Cristiane
Boé e Ulysses Fagundes Neto
Introdução
A Síndrome
dos Vômitos Cíclicos (SVC) foi primeiramente descrita por Samuel Gee, em 1882,
entretanto, até o presente momento, não há uma certeza absoluta a respeito da sua
etiologia e fisiopatologia. A SVC trata-se de um distúrbio funcional
caracterizada por episódios recorrentes de náuseas e vômitos com duração de
horas ou dias, seguidos de intervalos livres de sintomas.
Desde
um ponto de vista de gênero acomete mais meninas que meninos (60:40),
usualmente em idade escolar, porém pode haver uma grande gama de faixa etária, variando
de lactentes a adultos jovens, mais frequentemente em indivíduos da raça branca.
Ainda
que seja uma síndrome cujos sintomas são episódicos, resulta em 24 dias de
falta à escola, com um custo anual de até US$17.035,00. Abu-Arafeh et al caracterizaram
a SVC em 1,9% dos escolares em Aberdeen, no norte da Escócia.
A
patogênese e a etiologia da SVC permanecem desconhecidas, porém, há forte
associação entre esta síndrome e enxaqueca, sugerindo que a fisiopatologia pode
ser a mesma, pois apresentam similaridades de sintomas, evolução e resposta
positiva ao uso de medicamentos anti-enxaqueca. Cerca de 2/3 dos pacientes que
são capazes de fornecer informações fidedignas, referem uma associação com a Síndrome
do Intestino Irritável, posto que 11% deles apresentam história de enxaqueca. Alterações
emocionais ocorrem em 40% dos pacientes e 50% destes têm história familiar
positiva para Síndrome do Intestino Irritável ou enxaqueca.
Um conceito
recente sobre a fisiopatologia da SVC sugere que a depleção da energia
mitocondrial devido a uma mutação, associada à precipitação por estresse ou
excitação, podem ser os fatores deflagradores para o aparecimento dos episódios
de vômitos em pacientes com SVC.
Características
clínicas
Aproximadamente
entre 40 a 80% dos pacientes apresentam fatores desencadeantes que estão
relacionados aos episódios de vômitos, a saber:
1. Estresse
psicológico
2. Infecções
3. Cansaço
físico
4. Alimentos
específicos (queijo, chocolate.)
5. Menstruação
6. Clima
quente
7. Comer
em excesso/jejum
Sintomas
prodrômicos soem ocorrer em 1/3 dos episódios, os quais geralmente se iniciam
na madrugada ou nas primeiras horas do dia, podem ter a duração de até 2 horas
e mesmo se estender por até 10 dias, e se repetem de 4 a 12 vezes por ano. Em
geral a média é de 4 vômitos/hora.
Os
principais sintomas associados são: dor periumbilical, cefaleia, salivação e
fotofobia. Os episódios tendem a ser os mesmos para cada indivíduo, e os pais
são capazes de identificar eventos desencadeadores em 76% dos casos, sendo
psicológicos e infecciosos em 47% e 31%, respectivamente. Vale enfatizar que emoções
positivas são mais frequentemente identificáveis que o estresse negativo.
Diagnóstico
Há
grande dificuldade diagnóstica porque não há uma etiologia definida, e, nem tampouco
existem marcadores laboratoriais específicos para o diagnóstico de certeza. Por
estas razões foram criados critérios para o auxílio diagnóstico, e atualmente
existem 2 entidades que desenvolveram tais critérios, a saber: a) ROMA IV (2016);
b) NASPGHAN (2008)
Critérios
Diagnósticos
a) ROMA
IV
2 ou
mais episódios de intensa náusea e vômitos com duração de horas ou dias; retorno
para o estado de saúde habitual com duração de semanas a meses.
* Os
dois critérios devem estar presentes
** Mudança
de 3 episódios (ROMA II) para 2 visando facilitar o reconhecimento da CVS e
diminuição do sofrimento do paciente
b) NASPGHAN
Devem
ocorrer pelo menos 5 crises em qualquer intervalo, ou um mínimo de 3 episódios
em um período de 6 meses. Episódios de náusea e vômitos intensos durando de 1 hora
a 10 dias, separados por pelo menos 1 semana. Deve haver um padrão
estereotipado em cada paciente, os vômitos durante os ataques ocorrem no mínimo
4 vezes/hora, por pelo menos 1 hora. Há o retorno ao estado clínico normal
entre os episódios e não deve haver atribuição à qualquer outra enfermidade.
* Todos
os critérios devem estar presentes
Diagnóstico Diferencial
O desafio
que se apresenta é diferenciar os pacientes que apresentam causas bem
determinadas para os vômitos (10%), daqueles com causa idiopática (90%). O
emprego destes critérios ajuda a diferenciá-los, o que irá evitar submeter os
pacientes a procedimentos desnecessários.
Os
critérios propostos pela NASPGHAN sugerem alguns sintomas suspeitos que devem
ser investigados, tais como:
1-
Vômitos biliosos, dor abdominal intensa, com
sinais de peritonite:
Observar possíveis sinais de obstrução
intestinal que podem estar presentes na má rotação intestinal e aderências; hepatite,
pancreatite, obstrução da junção uretero-pélvica. Deve-se realizar investigação
apropriada e específica solicitando os seguintes exames: raio X do abdome,
amilase e lipase séricas, hepatograma, ultrassonografia e/ou tomografia do
abdome.
Caso
ocorra hematêmese não há recomendação imperiosa para realização de endoscopia
digestiva alta, a não ser que o paciente apresente sintomas entre os episódios
que indiquem patologia específica ou sangramento em grande quantidade.
Ao
se suspeitar de porfiria deve-se considerar a gravidade, a intensidade dos vômitos
e a dor abdominal recorrente, associadas a ansiedade, depressão, alucinação,
convulsão e paresia das extremidades.
2-
Ataques precipitados por outra doença, jejum ou refeição com alto teor de proteína:
Deve-se
levar em consideração a possibilidade de eventuais transtornos metabólicos
(ácidos graxos, ciclo da ureia, aminoácidos, ciclo mitocondrial de energia)
seguidos de estado catabólico induzido por jejum, infecção ou refeição com alto
teor de proteína. Geralmente as afecções metabólicas aparecem logo após o
nascimento, os defeitos no ciclo da ureia são diagnosticados com dosagem de
amônia plasmática acima de 150µm/L, as deficiências enzimáticas parciais podem
ser silenciosas até que ocorram fatores precipitantes que podem ser detectados
nas análises sanguíneas e urinárias.
3.
Anormalidades no exame neurológico:
Caso
existam sinais localizatórios no exame neurológico, tais como, alteração
recente da personalidade e/ou sinais de hipertensão intracraniana deve-se
realizar exame de neuroimagem. Nestes casos a maior dificuldade está em
diferenciar alteração do estado mental, pois os pacientes com SVC apresentam
alteração da consciência durante os episódios de vômitos (letargia,
desorientação). Na SVC, a criança está orientada, é capaz de responder a
comandos, mas prefere não responder por causa da náusea.
Figura
2- Diagnósticos Diferenciais a serem considerados
Algumas
situações tornam difícil a diferenciação de um episódio de SVC com
gastroenterite viral, entretanto, deve-se levar em consideração que há necessidade
de se empregar uma taxa de reidratação intravenosa 75 vezes maior na SVC do que
na gastroenterite por rotavírus.
A dor
abdominal pode ser muito intensa a ponto de se considerar a indicação de
laparotomia por suspeita da existência de abdome agudo. Dentro do sistema
digestório, a má-rotação intestinal com volvo intermitente é a complicação mais
grave e comum, que pode resultar em grande ressecção de intestino delgado.
Letargia,
dificuldade para falar, andar, ou interagir, pode simular semi-coma e preocupa
quanto à presença de choque, meningite ou intoxicações.
Vale
enfatizar que devido ao elevado grau de dificuldade em se estabelecer o
diagnóstico da SVC o tempo para se comprovar de forma definitiva a ocorrência
desta síndrome tarda em média 2,7 anos.
Um comentário:
Boa Tarde,
Tenho Síndrome de Vômitos Cíclicos a 5 anos, moro no Rio de Janeiro, faço uso de amitriptilina a mais de 1 ano e não tenho resultado satisfatório. Preciso de uma indicação de algum médico no Rio de Janeiro que esteja interessado em acertar um tratamento pra mim, infelizmente já passei por vários de seus colegas e meus relatos de descasos seriam longos demais para escrever aqui. Peço desculpas pelo incômodo e desde já agradeço a atenção!
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