Ulysses Fagundes Neto
No passado, acreditava-se
que o pulmão fosse um órgão apenas responsável pela respiração e, portanto,
tinha-se o conceito de que somente Oxigênio (O2) e Dióxido de Carbono (CO2)
pudessem ser dosados no ar expirado. Atualmente, porém, sabe-se que o ar expirado
dos pulmões contém mais de 2000 substâncias distintas, e que, além da
respiração, os pulmões apresentam uma função adicional, qual seja a excreção de
substâncias voláteis, o que tornou os pulmões reconhecidamente como “órgãos
excretores” de gases que se encontram dissolvidos no sangue. Uma destas
inúmeras substâncias voláteis excretadas pelos pulmões é o Hidrogênio (H2), o
qual pode ser facilmente medido com a utilização de um equipamento manual de
teste respiratório (Figura 1).
Figura 1- Referência Ledochowiski M. Journal of Breath
Research 2: 1-9, 2008.
O ser humano sadio em jejum
e em repouso não elimina H2 porque o seu metabolismo não produz este gás, o
qual somente é gerado durante o metabolismo anaeróbio.
Considerando que o organismo humano em repouso não possui metabolismo
anaeróbio, o H2 produzido e excretado pelos pulmões deve ter origem nas
bactérias anaeróbias e, como se sabe, o trato digestivo alberga um número
elevado de bactérias, que são predominantemente anaeróbias e que produzem grandes
quantidades de H2. De fato, a concentração de bactérias, em especial as
anaeróbias, alcança no íleo terminal e no intestino grosso valores de até 10(15) colônias/ml. Por outro lado, no duodeno e nas porções superiores do jejuno,
praticamente não ocorre colonização por bactérias anaeróbias, encontrando-se
apenas bactérias aeróbias, consideradas residentes das vias aéreas superiores e
resistentes à barreira bactericida ácida gástrica, na concentração de até 10(4) colônias/ml. Portanto, pode-se assumir, com boa margem de segurança, que o H2
expirado pelos pulmões dos seres humanos em repouso é produzido, quase que
exclusivamente, pelo metabolismo bacteriano dos anaeróbios que colonizam o íleo
e o intestino grosso. Desta forma, pode-se afirmar que, em condições normais, o
H2 mensurado no ar expirado diz respeito à quantidade da atividade metabólica
das bactérias anaeróbias presentes no trato digestivo, em particular, no íleo e
no intestino grosso. Entretanto, em situações patológicas, como por exemplo, na
síndrome do “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado”, a concentração
de bactérias anaeróbias torna-se predominante no intestino delgado e pode
alcançar valores superiores a 10(4) colônias/ml. As bactérias anaeróbias têm
preferência para metabolizar os carboidratos, os quais, como parte da reação de
fermentação, são “quebrados” dando a formação de ácidos graxos de cadeia
pequena, CO2 e H2 (Figura 2).
Figura 2- Referência Eisenmann & cols. Journal of
Breath Research 2: 1-9, 2008.
Uma grande parte do CO2
permanece na luz do intestino e é responsável pela sensação de flatulência,
enquanto que os ácidos graxos de cadeia pequena exercem efeito osmótico
atraindo água para o interior do lúmen intestinal, causando diarréia. O H2
produzido no intestino atravessa a parede intestinal, cai na circulação
sanguínea, é transportado até os pulmões e, finalmente, é eliminado pela
respiração como parte do ar expirado. A concentração de H2 expirada pode, portanto, ser
facilmente mensurada em partes por milhão (ppm) por técnica não invasiva, por
um equipamento de uso manual. A concentração do H2 mensurado na expiração é
sempre um reflexo da massa de bactérias e da atividade metabólica bacteriana no
trato digestivo. O momento no qual a concentração de H2 no ar expirado se eleva
durante a realização do teste respiratório fornece uma indicação em qual região
do intestino se deu a fermentação.
Normas para a realização do
teste do H2 no ar expirado
Cada teste deve sempre se
iniciar obtendo-se a amostra de jejum para a mensuração do H2 no ar expirado.
Vale ressaltar que o paciente deve estar em jejum pelo período de ao menos 4
horas (porém 8 horas é o ideal). Após a mensuração do valor basal de jejum, o
qual deve na imensa maioria dos casos ser inferior a 5 partes por milhão (ppm)
(não deve ser superior a 10 ppm), o teste respiratório pode começar. O paciente
deve ingerir o conteúdo de uma solução aquosa diluída a 10% do carboidrato que
se deseja testar a tolerância e/ou absorção à dose de 2 gramas/kg de peso para
os dissacarídeos (Lactose, Maltose e Sacarose) e à dose de 1 grama/kg de peso
para os monossacarídeos (Glicose, Frutose e Galactose). A dose máxima para
quaisquer dos carboidratos a serem testados não deve ultrapassar 25 gramas.
Após a obtenção da amostra de jejum e da ingestão da solução aquosa, contendo o
carboidrato a ser testado, amostras de ar expirado devem ser obtidas aos 15,
30, 60, 90 e 120 minutos. Caso o teste seja realizado com Lactulose (a dose é
fixa de 20 gramas diluídas a 10% em água), para pesquisa de “Sobrecrescimento
Bacteriano no Intestino Delgado”, deve-se acrescentar uma coleta de amostra do
ar expirado aos 45 minutos após a amostra de jejum. Vale salientar que a
Lactulose é um dissacarídeo sintético (Frutose-Galactose) não absorvível que
exerce efeito osmótico e que, portanto, pode provocar sintomas após sua
ingestão, tais como, flatulência, cólicas e diarréia, os quais costumam
desaparecer pouco tempo depois do término do teste.
Interpretação do Teste do H2
no ar expirado
A interpretação do resultado
do teste do H2 no ar expirado baseia-se em 2 fatores cruciais, a saber: 1- a
concentração em ppm do Hidrogênio expirado e 2- o aparecimento de sintomas após
a realização do teste de sobrecarga.
1- Teste Normal: No caso de
haver suficiência digestivo-absortiva, não deverá ocorrer aumento
significativo da concentração de H2 no ar expirado (elevação inferior a 10 ppm sobre o
nível de jejum) e nem tampouco referência a manifestações clínicas. Desta forma
o teste deve ser considerado Normal (Figura 3).
Figura 3- Referência
Eisenmann A. & cols. Journal of Breath Research 2: 1-9, 2008.
Caso surjam sintomas
clínicos e a concentração de H2 no ar expirado for inferior a 20 ppm, trata-se
de um não produtor de H2, o que pode ocorrer em até 5% dos indivíduos testados.
Nesta circunstância, para se estabelecer um diagnóstico de segurança deve ser
realizado o teste com Lactulose, posto que este dissacarídeo é sempre
fermentado, e, se ainda assim não houver elevação da concentração de H2 no ar
expirado pode-se assumir com segurança tratar-se de um não produtor de H2.
2- Teste Anormal: A elevação da concentração de H2 acima de 20 ppm sobre o nível de jejum a partir
dos 60 minutos depois da ingestão do carboidrato é considerado um teste Anormal
(Figura 4) caracterizado como “má absorção” e, caso concomitantemente surjam
sintomas, deve-se agregar o diagnóstico de “intolerância”.
Figura 4- Referência
Eisenmann A. & cols. Journal of Breath Research 2: 1-9, 2008.
Por outro lado, caso ocorra
um aumento significativo do H2 no ar expirado a partir dos 60 minutos, mas não
surjam sintomas deve-se, nesta circunstância, utilizar a denominação “má
absorção” para o teste bioquímico, mas do ponto de vista clínico não ocorreu
“intolerância” (Figura 5).
Figura 5- Eisenmann A. & cols. Journal of Breath
Research 2: 1-9, 2008.
Usualmente deve ser possível
alcançar o pico máximo do aumento do H2 no ar expirado aos 60 minutos, ou ainda
melhor, aos 90 minutos, porque pode tardar esse tempo para que o carboidrato
não absorvido alcance o intestino grosso. Caso o valor do H2 no ar expirado
seja superior a 10 ppm e inferior a 20 ppm, o teste deve ser considerado como
limítrofe anormal. Além disso, outro fator também deve ser levado em
consideração, pois se houver uma elevação da concentração de
H2 acima de 10 ppm sobre o nível de jejum dentro dos primeiros 30
minutos do teste, este valor é indicativo de “Sobrecrescimento Bacteriano no
Intestino Delgado”. Essencialmente há 2 possibilidades para a ocorrência deste
perfil particular do H2 no ar expirado, a saber:
1- a curva mostra um perfil
de 2 picos de elevação do H2 no ar expirado, ou seja, 1 deles nos primeiros 30
minutos do teste seguido de uma diminuição na concentração do H2, o qual é
seguido por nova elevação após os 60 minutos. Este comportamento do teste
indica que há “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado” associado a
preservação da válvula íleo-cecal e também que as bactérias presentes nas
porções altas do intestino delgado foram capazes de metabolizar a substância
testada. O segundo pico demonstra que a maior porção da substância testada não
foi absorvida e que, portanto, foi fermentada no intestino grosso (má absorção)
(Figura 6).
Figura 6- Referência Eisenmann
A. & cols. Journal of Breath Research 2:1-9,2008.
Caso o paciente, durante a
realização do teste, decorridos menos de 60 minutos após a ingestão da
substância testada, vier a apresentar sintomas e que estes rapidamente venham a
desaparecer, isto indica que as queixas se devem mais provavelmente ao
“Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado” do que à má absorção da
substância testada.
2- a curva mostra um pico
precoce, antes dos 60 minutos após a ingestão da substância testada, o qual se
mantem pelo menos em 20 ppm acima do valor basal, sem apresentar uma queda no
valor do H2 no ar expirado, até os 90 minutos. Esta curva apresenta um “quase”
perfil de 2 picos, sem que ocorra o “vale” entre o primeiro e
segundo picos (Figura 7).
Figura 7- Referência
Eisenmann A. & cols. Journal of Breath Research 2:1-9, 2008
Neste caso deve-se
interpretar que houve um refluxo do fluido do intestino grosso para o íleo em
virtude de uma hipotonia da válvula íleo-cecal.
Tipos de testes do H2 no ar
expirado
Na verdade, qualquer
carboidrato, tais como os monossacarídeos (Glicose, Frutose e Galactose),
dissacarídeos (Sacarose, Maltose e Lactose) e mesmo polissacarídeos,
álcool-açúcares, e o dissacarídeo sintético Lactulose, não absorvível
(Galactose-Frutose). Os tipos de teste do H2 no ar expirado mais indicados
estão representados na Tabela 1.
Tabela 1
Principais tipos de teste do
H2 no ar expirado para avaliar a função digestivo-absortiva:
1- Lactose; 2- Glicose; 3-
Frutose; 4- Lactulose
As principais indicações do
teste do H2 no ar expirado estão apontadas na Tabela 2.
Tabela 2
Principais indicações para a
realização do teste do H2 no ar expirado:
1- Síndrome de Má absorção;
2- Síndrome do Intestino
Irritável;
3- Intolerância à Frutose
(dôces, frutas e Mel);
4- Investigação de
meteorismo e Flatulência; 5- Monitoração da Doença Celíaca;
6- Doença Inflamatória
Intestinal;
7- Deficiência Primária ou
secundária de Lactase;
8- Intolerância à Lactose ;
9- Diarréia Crônica
Teste de sobrecarga com
Lactulose
Como anteriormente referido,
a Lactulose é um dissacarídeo sintético composto por Galactose-Frutose,
portanto não absorvível, visto que o intestino humano não possui nenhuma
dissacaridase capaz de hidrolisar este carboidrato, e, como conseqüência, a
Lactulose é sempre fermentada. Neste caso deve-se utilizar 20 gramas do
carboidrato diluído em solução aquosa a 10%. As indicações para a realização do
teste com Lactulose estão discriminadas na Tabela 3.
Tabela 3
Principais indicações para a
realização do teste do H2 no ar expirado com Lactulose:
1- Determinação do tempo de
trânsito oro-cecal;
2- Constipação;
3- Síndrome do
Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado
Todos estes testes,
individualmente ou em conjunto, para se avaliar o perfil da função
digestivo-absortiva ou o tempo de trânsito oro-cecal estão disponíveis para
atendimento aos pacientes no Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São
Paulo.
IGASTROPED tel.: (11) 98842.7324 (Contato Tatianne Rocha)
Nenhum comentário:
Postar um comentário