segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Esofagite Eosinofílica: manejo dietético e nutricional (Resumo do Work Report of the American Academy of Alergy, Asthma and Immunology)

J Allergy Clin Immunol Pract 2017;5:312-24

Ulysses Fagundes Neto

Introdução

Esofagite Eosinofílica (EEo) trata-se de uma enfermidade crônica/antígeno-imune mediada caracterizada clinicamente por sintomas relacionados à disfunção esofágica e histologicamente por inflamação predominantemente eosinofílica (Figuras 1 e 2).


Figura 1- Imagens endoscópicas das lesões observadas na EEo: 1- à esquerda, presença de traqueização do esôfago com formação de arcos concêntricos; 2- à direita, erosão esofágica, presença de sulcos e placas esbranquiçadas.


Figura 2- Aspecto microcópico da mucosa esofágica na EEo evidenciando intenso infiltrado eosinofílico na mucosa (esquerda) e formação de abcessos eosinofílicos (direita).

O tratamento da EEo tem por objetivos a resolução dos sintomas e o desaparecimento da inflamação eosinofílica, a manutenção da remissão da enfermidade para prevenir suas principais complicações, ou seja, a estenose e/ou fibrose esofágica, a prevenção e a correção de possíveis deficiências nutricionais, prevenção das complicações relacionadas ao tratamento e a manutenção da qualidade de vida (Qol).

O tratamento dietético à base da eliminação de determinados alimentos da dieta tem demonstrado ser eficaz para alcançar ambas as remissões, clínica e histológica, em crianças e adultos, e também para oferecer uma remissão a longo prazo desprovida do risco dos efeitos colaterais relacionados às medicações.

Entretanto, a terapia dietética apresenta uma série de desafios, posto que não há testes laboratoriais que permitam identificar os potenciais deflagradores alimentares, porém, sua implementação torna-se viável ao seguir determinados guias dietéticos. Para poder contornar essas dificuldades este Work Group tem por objetivo salientar os potenciais desafios para se colocar em prática a terapia dietética eleita para o manejo da EEo, bem como oferecer guias para sua efetiva implementação pelos profissionais de saúde que cuidam das crianças e adultos portadores da EEo.

Opções de tratamento dietético

No caso de se eleger uma terapia dietética, é recomendado ao médico decidir se irá utilizar uma dieta de eliminação contra um determinado alvo ou então empírica, ou mesmo o emprego de uma dieta elementar, para o êxito da terapia na EEo.

Dieta Elementar

A dieta elementar (DE) consiste em uma fórmula baseada em amino-ácidos livres desprovida de proteínas intactas ou mesmo peptídeos, e tem sido demonstrada eficaz para levar a remissão dos sintomas da EEo na maioria dos casos. Na Tabela 1 estão listadas as DEs disponíveis no mercado e seus respectivos fabricantes. Vale salientar que estas fórmulas a despeito do seu alto grau de eficácia apresentam como óbice pelo menos 2 aspectos que precisam ser considerados, a saber: 1- a baixa palatabilidade, e 2- seu alto custo. Para contornar a baixa palatabilidade é possível adicionar algum sabor, como por exemplo, extrato de baunilha. Entretanto, antes de se optar pela utilização da DE é necessário adequá-la para atender as necessidades individuais de energia, proteínas, vitaminas e minerais (Tabelas 1 e 2).


O uso da DE por tempo prolongado é muito difícil de ser mantida, e, portanto, não é a melhor escolha como uma terapia crônica. A DE pode ser de grande utilidade como uma terapia inicial para estimular os pacientes a entrar em remissão da enfermidade e, posteriormente, ser seguida da introdução de novos alimentos. Vale enfatizar que na maioria das vezes para se poder alcançar as necessidades nutricionais pelo uso da DE é necessário lançar mão da alimentação via naso-jejunal ou gastrostomia.

Dieta de eliminação empírica

A eliminação empírica dos principais alergenos da dieta sem a necessidade de se realizar quaisquer testes laboratoriais, tais como o prick test, patch test ou mesmo a determinação da IgE sérica específica contra determinados alergenos, representa outra estratégia de tratamento dietético. Kagalwalla e cols. (2011) realizaram estudo retrospectivo em crianças baseado na dieta de eliminação empírica de 6 alimentos, a saber: leite e derivados, soja, ovo, trigo, peixe e frutos do mar, e os frutos oleaginosos. Os autores relataram remissão histológica em 74% dos casos. Durante a investigação os autores encontraram, por meio de um processo de reintrodução sequencial dos alimentos acompanhados de repetidos estudos da histologia esofágica após cada introdução de um determinado alimento, a recidiva das lesões nos seguintes percentuais, a saber: leite 74%, trigo 26%, ovo 17%, soja 10% e amendoim 6%.
    
Dieta de eliminação baseada em teste dirigido

A dieta de eliminação baseada em teste dirigido é guiada por uma combinação de resultados advindos dos skin prick test, patch test e IgE específico contra determinados alergenos. É importante enfatizar que ainda que estes testes resultem positivos não são suficientes para caracterizar o diagnóstico dos alimentos que deflagram a EEo.

Uma importante ressalva deve ser feita com relação aos testes de atopia alimentar, pois estes testes não foram padronizados e nem tampouco validados em pacientes com EEo, fato este que requer investigações futuras. Deve-se salientar que a ocorrência de testes positivos não significa necessariamente que estes possíveis alimentos com positividade sejam os responsáveis pela deflagração da EEo. Além disso, Van Rhijn e cols. não encontraram uma associação entre determinados alimentos identificados por estes testes e a exacerbação da enfermidade. Por esta razão o único caminho de certeza para se saber que um determinado alimento é um fator desencadeante da EEo é por meio da remissão dos sintomas e da normalização histológica do esôfago quando este alimento suspeito é retirado da dieta, seguido de recidiva dos sintomas e das alterações histológicas quando este mesmo alimento é reintroduzido na dieta.

Entretanto, tanto a utilização da dieta empírica de eliminação dos alimentos quanto a dieta de eliminação baseada em teste dirigido apresentam uma vantagem sobre o uso da DE pois ao se eliminar os alimentos específicos que provocam os sintomas, possibilita-se que todos os outros alimentos não causadores das lesões esofágicas sejam oferecidos aos pacientes.

Desafios da terapia de eliminação dos alimentos

Qualquer que seja a escolha da dieta de eliminação, a terapia dietética requer uma rigorosa vigilância posto que os pacientes com EEo podem se encontrar em alto risco nutricional, tanto antes de se iniciar a terapia dietética quanto após a subsequente remoção dos múltiplos alimentos da dieta. Mukkada e cols. avaliaram 200 crianças com idade média de 34 meses (variação de 14 a 113 meses) com EEo e encontraram que 16,5% deles apresentavam transtornos alimentares importantes, incluindo recusa alimentar, baixa ingestão de variedade e volume, pouca aceitação de novos alimentos, rechaço dos alimentos e padrões inconsistentes de alimentação.

Por outro lado, em adultos os sintomas mais frequentes dizem respeito à dificuldade para ingerir alimentos sólidos, sendo o principal deles a impactação esofágica o que obriga a retirada endoscópica do alimento impactado, complicação que pode ocorrer em até 50% dos pacientes. Outros sintomas menos frequentes que dificultam a ingestão alimentar devem-se a queixas, tais como, dor torácica retro- esternal, queimação torácica e dor abdominal.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Kombucha: um probiótico que pode ser produzido de forma artesanal


Walkyria Maria Fagundes1, Ygor Lopes1
Ulysses Fagundes Neto

Neste texto optamos por tratar de um tema extremamente interessante e atual, a Kombucha. Esta novidade, aprendemos durante nossa viagem de especialização1 recentemente realizada à Espanha, mais precisamente no setor de pesquisa e desenvolvimento do restaurante Nerua Guggenheim Bilbao*, no País Basco.  No presente momento, conseguimos desenvolver três tipos com diferentes sabores de Kombucha e já estamos fazendo testes com outras variedades.

Figura 1- Parte da produção da UI Cuisine.

No entanto uma pergunta inicial se impõe, afinal, o que é e de onde veio a Kombucha? É uma bebida probiótica, originalmente derivada de chás e infusões, levemente doce e ácida, gerada pela transformação do açúcar em ácido acético, processo de fermentação, por uma simbiose (SCOBY) de bactéria e levedura.  Os primeiros registros da Kombucha são por volta de 220 AC, na Ásia. Entretanto, apenas por volta de 414 DC, o físico Kombu levou a bebida ao Japão, com o objetivo de prevenir problemas do sistema digestivo do imperador Inkyo.

O que é SCOBY (Symbiotic Culture of Bacteria and Yeast)? Trata-se de uma estrutura multicelular, que no caso é formada por acetobactérias, gluconacetobacterias e leveduras (Saccharomyces e Zaygosaccharomyces), as quais possuem uma relação de benefício mútuo.  A levedura desenvolve uma reação química entre sacarose (açúcar comum) e água gerando gás carbônico e álcool. A bactéria, por sua vez, utiliza esses produtos para produzir oxigênio e ácido acético.

Figura 2- Esquema prático da produção do SCOBY

Quais são as vantagens de beber Kombucha

Além de ser uma bebida desintoxicante e energizante, ela é supostamente considerada eficaz como coadjuvante no tratamento de diversas síndromes que afetam os seres humanos. Por outro lado, não há, até o presente momento, comprovações científicas definitivas a respeito desta potencial eficácia para todas as situações propostas, porém sabe-se que não existem quaisquer contraindicações ao seu uso, nem tão pouco há descrições da ocorrência de efeitos colaterais indesejáveis. Ainda assim, admite-se que os probióticos apresentam benefícios para uma série de situações clínicas que envolvem o trato digestivo.

Como fazer uma Kombucha

Primeiramente é necessário ter uma Kombucha inicial, o que chamamos de starter ou mother. Hoje em dia é muito fácil encontrar uma, há quem venda pela internet ou quem não se incomoda em doar.  O meio mais rápido de desenvolvimento da Kombucha é o chá preto ou vermelho, pois ambos possuem um tanino mais desenvolvido que catalisa as reações do SCOBY, ou seja, é sempre aconselhável começar por uma dessas opções. Como foi dito anteriormente, a sacarose é um dos elementos indispensáveis para o processo químico. Tendo em vista que o chá não possui açúcar, é necessário adicioná-lo (120gr para cada litro de solução). Uma vez que o chá esteja pronto, adoçado e à temperatura ambiente (não pode passar de 35°C, caso contrário o starter pode morrer), adiciona-se o SCOBY (100g para cada litro, sendo 50g da estrutura multicelular e 50g de líquido já fermentado). Agora, é só cobrir o recipiente com um pano para que esteja protegido e permita a passagem de oxigênio. Deve-se deixar incubando à temperatura ambiente por alguns dias (de 7 a 10 dias) até alcançar o ponto de acidez desejado.  Nesta ocasião, separa-se a estrutura multicelular e uma porção do líquido fermentado (o que veria a ser o starter de uma próxima Kombucha) e, quanto ao líquido restante há duas alternativas possíveis, a saber: 1) pasteurizar aquecendo-o; e 2) engarrafá-lo sem pasteurizar e guardá-lo no refrigerador. Nesse último caso, a reação da levedura continuará lentamente, mas por falta de oxigênio a bactéria não consumirá o álcool e o gás carbônico, ou seja, obter-se-á uma bebida levemente alcoólica (de 0,5% a 1,0%) e gasosa.

Figura 3- Etapas esquemáticas da produção da Kombucha

Problemas que podem ocorrer

1- A bebida está muito doce: nesse caso, faltou tempo de fermentação. Da próxima vez prolongue este processo. A fermentação é mais rápida em dias quentes e mais lenta em dias frios.

2- A bebida está muito ácida: nesse caso, ocorreu um excesso de fermentação. Da próxima vez deixe menos tempo.

3- O SCOBY afundou: em alguns casos isso pode acontecer, porém, usualmente depois de algum tempo ele sobe e flutua, ou então, um novo SCOBY se desenvolve. Caso nenhuma das duas opções acontecer, provavelmente seu starter estava morto e não tem mais utilidade, portanto deve ser desprezado.

Conclusões

Do acima exposto se depreende que desenvolver um probiótico doméstico é extremamente fácil e barato. Desta forma seguindo esta conduta poder-se-á ter no domicílio por tempo prolongado um probiótico sem a necessidade de se despender gastos na compra de probióticos produzidos e vendidos pela indústria farmacêutica.

PS- Para maiores informações sobre este tema e quaisquer outros relacionados à gastronomia consulte o site abaixo