segunda-feira, 27 de março de 2017

Pólipos e Polipose Intestinal: Diagnóstico e Tratamento (Parte 2)

Cristiane Boé e Ulysses Fagundes Neto

Síndrome de Cowden
Trata-se de uma enfermidade rara, os pacientes manifestam hamartomas dos 3 tipos de tecidos: ectoderma, mesoderma e endoderma.
Do ponto de vista genético é de transmissão autossômica dominante, 85% dos pacientes apresentam mutação no gene supressor de tumor PTEN.
A enfermidade costuma se apresentar na adolescência e em adultos jovens, com prevalência estimada em 1: 200.000 a 250.000.

Manifestações clínicas:
Papilomas hiperqueratóticos nos lábios, língua e narinas são os achados extraintestinais mais comuns. Os marcadores mais importantes da síndrome são os achados mucocutâneos. Os achados patognomônicos são: trichilemmomas (pápulas verrucóides assintomáticas), papilomas nas cavidades mucosas, queratose acral nas mãos e pés, doença de Lhermitte-Duclos (gangliocitoma displásico do cerebelo), os quais são menos frequentes na infância que em adultos.
Papilomas hiperqueratóticos nos lábios

Pólipos esofagianos, gástricos e duodenais

Pólipos no reto, colon ascendente e colon descendente

Manifestações clínicas:
Achados benígnos: lipomas, hemangiomas e neuromas, macrocefalia, adenomas e lesões fibrocísticas das mamas, adenomas de tireóide, leiomiomas uterinos (são critérios menores).
Pólipos hamartomatosos ocorrem por todo trato gastrointestinal, geralmente assintomáticos. Pólipos juvenis são os mais comuns, porém também aparecem outros tipos como lipoma, pólipos inflamatórios, ganglioneuromas, hiperplasia linfóide, e adenomas.


Síndrome Ruvalcaba-Myhre-Smith
Trata-se de uma síndrome de herança autossômica dominante, também associada com mutação no gene PTEN (inibidor de crescimento celular). Admite-se que esta enfermidade pode ser uma variação da Síndrome de Cowden.
Até o presente momento não há um consenso sobre os critérios diagnósticos desta síndrome, porém, é sabido que indivíduos apresentando várias combinações de macrocefalia, lipomatose, hemangioma, pólipos gastrointestinais e máculas pigmentadas na glande do pênis, são considerados clinicamente afetados. Atraso mental e outras anomalias congênitas também são associados com a síndrome. Acredita-se que o câncer de mama, tireoide e endométrio sejam componentes da síndrome.
Em contraste com a Síndrome de Cowden, os Pólipos são frequentemente sintomáticos, juvenis, encontrados no íleo e cólon.

Seguimento endoscópico:
Não existem recomendações baseadas em evidências para a vigilância do trato gastrointestinal em crianças ou adultos que possuem diagnóstico de síndromes hamartomatosas com mutação PTEN.

Polipose Adenomatosa Familiar (PAF)
Trata-se da polipose mais comum, sua prevalência é estimada em 1:5000 a 1:17000. Esta lesão é causada por mutação no gene supressor de tumor APC. Vale ressaltar que a maioria dos pacientes pediátricos com PAF são assintomáticos, e a evolução é baseada na história familiar.
Pólipos colônicos benignos costumam aparecer em torno dos 16 anos, sua principal característica é o desenvolvimento de grande número de Pólipos colorretais, os quais são adenomatosos e inevitavelmente evoluem para câncer colorretal.
Em associação com os Pólipos gastrointestinais, há numerosas manifestações extraintestinais da PAF aumentando o risco de câncer cerebral, tireoide, hepático e pancreático. Em particular, o risco de hepatoblastoma em pacientes com PAF é 850 vezes maior que na população em geral.

Diagnóstico:
Baseia-se no achado de mais de 100 pólipos adenomatosos no cólon, sendo que a maioria dos pacientes têm entre 100 e 1000 Pólipos distribuídos por todo o cólon.
A existência de poucos adenomas sugere polipose atenuada (AFAP) ou defeito no gene MYH.

Manifestações clínicas:
Alkhouri et al. estudaram 12 pacientes com PAF de 1990 a 2005. As idades variaram de 7 a 18 anos, e a queixa principal, sangramento retal como manifestação inicial, estava presente em 86% dos casos. Outros achados foram dor abdominal e anemia comprovada por exame laboratorial.
Deste grupo, 1 paciente de 8 anos apresentava 3 pólipos na colonoscopia inicial e após 1 ano mais de 200; 1 paciente foi diagnosticado com câncer colorretal in situ aos 18 anos; outros pacientes apresentavam no início do acompanhamento entre 8 e 200 pólipos.
O risco de desenvolvimento de câncer antes de 21 anos varia de 0,21% a 7%.
Em virtude do risco de adenocarcinoma de duodeno e considerando a ocorrência de uma grande proporção de pacientes com lesões duodenais, a realização da endoscopia digestiva alta é recomendada no momento da colonoscopia inicial. Sabe-se que 45% das crianças apresentam adenomas gástricos e duodenais.
Para a investigação do intestino delgado, pode ser realizado RX contrastado ou, mais recentemente, utilizar-se da cápsula endoscópica. Uma outra opção factível de investigação é a realização da Ressonância Magnética.
Uma vez diagnosticada a PAF, a indicação cirúrgica é o único tratamento reconhecido para redução do risco de câncer colorretal. O momento de ser realizada a colectomia é decidido de paciente para paciente. O mais recomendado é que se aguarde a adolescência para que o próprio possa participar mais ativamente desta decisão.
Entretanto, vale enfatizar que o risco de desenvolver câncer de intestino delgado permanece o mesmo após a colectomia.
Sulindac é um antiinflamatório não-esteroidal que têm se mostrado efetivo na redução do número de adenomas colorretais já estabelecidos em aproximadamente 50%, entretanto, não previne o desenvolvimento de adenomas primários.
Celecoxib, inibidor seletivo da Cox-2, têm se mostrado promissor na redução do número de adenomas colorretais e duodenais. Estudo randomizado, duplo-cego em fase III está sendo conduzido para testar quando este medicamento pode ser usado para prevenir a formação de Pólipos colorretais em crianças com FAP.

Seguimento:
Teste genético é recomendado para pacientes com risco de desenvolver FAP, entre 10 e 12 anos de idade, quando também é sugerida a primeira endoscopia.
Colonoscopia bienal deve ser realizada em crianças de risco aos 10 e 12 anos, a menos que exista doença agressiva em familiares.
Uma vez que os adenomas sejam identificados, é geralmente recomendada colectomia com anastomose íleo-anal.




Síndrome de Gardner
É uma variante da Polipose Adenomatosa Familiar. Trata-se de uma enfermidade autossômica dominante, caracterizada por Pólipos intestinais, múltiplos osteomas e tumores mesenquimais da pele e partes moles.
Tem sido descrita hipertrofia congênita do epitélio pigmentar da retina e as neoplasias associadas são carcinomas da ampola de Vater, adrenal e tireoide.
Os sintomas costumam aparecer entre os 2 meses e os 20 anos de idade. Geralmente as manifestações extracolônicas, como os tumores de pele e osteomas surgem antes dos Pólipos adenomatosos. As lesões de pele são cistos sebáceos, lipomas, fibromas e lesões pigmentadas.
Os riscos de desenvolvimento de câncer colorretal são os mesmos da PAF.

 Osteoma gigante de mandíbula

Osteomas na mandíbula; hipertrofia do epitélio da retina


Síndrome de Turcot
Foi descrita por Jacques Turcot originalmente caracterizada por Pólipos hamartomatosos e tumores de sistema nervoso central. No entanto, o autor também descreveu câncer colorretal hereditário não-polipóide, secundário a uma mutação num gene de reparo do DNA, associado a tumor primário do cérebro (glioblastoma cerebelar).
Quando os Pólipos colorretais são secundários à mutação no gene APC, o tumor primário do cérebro geralmente é um meduloblastoma cerebelar. Estima-se que 2/3 dos casos com mutação no gene APC e múltiplos Pólipos, apresentarão meduloblastoma.

Síndrome de Cronkhite-Canada
Esta é uma síndrome não-hereditária de Pólipos juvenis em associação com anormalidades ectodérmicas, tais como,  alopécia, distrofia ungueal, hiperpigmentação da face e pálpebras, diarreia e perda de peso.
A patogênese desta síndrome rara (400 casos relatados até hoje, 75% no Japão) é desconhecida e o manejo é apenas suporte clínico.
Em uma revisão da literatura, 34 de 280 casos tiveram associação com câncer colorretal.

Hiperplasia Nodular Linfoide (HNL)
A HNL caracteriza-se pela existência de hiperplasias dos folículos linfoides do cólon, os quais costumam ser pouco comuns e são de natureza benigna.
O tratamento para este tipo de Pólipo é sua retirada e análise histopatológica, para diferenciação com linfoma de cólon.

Polipose Inflamatória
São vistos em associação com diversas condições inflamatórias, incluindo a Doença Inflamatória Intestinal. Podem ser referidos como pseudopólipos.
Estes Pólipos se desenvolvem como resultante de ciclos repetidos de inflamação e cicatrização em pacientes com doença inflamatória crônica. Estão geralmente confinados ao cólon.
Ocorrem em aproximadamente 1/3 dos pacientes com Doença de Crohn, porém outras condições associadas são colite isquêmica, infecciosa e Doença de Behçet.

Conclusão
O capítulo dos Pólipos intestinais reveste-se de extrema importância clínica, pois além de ser vasto, envolve uma série de preocupações diagnósticas diferenciais quanto a sua natureza, que pode ser benigna ou maligna, o que acarreta a necessidade de uma investigação profunda e criteriosa para que se possa oferecer a melhor conduta terapêutica para nossos pacientes.

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