Ulysses Fagundes Neto
Diretor Médico do IGASTROPED
(www.igastroped.com.br)
Fermentação Alcoólica
O termo fermentação vem do latim “fervere”, que significa ferver.
Foi Pasteur, há pouco mais de um século, quem demonstrou que a
fermentação alcoólica é realizada por micro-organismos na ausência de oxigênio.
Atualmente, por fermentação alcoólica entende-se um conjunto de reações
bioquímicas provocadas por micro-organismos chamados leveduras, que atacam
fundamentalmente os carboidratos da uva (glicose e frutose), transformando-os
principalmente em álcool etílico e gás carbônico. Na superfície da casca da
uva, existe uma grande quantidade destes fungos. O bagaço da uva não é liso,
sua epiderme é recoberta por uma matéria cerosa chamada previna, que retém os
micro-organismos. Na previna, junto às leveduras úteis, encontram-se diversos
outros micro-organismos, sendo alguns deles desfavoráveis do ponto de vista
técnico, como é o caso da bactéria acética (Figura 10).
Figura 10- Fase inicial do processo de vinificação.
O processo de fermentação alcoólica caracteriza-se como uma via
catabólica, na qual há degradação das moléculas do carboidrato (glicose ou
frutose), no interior da célula dos micro-organismos (levedura ou bactéria) até
a formação de etanol e CO2, acarretando liberação de energia química
e térmica.
O piruvato (proveniente da glicólise) sofre descarboxilação em uma
reação irreversível catalisada pela enzima piruvato descarboxilase. É uma
reação de descarboxilação simples e não envolve a oxidação do piruvato. A
piruvato descarboxilase requer Mg2+ e possui uma coenzima firmemente
ligada, a tiamina pirofosfato (TPP), que é um cofator essencial para a
piruvato-descarboxilase. Esse cofator irá proporcionar estabilidade à reação de
troca de carga negativa.
Por meio da ação da álcool-desidrogenase, o
acetaldeído é reduzido a etanol, com o NADH, derivado da atividade da
gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase, fornecendo o poder redutor. Portanto, os
produtos finais da fermentação alcoólica são:
Glicose + 2ADP + 2 Pi = 2 etanol + 2 CO2 +
2 ATP + 2 H2O
É importante ressaltar que, como a quantidade de NADH é limitada e ele é
necessário estar presente na sua forma oxidada (NAD+) na glicólise e,
consequentemente, na continuação do processo de produção de energia, o NADH tem
que ser oxidado. Essa é a importância da realização da fermentação.
O CO2 produzido na descarboxilação do piruvato pelas
leveduras é o responsável pela carbonatação caraterística do champanhe e da
cerveja, assim como pelo crescimento da massa do pão e do bolo (Figura 11).
Figura 11– Fermentação alcoólica na produção do pão.
O processo de fabricação da cerveja, cujos subprodutos álcool etílico e
CO2 (gás carbônico) são obtidos a partir do consumo de açúcares
presentes no malte, é realizado através da cevada germinada. Este é o mesmo
processo usado no preparo da massa do pão e do bolo, onde as leveduras ou
fungos consomem o carboidrato obtido do amido da massa do trigo, liberando CO2
(gás carbônico), o que aumenta o volume da massa.
A enzima álcool-desidrogenase está presente em muitos organismos que
metabolizam o álcool, incluindo o ser humano. No fígado humano esta enzima
catalisa a oxidação do etanol, quer ele seja ingerido quer ele seja produzido
por micro-organismos intestinais, com a concomitante redução do NAD+ para NADH.
As leveduras que se destacam como produtoras do etanol são as espécies
do gênero Saccharomyces, Schizosaccharamyes, Pichia e outras (Figura 12).
Figura 12 - Saccharomyces cerevisiae
Os critérios tecnológicos que fazem com que uma levedura seja utilizada
comercialmente na fermentação alcoólica são o alto rendimento e a elevada
produtividade, ou seja, rápida conversão de açúcar em álcool, com baixa
produção de componentes secundários. A espécie mais importante de levedura
alcóolica é a Saccharomyces cerevisiae,
que possui um largo espectro de utilização, sendo empregada na produção de
pães, bebidas alcoólicas, etanol, etc. Sua biomassa pode ser recuperada como
subproduto da fermentação e transformada em levedura seca, que se constitui em
matéria-prima para a fabricação de ração animal ou suplemento vitamínico para o
ser humano.
A bactéria Zymomonas mobilis,
que inicialmente foi isolada em mostos fermentadores de cidra, sucos
fermentados de palmeiras, em cervejarias e engenhos de aguardente, apresentou
habilidades promissoras de transformar açúcares em etanol e gás carbônico, em
condições comparáveis a aquelas exibidas pelas leveduras. Zymomonas mobilis apresenta alto rendimento, tolerância a altas
concentrações de glicose, habilidade de crescer em total anaerobiose,
características que potencializam seu emprego em escala industrial.
Mecanismo
da fermentação alcoólica
Atualmente a indústria enológica vai se direcionando cada vez mais para a
utilização de fermento selecionado (leveduras selecionadas), no processo de
vinificação (Figura 13).
Figura 13
A fermentação alcóolica ocorre devido ao fato
de que as células do levedo produzem a energia que lhes é necessária para
sobreviver, através de dois fenômenos de degradação da matéria orgânica: 1- a respiração que
necessita do O2 do meio ambiente, ou 2- a fermentação que ocorre na
ausência de O2.
Como anteriormente assinalado, em virtude de a fermentação alcóolica
corresponder a uma baixa produção de energia, a levedura necessita transformar
muito açúcar em álcool, para poder assegurar suas necessidades energéticas.
Nessas condições a capacidade de multiplicação da levedura é baixa. Por outro
lado, o rendimento da transformação do açúcar em álcool é grande em relação ao
peso da levedura. A composição exata do açúcar foi determinada por Gay-Lussac. É ainda de sua autoria a equação que
descreve a fermentação alcóolica:
C6H12O6 (glicose) = 2 C2H5OH (álcool etílico) +
2 CO2
Ou seja, para cada 180g de glicose, resultam 92g de álcool etílico e 88g
de CO2. Esta reação, apesar de representar a parte fundamental do
processo não é, porém, completa, pois outras substâncias se formam além do
álcool etílico e CO2.
A proporção de álcool contida no vinho é medida em graus alcoólicos,
segundo o princípio de Gay-Lussac. Assim, por exemplo, quando se diz que um
vinho tem 11ºGL significa que contém 11% do seu volume em álcool, ou seja, que
em 100 ml do vinho considerado, 11 ml são álcool puro (anidro) (Figura 14).
Figura 14- Representação esquemática das fases da produção do vinho.
Produção
de etanol
Depois da água, o álcool é o solvente mais comum, além de representar a
matéria-prima de maior uso no laboratório e na indústria química. Na
biossíntese do etanol são empregadas linhagens selecionadas de Saccharomyces cerevisae, que realizam a fermentação alcoólica,
a partir de um carboidrato fermentável. É muito importante que a cultura da
levedura possua um crescimento vigoroso e uma elevada tolerância ao etanol, pois
desta forma a fermentação irá apresentar um grande rendimento final.
O etanol, em altas concentrações, é inibidor e a tolerância das
leveduras é um ponto crítico para uma produção elevada deste metabólito
primário. A tolerância ao etanol varia consideravelmente de acordo com as
linhagens de leveduras. De modo geral, o crescimento cessa quando a produção
atinge 5% de etanol (v/v), e a taxa de produção é reduzida a zero, na
concentração de 6 a 10% de etanol (v/v).
O etanol pode ser produzido a partir de
qualquer carboidrato fermentável pela levedura, a saber: sacarose, sucos de
frutas, milho, melaço, beterrabas, batatas, malte, cevada, aveia, centeio,
arroz, sorgo, entre outros (necessário hidrolisar os carboidratos complexos em
açúcares simples fermentáveis, pelo uso de enzimas da cevada ou fúngicas, ou
ainda pelo tratamento térmico do material acidificado).
Material celulósico, como madeira e resíduos da fabricação da pasta de
papel podem ser utilizados. Por causa da grande quantidade de resíduos de
material celulósico disponível, a fermentação direta desses materiais quando
hidrolisados por enzimas celulolíticas pode ser de grande importância
econômica.
Culturas mistas de Clostridium thermocellum e Clostridium thermosaccharolyticum podem ser usadas.
Hemiceluloses e celuloses são hidrolisadas em monossacarídeos (hexoses e
pentoses) por essas bactérias e os monossacarídeos são fermentados diretamente
a etanol.
O etanol é também usado como combustível, e, no Brasil, a maior parte da
produção de etanol é destinada para a indústria de combustíveis. Essa
preferência é pelo fato de o etanol não produzir dióxido de enxofre quando é
queimado, ao contrário da gasolina que polui a atmosfera.
A produção de etanol feita a partir da
cana-de-açúcar obedece aos seguintes procedimentos:
1. Moagem
da cana: A cana passa por um processador, nessa
etapa obtém-se o caldo de cana, também conhecido como garapa que contém um alto
teor de sacarose, cuja
fórmula é: C12H22O11.
2. Produção
de melaço: O
produto obtido no primeiro passo, a garapa, é aquecido para se obter o melaço,
que consiste numa solução de aproximadamente 40% em massa, de sacarose. O
açúcar mascavo é produzido quando parte dessa sacarose se cristaliza.
3. Fermentação
do melaço: Neste
momento, fermentos biológicos são acrescentados ao melaço, como por exemplo, o Saccharomyces, que é um tipo de levedura
que faz com que a sacarose se transforme em etanol. A ação de enzimas é que
realiza esse trabalho. Após esse processo, se obtém o mosto fermentado, que já
contém até 12% de seu volume total em etanol.
4. Destilação
do mosto fermentado: Nesta fase o produto, que no
caso é o mosto, vai passar pelo processo de destilação fracionada e vai dar
origem a uma solução cuja composição será: 96% de etanol e 4% de
água. Existe uma denominação que é dada em graus, é o chamado teor alcoólico de
uma bebida. No caso do etanol é de 96° GL (Gay-Lussac).
A cachaça é produzida da mesma forma que o álcool, com a única diferença, pois
a coluna de destilação fracionada usada não precisa ser tão eficiente, podendo
deixar passar mais água (em geral 60%, pois a cachaça tem teor alcoólico aproximadamente
de 40º GL). A cachaça é considerada uma bebida alcoólica destilada (Figura 15).
Figura 15 –Processo de produção da cachaça.
Figura 16– Foto panorâmica de uma destilaria de cachaça.
Figura 17– Foto da cachaça recém produzida jorrando da bica de
destilação.
Por outro lado, o vinho é uma bebida alcoólica não-destilada. O suco de
uva sofre fermentação, após o que o líquido é filtrado e colocado em
barris e garrafas. Pelo fato de não sofrer destilação, o sabor e o aroma de um
vinho dependem muito do tipo de uva utilizado, pois as substâncias responsáveis
pelo aroma e sabor da uva estarão presentes também no vinho, uma vez que não
são separadas por destilação.
As bebidas não-destiladas apresentam teor alcoólico inferior ao das
destiladas. Isso ocorre porque, quando o teor alcoólico chega a cerca de 15ºGL,
os micro-organismos morrem e a fermentação se encerra. Na destilação, como o
álcool é mais volátil que a água, o teor alcoólico aumenta.
Fermentação Malo-láctica
Muitos vinhos sofrem uma fermentação secundária,
após a primeira que é a alcoólica.
Essa fermentação é provocada por bactérias
lácticas, como por exemplo: Leuconostoc oinos, que transformam o
ácido málico (dicarboxílico) em ácido láctico (monocarboxílico), de sabor mais
aveludado, e em CO2. Em várias regiões do mundo, por motivos de
origem climática, frequentemente são obtidos vinhos tintos com elevada acidez,
que irão desta forma se beneficiar com essa segunda fermentação, posto que esta
provoca uma redução na acidez (desacidificação biológica). Essa fermentação é
normalmente desejável nos vinhos tintos, porém, nem sempre o é para os vinhos
brancos.