Marina Haro Chicareli Carrari e Ulysses
Fagundes Neto
Introdução
O esvaziamento
gástrico é dependente de uma atividade motora coordenada que tem por objetivo
levar o alimento da porção proximal para a distal do estômago.
O
retardo do esvaziamento gástrico, também conhecido como gastroparesia, trata-se
de um transtorno da motilidade gástrica em que a habilidade do estômago para se
contrair e ser esvaziado encontra-se prejudicada. Cerca de 30 a 50% dos
pacientes com sintomas gastrintestinais crônicos inexplicáveis ou portadores de
Diabetes mellitus sofrem de retardo
do esvaziamento gástrico. Além disso, estima-se que cerca de 4% da população
apresentará, em algum momento da vida, sintomas sugestivos de gastroparesia.
A gastroparesia
é decorrente de uma associação heterogênea, não totalmente elucidada, de disfunções
motoras e sensoriais, e os sintomas apresentados podem não estar relacionados
com distúrbios da motilidade gástrica. Não é incomum que o paciente com
gastroparesia tenha evidências de dismotilidade nos outros segmentos do trato
digestivo.
Fisiologia da Motilidade e do Esvaziamento Gástrico
Desde
o ponto de vista anatômico o estômago compreende as seguintes regiões, a saber:
Cardia, Fundo, Corpo, Antro e Piloro (Figura 1).
Figura
1- Anatomia do estômago evidenciando seus respectivos pontos de referência.
O
estômago tem como função primordial triturar, misturar e controlar a passagem
do alimento para o intestino delgado, e, para comandar todos estes atributos existe
o marcapasso gástrico que se situa no primeiro terço do corpo ao longo da
grande curvatura, aonde estão presentes as células intersticiais de Cajal, as
quais geram ondas lentas de 3 ciclos/minuto, e também o potencial de membrana. Essas
ondas propagam-se pelo antro e regulam a frequência e o exato momento das
contrações do músculo liso. Quando uma onda adicional de despolarização se
sobrepõe às ondas lentas um limiar crítico é alcançado e a contração ocorre.
O
estômago em condições normais apresenta 2 períodos de motilidade, a saber: o
pós-prandial e o interdigestivo.
A
motilidade pós-prandial é composta por 2 fases que são mediadas pelo nervo vago
com o intuito de relaxar o estômago proximal durante a alimentação, permitindo a
ingestão de grande quantidade de comida.
Após
a ingestão do bolo alimentar ocorre o relaxamento do esfíncter esofágico
inferior e do estômago proximal, que se trata de um relaxamento receptivo
mediado por um reflexo vagal. Ao chegar ao estômago, o bolo alimentar ativa os
mecanorreceptores na parede gástrica que mantém o relaxamento por reflexo vagal
denominado relaxamento adaptativo. Esse relaxamento atrasa o esvaziamento o que
possibilita manter o alimento por um tempo suficiente em contato com as enzimas
gástricas. O estômago proximal regula a pressão intra-gástrica e as contrações
tônicas do fundo, produzindo o gradiente de pressão entre o estômago e o
duodeno. As contrações fúndicas transferem os resíduos sólidos presentes no
interior do estômago proximal para o antro, caracterizando o que se denomina de
moagem.
O
mecanismo que coordena a passagem do bolo alimentar do estômago proximal para o
distal é desconhecido, entretanto, os reflexos fundo-antro sugerem a existência
de uma conexão neuronal entre as 2 regiões. Ondas circulares propagam as
contrações originadas no corpo a fim de mover o bolo sólido através do piloro.
Por sua vez, ondas peristálticas intermitentes, isoladas e fortes, presentes na
região do antro, se chocam contra o piloro que se encontra fechado, permitindo
que os alimentos sólidos sejam agitados e moídos.
O
piloro mantém-se fechado e, portanto, não permite a passagem do bolo alimentar
até que o processo de trituração no antro tenha terminado. Finalmente, quando o
bolo alimentar se encontra devidamente triturado em partículas suficientemente pequenas
e adequadas para favorecer a digestão e a absorção intestinal, o esfíncter do
piloro relaxa e permite a passagem do quimo para o duodeno. O peristaltismo do
antro impulsiona o seu conteúdo para o duodeno e o esvaziamento gástrico é completamente
alcançado. Essa motilidade antral e duodenal são coordenadas por meio de neurotransmissores
e hormônios que atuam sinergicamente. Durante o processo da alimentação o bulbo
duodenal também se contrai para auxiliar o esvaziamento gástrico (Figura 2).
Figura 2- Representação esquemática dos movimentos
intra-gástricos durante o processo da digestão dos alimentos.
A presença
de nutrientes no duodeno ativa os receptores neuro-humorais enterogástricos
ativando o sistema de retroalimentação que regula a motilidade proximal e
distal, o que acarreta a diminuição das ondas de propagação e da atividade
antral, aumentando o tônus do piloro e por fim diminuindo a drenagem
transpilórica.
Fatores
que Afetam a Velocidade do Esvaziamento Gástrico
Existem
inúmeros fatores dos alimentos, intrínsecos e extrínsecos, que podem atuar
sobre a velocidade do esvaziamento gástrico, tais como: volume, consistência, densidade
calórica, osmolaridade, temperatura, propriedades químicas, estado metabólico, variações
no dia e da temperatura do meio ambiente, entre outros menos importantes.
A
Tabela 1 apresenta os principais fatores que afetam o esvaziamento gástrico,
discriminando os que aceleram e os que retardam.
Tabela 1 -- Factors Affecting Gastric
Emptying
|
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Intraluminal Content
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Slows Accelerates
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Lipids
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Slows
|
High osmolar load
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Slows
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High caloric density
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Slows
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Solids
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Slows
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Hot meals
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Accelerates
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High gastric pH
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Slows
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Other Factors
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GLP-1
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Slows
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Leptin
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Slows
|
Cholecystokinin
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Slows
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Hyperglycemia
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Slows
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Hypoglycemia
|
Accelerates
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PYY
|
Slows
|
Ghrelin
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Accelerates
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Motilin
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Accelerates
|
Melatonin
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Slows
|
Stress
|
Slows
|
Intense exercise
|
Slows
|
Rectal/colonic distention
|
Slows
|
Fatores
que influenciam a Motilidade Pós-Prandial
Existem
alguns fatores conhecidos que são capazes de afetar a motilidade pós-prandial,
a saber:
1-
Temperatura: quando está elevada acelera, e,
por outro lado, quando o alimento está frio ou morno há uma inibição das ondas
de pressão antral com estimulo das ondas de pressão no duodeno.
2-
Composição: a composição química dos
alimentos afeta a motilidade pós-prandial, e a regulação do esvaziamento gástrico
é controlada pelo intestino delgado, tais como a motilidade, o apetite, a
produção de energia e a homeostase da glicemia.
3-
Lipídeos: quando estão presentes no intestino
delgado retardam o esvaziamento devido a uma diminuição do tônus do antro e
aumento do tônus do piloro. Os lipídeos estimulam a produção da
colecistoquinina e do peptídeo YY. Estes, por sua vez, inibem a fome, aumentam
a oferta de energia e retardam o esvaziamento. Os lipídeos são os mais potentes
estimuladores dos quimiorreceptores do freio ileal, o qual inibe a
retroalimentação para o esvaziamento gástrico e o trânsito no intestino delgado.
A Grelina é secretada pelo estômago, aumenta o tônus do estômago proximal, acelera o esvaziamento gástrico, aumenta a atividade do complexo motor migratório do estômago e do intestino delgado, e controla a produção dos peptídeos pancreáticos: somatostatina e glucagon.
A Motilina é um potente estimulante da motilidade gastrintestinal, com efeitos similares aos da grelina, importante para a saciedade. Enquanto o estômago e o intestino delgado estão repletos, a motilina é liberada com intervalos a cada 100 minutos no período inter-digestivo. Utiliza a via colinérgica e estimula o pâncreas (endócrino e exócrino) e o esvaziamento da vesícula.
A Leptina é a reguladora do apetite, do peso e da energia. Retarda o esvaziamento gástrico levando à saciedade.
5- Estresse: situações de estresse
acarretam hipomotilidade antral, diminuem a propagação das ondas peristálticas,
aumentam as contrações retrógradas e retardam o esvaziamento gástrico. O
estresse também estimula o fator liberador de corticotrofina e de outras moléculas
endócrinas.
A
duração do período pós-prandial pode ser calculada por estudos manométricos, e,
quando ela se revela normal indica que há uma integridade do nervo vago e dos
reflexos enteroentéricos.
Fatores que afetam a Motilidade
Inter-digestiva ou Jejum
O
principal componente da motilidade inter-digestiva é o Complexo Motor
Migratório (CMM). Este complexo trata-se de um “programa” que envolve o
estômago, intestino, pâncreas e vesícula biliar; ele é composto por componentes
mecânicos, físicos, químicos, biológicos e imunológicos, a saber:
A- Componentes
secretórios: bile, suco pancreático, ácido clorídrico, bicarbonato;
B- Componente
mecânico: envia secreções e alimentos não digeridos para o intestino delgado
para evitar o sobrecrescimento bacteriano.
Fases da Motilidade inter-digestiva
São
4 as fases da motilidade inter-digestiva, as quais apresentam duração de 90 a
180 minutos; elas são comandadas por neurônios colinérgicos pertencentes ao
sistema nervoso entérico, a saber:
1 – Quiescência (10%),
2 –
Pouca atividade: ondas irregulares e intermitentes,
3 – Contrações (3-4/minuto
no antro, 10-13/min no duodeno, 7-8 min/íleo): as ondas se propagam por longas
distâncias, são mais lentas que na fase 2, duram aproximadamente 7 minutos, na
velocidade 25 cm/min,
4 – Contrações irregulares.
Vale
ressaltar que quanto maior for o tempo do jejum, menor será a duração do CMM.
Na
Figura 3 estão representadas graficamente as fases da motilidade
inter-digestiva.
Figura
3– Representação gráfica das fases de motilidade inter-digestiva.
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