélio
através da secreção de fatores de crescimento epitelial. Expressam fatores
próinflamatórios e antimicrobianos em resposta a sinais da microbiota, e, consequentemente,
atuam na limitação da penetração bacteriana na mucosa lesionada (Figura 8).
Figura 8- Esquema representativo do sistema imune intestinal.
Barreira
de Permeabilidade Intestinal e suas possíveis alterações
O intestino constitui a maior interface entre o ser
humano e o meio ambiente, e a existência de uma barreira intestinal intacta é,
portanto, essencial na manutenção da saúde e na prevenção de doenças. A
barreira intestinal possui vários componentes imunológicos e não imunológicos,
sendo que a barreira epitelial é um dos componentes não-imunológicos mais
importantes. A hiperpermeabilidade desta barreira pode contribuir para a patogênese
de várias doenças gastrointestinais incluindo a alergia alimentar, doença
inflamatória intestinal e doença celíaca.
Alergia alimentar
Algumas
situações podem alterar os mecanismos protetores da barreira de permeabilidade intestinal
e colocar em risco a tolerância oral e aumentar a suscetibilidade para o
desenvolvimento de alergias alimentares. Dentre estas possíveis situações
deve-se considerar o aumento da permeabilidade da barreira intestinal e a baixa
atividade enzimática, que são observadas em recém-nascidos, lactentes e desnutridos.
Outro fator deve-se à diminuição da secreção ácida gástrica por uso de
medicamentos, posto que estes podem alterar a microbiota e reduzir a proteólise.
Também deve-se considerar as inflamações intestinais que acarretam lesões
vilositárias com consequente aumento da permeabilidade intestinal.
Figura
9- Ultramicrofotografia em grande aumento de 2 espécimes de enterócitos que
sofreram diferentes tipo de tratamento experimental: 1- o da esquerda recebeu
tratamento fisiológico e pode-se observar 2 enterócitos adjacentes com o espaço
intercelular preservado (seta); 2- o da direita foi submetido a uma
experimentação para romper a barreira de permeabilidade e permite observar a
mancha enegrecida que corresponde a um produto de reação de uma proteína
intacta ao longo do espaço intercelular.
Doenças inflamatórias intestinais
No
passado, muitos modelos experimentais responsabilizavam diversos agentes
infecciosos como causa e fatores de exacerbação das doenças inflamatórias
intestinais (DII). Estes estudos limitavam-se a serem observacionais e não eram
investigados laboratorialmente. Por outro lado, atualmente, vem sendo
investigada a perda da tolerância imune aos comensais bacterianos entéricos.
Foi aventada a existência de uma hipótese que é fortemente justificada pela
observação da peculiar flora entérica dos pacientes portadores de DII, a qual caracteriza-se
por um aumento do número de bactérias agressivas, tais como Bacteroides, E.
coli invasora e Enterococcus, e, também, por uma diminuição das bactérias protetoras, tais
como, Lactobacillus e bifidobactérias.
Evidencias crescentes indicam que uma
desregulação do sistema imune, geneticamente determinada, contra a flora
bacteriana residente possa estar envolvida na patogênese das DII, porque biópsias
realizadas neste grupo de pacientes, observaram-se que células T CD4+
representam a vasta maioria de células mononucleares infiltrando o intestino.
Estes achados indicam que estas células CD4+ têm papel fundamental na
patogênese do dano tissular na DII, especialmente na doença celíaca. Trata-se
de um mecanismo que acarreta a ativação descontrolada de células T, mas que
ainda não está completamente elucidado. Acredita-se que moléculas
contra-reguladoras (TGF beta1, IL-10), envolvidas em manter a tolerância contra
a flora residente apresentam uma atividade defeituosa (Figura 10).
Figura 10- Sub-grupos de
células CD4+ no lumen do intestino delgado.
Doença
de Crohn: um modelo de suscetibilidade genética
A
suscetibilidade genética do hospedeiro, ganhou destaque após a descoberta da
associação da doença de Crohn com mutações do gene NOD2. Pacientes com defeitos
no NOD2 tem redução na expressão de alfa-defensinas antimicrobianas nas células
de Paneth, com consequente alteração no reconhecimento bacteriano e controle da
inflamação. Estas observações
sugerem que o produto do gene NOD2 confere suscetibilidade à doença de Crohn,
documentando assim um modelo molecular para o mecanismo patogénico da doença de
Crohn, que pode agora ser adicionalmente investigado.
Tradicionalmente, a doença de Crohn tem sido associada a
um perfil de citocinas Th1, enquanto que as citocinas Th2 são moduladores da
colite ulcerativa. Este conceito tem sido desafiado pela descrição de células T
reguladoras (Treg) e por células Th17 pró-inflamatórias, uma nova população de
células T, caracterizada pela produção de citocinas pró-inflamatórias e
quimiocinas. Vários estudos demonstraram um papel importante das células Th17
na inflamação intestinal, particularmente na doença de Crohn. Investigações de
associação do genoma indicam que existem genes envolvidos na diferenciação Th17
que estão associados com a susceptibilidade à doença de Crohn e em parte também
com colite ulcerativa. Tomadas em conjunto, as células Th1 e Th17 são mediadoras
importantes da inflamação na doença de Crohn. Estas investigações iniciais
poderão levar ao conhecimento mais preciso do mecanismo de produção das DII.
Conclusões
Atualmente está plenamente demonstrado o papel
fundamental do sistema imune intestinal na regulação do equilíbrio entre o
organismo do hospedeiro e a microbiota que habita seu trato digestivo, evitando
que ocorram situações patológicas em detrimento do bem estar de saúde do
hospedeiro. Trata-se de um sistema altamente sofisticado que necessita a
interação de inúmeros fatores para a preservação da sua total integridade.
Até o presente momento há pouco consenso sobre o possível
papel de proteção da barreira intestinal para a prevenção ou tratamento das
DII. No entanto, várias medidas de proteção têm sido utilizados para melhorar
a função da barreira intestinal, como o uso de antioxidantes, o fator de
crescimento e a nutrição enteral.
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