quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Colite Alérgica: a evolução clínica de uma enfermidade de caráter transitório com forte evidência de herança genética (Parte 2)

Casuística e Métodos
 
 Foram investigados 5 lactentes menores de 6 meses de idade, média de 4 meses, 3 do sexo masculino, pertencentes a 2 grupos familiares distintos (Gráficos 1 & 2), encaminhados ao Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo para investigação de queixa de diarréia sanguinolenta e respectivo seguimento obedecendo protocolo de investigação clínica previamente estabelecido. 

A avaliação clínica inicial e o acompanhamento clínico de longo prazo foram realizadas sempre pelo mesmo profissional (Ulysses Fagundes Neto) nas quais inclua a obtenção da história e a realização do exame físico, bem como os dados antropométricos de peso e comprimento.
 
Testes de Investigação Diagnóstica
 
Os pacientes foram submetidos à seguinte investigação diagnóstica:
1-   Hemograma; 2- Cultura de fezes para pesquisa de agentes enteropatogênicos; 3- Parasitológico de fezes; 4- Retoscopia ou Colonoscopia; 5- Biópsia retal
 
Avaliação da Morfologia da Biópsia Retal
 
A avaliação da morfologia da mucosa retal foi realizada de acordo com os critérios de Diaz e cols. (12), a saber: os fragmentos de tecido foram submergidos em solução de formalina 10% e, posteriormente, incluídos em parafina e corados com a técnica da hematoxilina-eosina. Foram avaliados os seguintes elementos microscópicos: epitélio superficial, arquitetura das glândulas crípticas, infiltrado celular da lâmina própria e nódulos linfóides. Foi realizada a contagem de eosinófilos para cada camada da mucosa retal de acordo com os critérios de Winter e cols. (13).
 
Critérios Diagnósticos de Alergia ao Leite de Vaca
 
O diagnóstico de colite alérgica foi caracterizado clínica e histologicamente de acordo com os critérios de Walker Smith (14) e Fiocchi e cols. (15), a saber:
1- Presença de sangramento retal em um lactente com desenvolvimento pondero-estatural adequado;
2- Exclusão de causas infecciosas de colite;
3- Desaparecimento dos sintomas após eliminação do leite de vaca e derivados da dieta da criança e/ou da mãe.
 
Foi obtido consentimento por escrito dos pais para a realização dos exames.
 
 Resultados
 
Todos os pacientes, por ocasião da primeira consulta, a despeito da queixa de sangramento retal, encontravam-se em bom estado geral, hidratados, sem aparentar estado de toxemia e sem febre.

Todos os pacientes foram submetidos ao teste de desencadeamento com fórmula láctea nas idades que variaram de 11 a 18 meses. Todos os pacientes apresentaram tolerância à fórmula láctea utilizada. O teste foi realizado sob supervisão médica restrita, de acordo com os critérios de Nowak-Wegrzyn e cols. (16). Em um primeiro momento foi oferecida a quantidade de 20 ml da fórmula láctea e aguardado um período de 45 minutos de observação. No caso de não ter ocorrido qualquer manifestação clínica sugestiva de alergia foi autorizada a oferta da fórmula láctea ad libitum e solicitado aos familiares que mantivessem observação criteriosa quanto à possibilidade do surgimento de reações adversas de longo prazo.  
 
Após o teste de desencadeamento com fórmula láctea e a respectiva liberação do uso de leite e derivados na dieta, os pacientes foram seguidos clinicamente por um período que variou de 18 (mínimo) a 33 (máximo) meses, em média 26 meses. Durante todo este período de acompanhamento nenhum paciente apresentou quaisquer manifestações clínicas relacionadas a processo inflamatório colônico.
 
A cultura de fezes e a pesquisa parasitológica nas fezes resultaram negativas em todos os pacientes.
 
Família 1

Gráfico 1- Héredrograma da Família 1


Quadro 1- Principais características clínicas, nutricionais e laboratoriais dos pacientes portadores de colite alérgica


VCA – sexo masculino, 6 meses de idade, com história de diarréia com sangue vivo e muco há 20 dias, em aleitamento materno exclusivo. Ambos os pais referiam antecedentes de rinite alérgica. Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral com ganho pondero-estatural adequado, Peso= 9615 g e Comprimento= 71 cm, evidenciando lesões eczematosas na face e retro-auriculares, e proctite (fissura anal às 6 horas). A colonoscopia revelou presença de fissuras anais, aspecto de hiperplasia nodular linfóide e ulcerações colônicas, especialmente no colon direito (Figura 7). 

Figura 7- Mucosa colônica evidenciando ulceração (A-B-D) e nódulos linfóides (C).

A microscopia revelou processo inflamatório com esboço de granuloma, hiperplasia nodular linfoide e infiltrado eosinofílico com mais de 20 eosinófilos por campo de grande aumento. Foi levantada a suspeita de alergia alimentar e doença inflamatória intestinal pela presença do esboço de granuloma. A mãe foi orientada a realizar dieta de exclusão do leite de vaca e derivados e soja, associada à dieta do desmame isenta de leite de vaca e derivados e soja; o paciente foi medicado com dexametasona durante 4 semanas. Foram realizados os seguintes exames laboratoriais: α1 anti-tripsina fecal: 4,1 mg/g, p-ANCA: não reagente, ASCA: não reagente. A evolução clínica foi favorável com desaparecimento dos sintomas. Aos 8 meses foi suplementado com fórmula à base de hidrolisado protéico extensamente hidrolisado (Alfaré, Nestlé) com boa aceitação. Aos 18 meses foi realizado teste da α1 anti-tripsina fecal: 0,8 mg/g e desencadeamento com fórmula láctea o qual foi bem sucedido.
 
   LBRA – sexo masculino, 4 meses de idade, com história de diarréia há 1 mês e sangramento retal há 3 dias. Recebeu aleitamento materno exclusivo até 40 dias de vida quando passou a receber fórmula láctea inicialmente com boa aceitação. Após 40 dias do uso da fórmula láctea iniciou quadro de diarréia caracterizada por fezes líquidas e aumento no número das evacuações e 3 dias antes da primeira consulta surgiu sangramento retal. Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral, Peso= 6855 g e Comprimento= 66 cm, palidez cutânea ++, proctite (fissuras anais às 5 e 7 horas). A colonoscopia demonstrou presença de hiperemia da mucosa com microerosões e sangramento espontâneo à passagem do colonoscópio. A microscopia revelou a existência de colite focal ativa com permeação epitelial por neutrófilos (Figura 8). 



Figura 8- Microfotografia da mucosa colônica evidenciando erosão do epitélio, aumento do infiltrado linfo-plasmocitário na lâmina própria, diminuição do conteúdo de muco nas glândulas crípticas e presença de polimorfonucleares no interior da glândula críptica (abscesso críptico - seta).

Foi considerada a hipótese de colite alérgica e introduzida fórmula à base de mistura de aminoácidos (Neocate, Danone) e dexametasona (4 semanas), o que resultou em desaparecimento dos sintomas. A partir dos 6 meses foi introduzida dieta do desmame isenta de leite de vaca e derivados e soja. Aos 11 meses, como estivesse assintomático e por ter iniciado a recusar a fórmula de aminoácidos foi realizado o desencadeamento com fórmula láctea com sucesso.
 
FEBP- sexo masculino, 40 dias de vida, com história de cólicas intensas e sangue nas fezes há 5 dias, em aleitamento natural exclusivo. Ao exame físico encontrava-se em bom estado geral, Peso= 4695 g e Comprimento= 55 cm, e proctite (fissura anal às 4 horas). A retoscopia revelou microulcerações e hiperemia da mucosa retal. A microscopia revelou a presença de infiltrado eosinofílico superior a 20 eosinófilos por campo de grande aumento (Figura 9).

Figura 9- Microfotografia da mucosa colônica evidenciando infiltrado eosinofílico permeando o epitélio, na lâmina própria e nas glândulas crípticas.

Inicialmente o paciente foi mantido em aleitamento natural exclusivo tendo sido recomendada dieta isenta de leite de vaca e derivados e soja para a mãe. Como a mãe tivesse cometido transgressões à dieta os sintomas de sangramento retal persistiram, e, portanto, aos 3 meses de vida foi espontaneamente suspensa a lactação. A partir desta data foi introduzida fórmula à base de hidrolisado protéico extensivamente hidrolisado (Alfaré, Nestlé) e os sintomas desapareceram totalmente dentro dos próximos 3 dias. A partir dos 6 meses de idade foi introduzida dieta do desmame isenta de leite de vaca e derivados e soja, com boa aceitação e sem quaisquer intercorrências. Aos 12 meses foi realizado teste de provocação com fórmula láctea com sucesso.       

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