Natália
Oliveira e Silva e Ulysses Fagundes Neto
Introdução
O
tubo digestivo encontra-se constantemente exposto aos fatores do meio ambiente,
como por exemplo, microrganismos e antígenos da dieta. Por esta razão, ocorre
uma interação entre os microrganismos do interior do tubo digestivo e do
ambiente externo, a qual exerce uma importante influência na saúde do
hospedeiro. O sistema imune do intestino é capaz de reagir aos microrganismos agressores
e mantém-se tolerante aos microrganismos pertencentes à microbiota do intestino
e, também, aos antígenos presentes na dieta.
O
intestino humano abriga uma estimativa de 100 trilhões de microorganismos,
sendo que a grande maioria é composta por bactérias, envolvendo de 500 a 1.000
espécies diferentes, e, 99% do total correspondem de 30 a 40 espécies de
bactérias, a imensa maioria delas anaeróbia.
A
denominação microbiota intestinal refere-se justamente a essa comunidade
microbiana presente no intestino, que inclui os seguintes grupos bacterianos, a
saber: Bifidobacteria, Enterobacteria, Clostridia, Lactobacillus e
Enterococo. Este conjunto de
bactérias encontra-se frequentemente presente, mas não obrigatoriamente,
no intestino grosso de indivíduos adultos saudáveis. Essa microbiota pode
variar de acordo com muitos fatores, tais como local colonizado e idade do
hospedeiro, entre outros. Por exemplo, no primeiro ano de vida, a microbiota é
menos estável que a do adulto.
A
colonização bacteriana do intestino do neonato depende do tipo de parto, da
dieta (leite materno ou fórmula láctea), da flora bacteriana materna, além das
condições de higiene. O uso de antibióticos também determina alterações
importantes, tanto na quantidade quanto no tipo de colonização.
Distribuição da Microbiota Intestinal
Em
relação à microbiota do intestino delgado, o duodeno e o jejuno devem conter um
total inferior a 104-106 de colônias. Nesta região do
trato digestivo ocorre uma comunidade microbiana transitória, caracterizada por
bactérias Gram+, derivadas dos alimentos ingeridos, diferentemente da
microbiota do colon, que é persistente (Tabela 1).
Tabela
1- Distribuição da microbiota do trato digestivo.
Essa
população bacteriana proporciona uma série de contribuições chave para a saúde
do hospedeiro, tais como:
-Melhora
da digestão;
-Auxílio
no desenvolvimento do sistema imune;
-Limita
a colonização patogênica através de competição por espaço e nutrientes.
A
participação da microflora no sistema imune inclui:
-
Ativação: qualquer perturbação no estabelecimento da microflora refletirá no
equilíbrio da microbiota, e, consequentemente na ativação do sistema imune;
-
Modulação: as Bifidobacterias por
exemplo estimulam a resposta imune protetora;
-
Regulação: supressão da resposta imune por meio de tolerância oral, com redução
das respostas humoral e celular.
A
interação entre a microbiota intestinal e o hospedeiro envolve uma relação que
pode ser:
-Simbiótica:
neste caso ambos os organismos se beneficiam mutuamente. A relação de simbiose
é dependente da limitação da penetração das bactérias nos tecidos, portanto
representa um desafio para o hospedeiro, pois existe uma linha tênue entre
mutualismo e patogenicidade. Vale ressaltar que a composição da flora
intestinal é dinâmica e pode variar com localização geográfica, estado
nutricional e status imunológico;
-Patológica:
isto ocorre quando um organismo se beneficia às custas do prejuízo do
hospedeiro;
-Comensal:
nesta situação um dos organismos é beneficiado, porém, sem prejudicar o outro.
GALT (gut-associated lymphoid tissue) (tecido
linfoide associado ao intestino)
Existe
uma interação dinâmica entre a microflora intestinal, o epitélio intestinal e o
sistema imune da mucosa intestinal, que deve sempre resultar em um equilíbrio
para o hospedeiro. O sistema imune da mucosa constitui uma barreira imunológica
intestinal que é formada pelas imunoglobulinas e pelo GALT.
A
composição do GALT inclui os seguintes componentes, a saber:
-Tecido
linfoide difuso: apêndice cecal e folículos linfoides solitários;
-Tecido
linfoide organizado: placas de Peyer e células M.
Classificação do sistema imune
intestinal
O sistema
imune intestinal pode ser dividido em duas categorias: inato e adaptativo.
O
sistema imune intestinal exerce papel importante para o equilíbrio entre a
microbiota intestinal e o hospedeiro. É responsável pela defesa contra os
microrganismos patogênicos: reações iniciais (imunidade inata) e pelas
respostas tardias (imunidade adquirida).
Imunidade
inata
É
constituída por barreiras químicas e físicas, tais como:
- Epitélio,
acidez gástrica, camada de muco, microbiota intestinal;
- Células
fagocitárias: granulócitos, macrófagos, células NK;
- Sistema
complemento e citocinas.
Epitélio intestinal
Este
tipo de imunidade representa a interface entre o hospedeiro e a microbiota
comensal, atua como barreira física, separando agentes altamente imunogênicos
do lúmen intestinal de outros imunoreativos da submucosa. Expressa múltiplos
receptores para detectar a presença de bactérias patogênicas e comensais. Além
disso, produz moléculas antimicrobianas como alfa e beta defensinas, lecitinas,
dentre outras.
Fatores
que contribuem para manter baixa a carga de bactérias:
-
Peristaltismo: previne a estase de nutrientes
e bactérias
-
Muco:
mecanismo de barreira
-
Secreção de substâncias antibacterianas pelo
epitélio
O
epitélio intestinal é composto por 4 linhagens de células (Figuras 1-2-3 – 4):
-
Enterócitos:
responsáveis pela absorção
-
Células caliciformes: regulam a produção de
muco
-
Células
enteroendócrinas
-
Células de Paneth: produção de peptídeos
antimicrobianos
Figura
1- Microfotografia em microscopia óptica comum em aumento médio da unidade
morfológica da mucosa do intestino delgado vilosidade/cripta. As vilosidades
são digitiformes e as criptas estão abaixo das vilosidades, e a relação
vilosidade/cripta normal deve ser 4/1.
Figura
3- Ultramicrofotografia em grande aumento de um enterócito e a região das
microvilosidades, a porção mais externa do enterócito que se encontra em direto contato com o
lúmen intestinal.
Figura
4- Ultramicrofotografia em grande aumento da região das microvilosidades do
enterócito, destacando os tufos que emergem dos mesmos que servem de apoio para
a camada de muco que irá conferir proteção ao enterócito contra as agressões do
meio ambiente.