Ulysses Fagundes Neto
Diretor Médico do IGASTROPED
(www.igastroped.com.br)
Fermentação Láctica
A fermentação láctica é o processo metabólico no
qual carboidratos e compostos relacionados são parcialmente oxidados, resultando
em liberação de energia e compostos orgânicos, principalmente ácido láctico,
sem qualquer aceptor de elétrons externo. É realizada por um grupo de
microrganismos denominados bactérias ácido-lácticas, as quais têm importante
papel na produção/conservação de produtos alimentares, ou pelas fibras
musculares em situações de intensa atividade física, nas quais não há
suprimento de oxigênio suficiente para que ocorra a respiração celular, levando
a acúmulo de ácido láctico na região, o que provoca dores, cansaço e câimbras
(Figura 18).
Figura 18- Representação esquemática da causa de câimbra.
A fermentação láctica pode ser classificada em
dois tipos, de acordo com a quantidade de produtos orgânicos formados, a saber: homolática e
heteroláctica.
Microrganismos
fermentadores
O grupo das bactérias ácido-lácticas é
composto por 12 gêneros de bactérias Gram-positivas: Carnobacterium, Enterococcus, Lactococcus, Lactobacillus, Lactosphaera,
Leuconostoc, Oenococcus, Pediococcus, Streptococcus,
Tetragenococcus, Vagococcus e Weissella. Todos os
membros desse grupo apresentam a mesma característica de produzir ácido láctico
a partir de hexoses. Streptococcus thermophilus é
o microrganismo mais importante nos alimentos. Algas e fungos (leveduras e
ficomicetos) são também capazes de sintetizar ácido láctico. Produção
comparável à das bactérias homofermentativas é obtida pelo fungo Rhizopus oryzae em meio de glicose. Sua utilização
é preferível à das bactérias homofermentativas, porque o tempo gasto na
fermentação é menor e a separação do produto, mais simples.
Fases
da fermentação láctica
A fermentação láctica, tal como a alcoólica,
realiza-se em duas fases:
1º Fase: Glicólise
A equação global final quando a glicólise é o
substrato:
Glicose + 2NAD+ + 2ADP + 2Pi = 2 Piruvato + 2 NADH + 2H+ + 2ATP + 2 H2O
2º Fase: Fermentação láctica
Após a glicólise, a redução do piruvato é catalisada pela enzima lactato-desidrogenase.
O equilíbrio global dessa reação favorece fortemente a formação de lactato.
Microrganismos fermentadores regeneram continuamente o NAD+ pela transferência
dos elétrons do NADH para
formar um produto final reduzido, como o são o lactato e o etanol.
Reação
de síntese do ácido láctico na fermentação
O rendimento em ATP da
glicólise sob condições anaeróbicas resulta em apenas 2 ATP por molécula de
glicose, muito inferior do que o obtido na oxidação completa da glicose sob
condições aeróbicas, que resulta em 36 ou 38 ATP por molécula de glicose.
Portanto, para produzir a mesma quantidade de ATP, é necessário consumir próximo
de 18 vezes mais glicose em condições anaeróbicas do que nas condições
aeróbicas (Figura 19).
Tipos
de fermentação Láctica
A classificação da fermentação láctica é feita
com base nos produtos finais do metabolismo da glicose:
1- Fermentação homoláctica:
processo no qual o ácido láctico é o único produto da fermentação da glicose.
As bactérias homolácticas podem extrair duas vezes mais energia de uma
quantidade definida de glicose do que as heterolácticas. O comportamento
homofermentativo é observado quando a glicose é metabolizada, mas não
necessariamente quando as pentoses o são, já que algumas bactérias homolácticas
produzem ácidos acético e láctico quando utilizam pentoses. O caráter
homofermentativo de algumas linhagens pode ser mudado pela alteração das
condições de crescimento, tais como a concentração de glicose, o pH e a limitação
de nutrientes. Todos os membros dos gêneros Pediococcus,
Streptococcus, Lactococcus e Vagococcus
são homofermentadores, assim como alguns Lactobacillus,
são muito importantes para a formação da acidez nos laticínios.
2- Fermentação heteroláctica:
processo no qual ocorre produção da mesma quantidade de lactato, CO2
e etanol a partir de hexoses. As bactérias heterolácticas são mais importantes
do que as homolácticas na produção de componentes de aroma e sabor, tais como o
acetilaldeído e o diacetil. Os heterofermentadores são Leuconostoc, Oenococcus, Weissela, Carnobacterium, Lactosphaera
e alguns Lactobacillus. O processo de
formação de diacetil a partir do citrato na indústria de alimentos é
fundamental para a formação do odor, como por exemplo, na fabricação de
manteiga.
Aplicação
industrial da fermentação láctica
Alguns alimentos podem se deteriorar pelo crescimento e pela ação das
bactérias ácido-lácticas. No entanto, a importância deste grupo de
microrganismos consiste em sua grande utilização na indústria alimentar. Muitos
alimentos devem sua produção e suas características às atividades fermentativas
dos microrganismos em questão. Queijos maturados, conservas, chucrute e linguiças
fermentadas são alimentos que possuem uma vida de prateleira consideravelmente
maior que a matéria-prima da qual eles foram feitos. Além de serem mais
estáveis, todos os alimentos fermentados possuem aroma e sabor característicos
que resultam direta ou indiretamente dos organismos fermentadores. Em alguns
casos, o conteúdo de vitaminas dos alimentos cresce juntamente com o aumento da
digestibilidade da sua matéria-prima. Nenhum outro grupo ou categoria de
alimentos é tão importante ou tem sido tão relacionado ao bem-estar nutricional
em todo o mundo quanto os produtos fermentados (Figura 20).
Figura 20- Exemplo de produto da indústria
alimentícia resultante da fermentação láctica.
Fermentação acética
Consiste na oxidação parcial, aeróbica, do álcool etílico, com produção
de ácido acético. Esse processo é utilizado na produção do vinagre comum e do
ácido acético industrial. Desenvolve-se também na deterioração de bebidas de
baixo teor alcoólico e na de certos alimentos. A fermentação acética é
realizada por um conjunto de bactérias do gênero Acetobacter ou Gluconobacter,
pertencentes à família Pseudomonaceae
que produz ácido acético e CO2 (Figura 21).
Desde a antiguidade a humanidade sabe fabricar vinagre,
e, para obter tal efeito, basta deixar o vinho azedar. Nessa reação, o
etanol reage com o O2 transformando-se em ácido acético.
O vinagre é azedo, pois trata-se de uma solução aquosa de ácido. Assim,
para evitar que um vinho se estrague, devemos impedir a entrada de O2 na
garrafa, o que é feito deixando-a na posição horizontal. Se determinarmos os
números de oxidação dos átomos presentes nas substâncias envolvidas na reação
de fermentação acética, veremos que um dos carbonos e o oxigênio sofreram
alterações.
Podemos dizer que o O2 atuou como agente oxidante, pois
causou a oxidação do álcool. Muitos outros agentes oxidantes seriam capazes de
executar essa oxidação, como, por exemplo, o permanganato de potássio em meio
ácido ou o dicromato de potássio em meio ácido.
A fermentação acética corresponde à transformação do álcool em ácido
acético por determinadas bactérias, conferindo o gosto característico do
vinagre. As bactérias acéticas constituem um dos grupos de microrganismos de
maior interesse econômico, de um lado pela sua função na produção do vinagre e,
de outro, pelas alterações que provocam nos alimentos e bebidas.
A bactéria acética ideal é aquela que resiste à elevada concentração de
álcool e de ácido acético, com pouca exigência nutritiva, elevada velocidade de
transformação do álcool em ácido acético, bom rendimento de transformação, sem
hiperoxidar o ácido acético formado, além de conferir boas características
gustativas ao vinagre. Essas bactérias acéticas necessitam do O2 do
ar para realizar a acetificação. Por isso multiplicam-se mais na parte superior
do vinho que está sendo transformado em vinagre, formando um véu conhecido como
“mãe do vinagre”. Esse véu pode ser mais ou menos espesso de acordo com o tipo
de bactéria.
O ácido acético produzido por bactérias desse gênero é o composto
principal do vinagre, condimento obtido a partir da fermentação alcoólica do
mosto açucarado e subsequente “fermentação acética”.
Microorganismos
As bactérias acéticas utilizadas neste processo são aeróbias e alguns
gêneros possuem como importante característica a ausência de algumas enzimas do
ciclo dos ácidos tricarboxílicos, tornando incompleta a oxidação de alguns
compostos orgânicos (baixa oxidação).
Por isso, são úteis não apenas para a bioconversão, produzindo ácido
acético, mas, também, para outras, como ácido propiônico a partir do propanol,
sorbose a partir de sorbitol, ácido glucônico a partir da glicose, além de
outros.
As bactérias do ácido acético, assim originalmente definidas,
compreendem um grupo de microrganismos aeróbios, Gram negativos, bastonetes,
que apresentam motilidade, realizam uma oxidação incompleta de álcoois,
resultando no acúmulo de ácidos orgânicos como produto final.
Outra propriedade é a relativa alta tolerância às condições ácidas, pois
a maioria das linhagens são capazes de crescer em valores de pH baixo.<5 .="" nbsp="" o:p="">5>
Atualmente, o gênero Acetobacter,
compreende as bactérias acéticas que apresentam flagelos peritrícos, com
capacidade para oxidar o ácido acético.
Um outro gênero presente no grupo das bactérias do ácido acético,
denominado primeiramente Acetomonas e
mais recentemente Gluconobacter,
apresentam flagelos polares, e são incapazes de oxidar o ácido acético, devido à
ausência do ciclo completo dos ácidos tricarboxílicos.
Outra característica interessante de algumas espécies do grupo das
bactérias acéticas, aeróbias estritas, é a capacidade para sintetizar celulose.
A celulose formada não difere significantemente da celulose dos vegetais.
O A. xylinum forma sobre a
superfície de um meio líquido, uma capa de celulose, o que pode ser uma forma
do organismo assegurar a sua permanência na superfície do líquido, onde o O2
está mais disponível.
Características
gerais do gênero Acetobacter
As bactérias do gênero Acetobacter
são bastonetes elipsoidais, retos ou ligeiramente curvos. Quando jovens são
Gram negativos e as células idosas são Gram variáveis. Apresentam a capacidade de
oxidar a molécula do etanol e do ácido acético a CO2 e H2O
(superoxidação). São comumente encontradas em frutas e vegetais e estão
envolvidos na acidificação bacteriana de sucos de frutas e bebidas alcoólicas,
cerveja, vinho, produção de vinagre e fermentação de sementes de
cacau.
Os Acetobacter são capazes de
fermentar vários açúcares, formando ácido acético, ou ainda, utilizam este
ácido como fonte de carbono, produzindo CO2 e H2O.
As espécies capazes de oxidar o ácido acético,
estão subdivididos em dois grupos, a saber: a) organismos capazes de
utilizar sais de amônio como única fonte de nitrogênio, e b) um outro grupo sem
esta capacidade.
A espécie representativa do gênero Acetobacter é o Acetobacter aceti, que é
capaz de utilizar sais de amônio como única fonte de nitrogênio, juntamente com
outras espécies, tais como, Acetobacter mobile, Acetobacter suboxidans, etc.
Características
gerais do gênero Gluconobacter
As bactérias acéticas deste gênero são bastonetes elipsoidais Gram negativas
ou Gram positivas fracas quando as células estão envelhecidas. As células desse
gênero apresentam-se em pares ou em cadeias. São aeróbios estritos e oxidam a
molécula do etanol a ácido acético.
O nome Gluconobacter vem da
característica do gênero de oxidar a glicose em ácido glucorônico. A espécie
representante deste gênero é o Gluconobacter
oxydans, encontrado em alimentos,
vegetais, frutas, fermento de padaria, cerveja, vinho, cidra e
vinagre.
Fatores de crescimento: As espécies do gênero Acetobacter tem algumas exigências
nutricionais, tais como algumas vitaminas do complexo B, a saber, tiamina,
ácido pantotênico e ácido nicotínico. Além disso, algumas espécies demonstram a
necessidade do ácido p-aminobenzóico. As necessidades vitamínicas podem ser
supridas com o uso de água de maceração do milho, extrato de leveduras, lisado
de leveduras, malte ou extrato de malte.
Algumas espécies necessitam que sejam
colocados no meio de cultura aminoácidos como fontes de nitrogênio. Por outro
lado, Acetobacter oxydans, Acetobacter rancens e Acetobacter melanogenus não necessitam
de valina, cistina, histidina, alanina e isoleucina.
Mecanismo
de fermentação
Bioquimicamente, os Acetobacter
realizam processos catabólicos e anabólicos por aerobiose e anaerobiose. É de
interesse industrial o catabolismo oxidante aeróbio de álcoois e açúcares,
realizado por microrganismos, usados na produção de ácido acético ou de
vinagre.
O mecanismo de produção do ácido acético
ocorre em duas etapas:
1º) É formado o acetaldeído por oxidação;
2º) O acetaldeído é convertido a ácido acético: (75% do acetaldeído é
convertido a ácido acético e os 25% restantes a etanol)
Produção
do Vinagre:
Para a produção do vinagre, são utilizados membros do gênero Acetobacter. A bactéria Acetobacter aceti utiliza o etanol,
produzindo ácido acético, por isso é de grande interesse tecnológico. Outras
espécies como o Acetobacter suboxydans,
Acetobacter melanogenus, Acetobacter xylinum e Acetobacter rancens comportam-se de modo
semelhante, desde que sejam adicionados ao meio, inicialmente em pequenas
quantidades de glicose, frutose, glicerol ou manitol.
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