sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (23)

A história da realização de um Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, Nova Iorque: pessoal e científica



O Trabalho de Campo 



1- Identificação da criança

Foi feita levando-se em conta a aldeia em que residia, a oca em que morava, os nomes do pai e da mãe e também foi criado um número de registro gral, sua origem tribal, o nome que recebia da mãe e do pai. Para maior facilidade de identificação posterior a ficha incluía uma fotografia da criança, a qual era obtida no momento em que ela era incluída no estudo (Figura 13-14).
  


Figura 13- Foto de identificação de uma criança índia


Figura 14- Identificação das crianças incluídas no estudo.

2- Exame Físico

Toda criança foi submetida a detalhado exame físico visando detectar possíveis anormalidades clínicas, em especial, algum sinal ou sinais que denotassem carências nutricionais específicas (Figura 15).


Figura 15- Exame físico de uma criança indígena no trabalho de campo.

Considerando-se que malária é endêmica na região, especial atenção foi dada para os achados de esplenomegalia, por meio da determinação do índice esplênico.

3- Medidas Antropométricas

Foram obtidos os valores do Peso, Estatura, Perímetro Cefálico, Perímetro Torácico e Prega Cutânea (Figuras 16-17-18-19-20-21).



Figura 16- Determinação da estatura.



Figura 17- Determinação do peso.


Figura 18- Determinação do perímetro cefálico.


Figura 19- Determinação do perímetro torácico.




Figura 20- Determinação da prega cutânea.


Figura 21- Momento de trabalho de campo na aldeia Uaura.

4- Sangue

Foram obtidas amostras de sangue para a realização do Hematócrito.

5- Fezes

Amostras de fezes foram coletadas para pesquisa de protozoários e helmintos.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (22)

A história da realização de um Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, Nova Iorque: pessoal e científica


O Trabalho de Campo e seus Objetivos

Diante das peculiaridades da população do Alto Xingu, posto que seus habitantes aí vivem nas condições mais próximas possíveis daquelas vigentes na época do Descobrimento, foi elaborado um projeto de pesquisa com os seguintes objetivos:

1- Avaliar o estado nutricional das crianças índias; 2- Determinação do Hematócrito e 3- Prevalência de parasitoses intestinais.

Casuística

O trabalho de campo desenvolveu-se sempre na primeira quinzena do mês de julho durante três anos consecutivos, a saber: 1974-75-76. A época do ano foi fixada no mês de julho porque as condições climáticas nesta ocasião são bastante favoráveis à execução do projeto de pesquisa. O período de seca, que já se faz prolongado, o que costuma ocorrer desde o mês de março com o fim do período das chuvas, facilita a mobilidade no interior do PIX, tanto no que se refere ao deslocamento dos índios desde suas aldeias até o Posto Leonardo, como do próprio grupo médico em direção às aldeias. Nestas circunstâncias, o acesso às aldeias utilizando-se os meios de transporte disponíveis na região, seja o terrestre ou fluvial, encontram-se bastante favorecidos (Figuras 1-2-3-4-5-6-7-8-9-10).



Figura 1- Equipe médica se deslocando de barco no rio Xingu para trabalhar numa aldeia indígena. No primeiro plano estou eu, ao meu lado Prof. Mauro Morais, na ocasião ainda estudante de medicina e mais atrás, de costas, Prof. Baruzzi.


Figura 2- Desembarque da equipe médica em uma praia do rio Xingu para iniciar a caminhada em direção a uma aldeia.


Figura 3- Caminhada pela trilha aberta na mata tendo à frente Prof. Wagner Silvestrini.


Figura 4- Nossa equipe de trabalho acompanhada de alguns índios com o material de avaliação nutricional.


Figura 5- Uma parada na trilha para uma foto.



Figura 6- Equipe médica atravessando uma pinguela.



Figura 7- A- Chegada à aldeia Kuicuru; B- Nossa equipe com as crianças da aldeia. 


Figura 8- Fazendo ciência com técnica rústica adaptada ao trabalho de campo. Medindo a estatura.


Figura 9- Medindo o perímetro torácico.


Figura 10- Aproveitando o fim de tarde em uma praia do rio Kuluene, afluente do rio Xingu.

Ao final deste período haviam sido avaliadas 175 crianças, 97 do sexo masculino, com idade estimada igual ou inferior a 5 anos, pertencentes às tribos indígenas do Alto Xingu.

A avaliação da idade limite para inclusão na avaliação do estado nutricional foi realizada por meio do exame clínico da criança e do exame da arcada dentária, este último executado por odontólogo. Uma vez estabelecida a população a ser incluída no estudo não mais se utilizou a variável idade.

Tratou-se sempre, em cada ano do trabalho de campo, de incluir o maior número possível de crianças de cada tribo pertencente ao grupo etário pré-determinado. Para tanto, não somente foi solicitado o comparecimento dos índios ao Posto Leonardo (Figuras 11-12), como também a equipe médica realizou diversos deslocamentos até as aldeias. Em cada etapa do trabalho procurou-se não apenas incluir as crianças já avaliadas no ano anterior, mas também, aquelas nascidas nos 12 meses precedentes, bem como todas as crianças maiores de 1 ano e menores de 5 anos que, por quaisquer razões, não haviam sido examinadas no ano precedente. Tal procedimento possibilitou estabelecer uma análise transversal, correspondente a cada ano, identificando, em cada etapa do trabalho, um grupo de crianças que não havia sido incluído no ano ou nos anos precedentes. Ao mesmo tempo, tornou possível obter, ao final do estudo, uma avaliação longitudinal de um grupo de crianças.


Figura 11- Acampamento dos índios no Posto Leonardo.


Figura 12- Acampamento dos índios no Posto Leonardo à noite, aquecido pelas fogueiras.

Estudo Transversal
1974 – 79 crianças, 43 do sexo masculino; 1975 – 45 crianças, 27 do sexo masculino; 1976 – 51 crianças, 27 do sexo masculino.
Total: 175 crianças.

Estudo Longitudinal
3 anos consecutivos: 53 crianças, 26 do sexo masculino; 2 anos consecutivos: 46 crianças, 26 do sexo masculino; 2 anos alternados: 9 crianças, 7 do sexo masculino.
Total: 108 crianças.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (21)

A história da realização de um Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, Nova Iorque: pessoal e científica

O Projeto e a Elaboração da Tese de Doutorado


Levando-se em consideração as percepções do bem estar de saúde das crianças índias na primeira visita ao PIX, em dezembro de 1970, as quais foram reafirmadas nas visitas posteriores nos anos de 1971 e 1972, sob a orientação do Dr. Roberto Baruzzi, decidimos elaborar um projeto de pesquisa para avaliar de forma objetiva, utilizando métodos antropométricos cientificamente comprovados, o estado nutricional das crianças índias habitantes da região do Alto Xingu. Entretanto, naquela ocasião deparávamos com um obstáculo que à primeira vista parecia potencialmente intransponível, qual fosse, não dispor das idades das crianças, pois os índios não utilizam calendário, portanto, tampouco têm o hábito de registrar a data de nascimento dos seus filhos. Naqueles tempos primordiais das atividades assistenciais da EPM, que se iniciaram em 1965, devido às dificuldades de comunicação entre nossa cultura e a da população indígena, não havia sido criada ainda uma ficha de identificação suficientemente confiável para que pudesse ser adotada na realização de um trabalho científico. A execução deste projeto de pesquisa revelou de forma cabal e definitiva a importância de ser elaborado um controle de identificação rigoroso da população do PIX, o que, diga-se de passagem, de há muito tempo passou a ser feito com a devida acurácia. Portanto, este projeto de pesquisa não somente teve um cunho científico como também despertou a atenção para a necessidade de se realizar um inventário demográfico da população do PIX (Figuras 1–2–3-4-5).


 Figura 1- Prof. Baruzzi e eu no trabalho preliminar de identificação das crianças para serem incluídas no projeto de pesquisa.

Figura 2- Prof. Baruzzi e eu ao fim da identificação das crianças a serem incluídas no trabalho, tendo ao fundo o rio Tuatuari, afluente do rio Kuluene, que banha o Posto Leonardo.


Figura 3- Prof. Baruzzi fazendo o trabalho de identificação fotográfica de uma criança índia.

Figura 4- Ficha de identificação das crianças já na aldeia durante o trabalho de campo.

Figura 5- Vista aérea do trabalho de campo.


O fato que se apresentava era a possibilidade de se realizar um projeto de avaliação do estado nutricional de uma população nativa, vivendo praticamente nas mesmas condições que aquela verificada por ocasião do descobrimento do Brasil, em suma uma oportunidade absolutamente original. Aliás, vale ressaltar que, embora de forma meramente visual, este tipo de avaliação já havia sido feito por alguém que não era médico e sim escriba da expedição de Pedro Álvares Cabral. Trata-se de Pero Vaz Caminha que, em minha opinião, revelou-se ser o primeiro Nutrólogo de língua portuguesa que se tem notícia. Este fato ficou atestado em sua carta endereçada ao rei de Portugal, Dom Manoel “O Venturoso”, imediatamente após aqui desembarcar, conforme a transcrição que no quadro abaixo se pode ler: 


Suas impressões a respeito do estado nutricional dos nativos brasileiros também foram por mim confirmadas desde meus primeiros contatos com os índios do Alto Xingu (Figuras 6- 7-8-9-10-11-12).

Figura 6- Índios Kamaiurá em momento de festa na aldeia.

Figura 7- Tradicional festa do Kuarup. Notar a excelente forma física dos índios.

Figura 8- Dança tribal na festa do "Jawari", onde toda a aldeia participa ativamente.



Figura 9- Festa do "jawari".

Figura 10- Prof. Baruzzi, Tacuman (grande chefe Kamaiurá, considerado o maior pajé da região do alto Xingu) e eu na lagoa do Ipavu que banha a aldeia Kamaiurá.

Figura 11- Festa tribal em que se pode observar o excelente estado físico dos índios.


Figura 12- Lactente sorvendo o leite materno em excelente estado nutricional.

Entretanto, do ponto de vista científico apenas a impressão subjetiva de eutrofia não era aceitável, impunha-se uma investigação que preenchesse as exigências da ciência, porém, conforme anteriormente referido, não dispúnhamos do conhecimento da idade das crianças. Fui, então, em busca de auxílio entre os Nutrólogos, experts em matéria de avaliação do estado nutricional de populações, mas essa busca de ajuda resultou inútil, visto que todos os profissionais consultados apenas conheciam métodos antropométricos dependentes da idade exata. Diante deste dilema decidi fazer uma extensa pesquisa bibliográfica na esperança de encontrar uma solução para este impasse. Felizmente, após muito pesquisar encontrei uma série enorme de publicações, principalmente em populações africanas, que deparavam com os mesmos problemas por nós encontrados, e que, para contorná-los, adotavam métodos independentes da idade exata ou mesmo independentes da idade.

Basicamente, o primeiro tipo refere-se àquelas medidas que não necessitam do conhecimento exato da idade, relativamente ao mês ou semana, mas requerem uma classificação aproximada da idade, especialmente das crianças que se encontram dentro dos 2 primeiros anos de vida. Estas medidas se baseiam na avaliação de uma variável antropométrica que apresenta alteração gradual a cada ano de idade, ou então, relações corpóreas que se alteram com o decorrer dos anos.

Por outro lado, as medidas independentes da idade baseiam-se essencialmente em estabelecer relações entre um tecido nutricionalmente lábil e uma estrutura orgânica sobre a qual a desnutrição proteico-calórica possui efeito menos contundente, ou seja, são realizadas comparações entre medidas que se afetam pelas influências do meio ambiente, em particular a nutrição, com medidas que se encontram sob controle genético. Na prática, a adequação peso-estatura é o melhor indicador para a avaliação do estado nutricional, porém esta relação ao ignorar a idade da criança permite avaliar o estado nutricional atual do indivíduo, ou seja, se existe naquele momento uma adequação do peso em relação à estatura, mas não permite afirmar uma possível existência de desnutrição no passado. Em outras palavras, pode-se verificar a existência de uma adequação atual do peso em relação à estatura, mas não possibilita a análise retrospectiva do estado nutricional do indivíduo, isto é, torna impossível saber se sua estatura está adequada à idade cronológica. Portanto, não permite descartar a ocorrência de nanismo nutricional.

O conhecimento da idade exata da criança permite estabelecer a diferenciação entre desnutrição aguda (peso inferior ao esperado para a idade e estatura adequada para a idade) e desnutrição pregressa, de longa duração (peso adequado à estatura, porém ambas as medidas inferiores à normalidade para a idade), ainda mais, reconhecer a existência da associação de desnutrição atual com pregressa. Para poder contornar a possível ocorrência deste viés decidimos realizar a avaliação do estado nutricional das crianças durante 3 anos consecutivos, sempre na mesma época do ano (julho), para evitar possíveis influências sazonais sobre a variável a ser investigada. 

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (20)

A história da realização de um Pós-Doutorado no North Shore University Hospital, Cornell University, Nova Iorque: pessoal e científica

Parque Indígena do Xingu (PIX)

Conceito de Doença e Medicina Indígena

A cultura Xinguana explica a ocorrência das doenças como uma consequência da culpa coletiva da comunidade, ou devido à atuação de um feiticeiro. A culpa coletiva ou a intervenção do feiticeiro estão sempre relacionadas a um desiquilíbrio social, e a doença surge como decorrência de uma falha do corpo humano produzida por um fator sobrenatural. Apenas algumas doenças trazidas pelos caraíbas (homem branco) como a gripe e o sarampo, escapam a essas explicações, doenças essas, portanto, que necessitam serem tratadas pelos remédios dos caraíbas. As outras doenças são curadas pela medicina indígena tradicional pela atuação do pajé. O pajé é o chefe espiritual da comunidade e a população indígena lhe atribui a capacidade de curar as doenças provocadas pela influência dos espíritos.

A Escola Paulista de Medicina (EPM) e o Parque Indígena do Xingu (PIX) 

Em 1965, o Instituto de Medicina Preventiva da EPM firmou um convênio com o PIX com a finalidade básica de prestar assistência à saúde aos índios da região. Equipes de saúde passaram a visitar o PIX em diversas épocas do ano tendo por base os seguintes objetivos principais:

a)  Levantamento das condições da saúde do índio;
b) Aplicação de medidas médico-profiláticas necessárias para a preservação da saúde dos índios, tendo como retaguarda de internação o Hospital São Paulo, e a colaboração dos inúmeros departamentos da EPM. Há vários anos um grupo odontológico também passou a fazer parte das equipes de saúde;
c)  Realizar, na área do PIX, pesquisas de interesse médico-científico.

Em apoio a esse programa de ação, a direção do PIX prontificou-se a facilitar os trabalhos das equipes da EPM por meio da facilitação das relações com a comunidade indígena, colocando à disposição alojamentos e instalações para laboratórios, bem como oferecer facilidades de transporte do interior do PIX.

O levantamento das condições de saúde dos índios inicialmente compreendeu o cadastramento de toda a população, utilizando-se para tal, uma ficha padrão individual (Figura 25).

 Figura 25- Elaboração da ficha cadastral da população indígena.  


O intuito dessa ficha foi o de obter informações as mais confiáveis possíveis sobre o estado de saúde de cada indivíduo, assim como registrar as vacinações realizadas (antivariólica, sarampo, BCG intradérmico, Sabin e tríplice) (Figura 26).

Figura 26- Imunização da população infantil.
  
Para se obter mais facilidade de identificação, cada ficha incluía uma fotografia e um respectivo número o que permitiu ao longo das atividades contornar as dificuldades decorrentes da mudança do nome do índio, fato que ocorre com relativa frequência (Figura 27).   

Figura 27-  Trabalho de identificação fotográfica da população indígena.