Minha trajetória
na carreira Acadêmica na Escola Paulista de Medicina (EPM) – Parte 1
1- A evolução
funcional dentro da carreira acadêmica
Quando decidi ir
para Buenos-Aires fazer meu 3º ano de
Residência Médica, foi um salto no escuro, não tinha qualquer tipo de promessa
de que no meu retorno poderia vir a ser contratado pelo Departamento de
Pediatria, fato que muito desejava, posto que tinha todo interesse em seguir a
carreira acadêmica. Porém, foi uma decisão unilateral, tinha entendido que para
atingir meu objetivo seria necessário fazer algo distinto do rotineiro, era
preciso criar uma mudança de paradigma, pois com este tipo de atitude teria a
oportunidade de me tornar um agregador de valores, o que se constituiria em um
diferencial em relação aos meus pares da mesma geração, e assim, quem sabe,
despertar o interesse pela minha contratação. O Departamento de Pediatria
estava com sua lotação praticamente completa dentro do quadro de docentes da
EPM. Naquela época não havia uma perspectiva definida para a abertura de novo concurso
para ingresso no magistério federal a médio prazo, portanto, além de querer
diferenciar-me profissionalmente, qualificando-me na busca da excelência na
especialidade ainda totalmente incipiente no nosso meio, valia a pena correr o
risco na expectativa de que algo de positivo viesse a ocorrer. De fato, foi o
que se sucedeu, pois quando Prof. Azarias foi me visitar em Buenos-Aires durante
minha estada, já mais para o final da mesma, ouviu referências muito elogias do
Dr. Toccalino a meu respeito, o que aplainou o terreno para convencer Prof.
Azarias sobre a importância da minha contratação, a qual ocorreu imediatamente
após o meu retorno em 1974, pelo Centro de Estudos de Pediatria da Escola
Paulista. Para minha felicidade já em 1975 foi aberto concurso público para
Professor Auxiliar ao qual me apresentei, fui aprovado, e assim começava a
tornar realidade o almejado sonho de seguir a carreira de professor
universitário. A partir deste ponto inicial fui gradualmente ascendendo, sempre
por meio de concursos públicos, na progressão funcional, inicialmente para
Professor Assistente, posteriormente para Professor Adjunto, e, para finalmente
alcançar o topo da carreira, em 1988, aos 44 anos de idade, como Professor
Titular. Vale assinalar que esta era a segunda vez que eu havia prestado concurso
para Professor Titular, na primeira delas, em 1982, aos 38 anos de idade,
concorri com meu colega e amigo Calil Kairalla Farharat, que venceu o concurso
com nota 9,92, enquanto eu obtive nota 9,88 (Figura 1).
Figura 1- Calil ladeado à sua direita pela
sua mulher René e à esquerda por minha mulher Eurídice. Logo após o concurso para Professor
Titular, do qual ele sagrou-se vencedor, nós fomos convidados a participar de
um evento da Sociedade Brasileira de Pediatria para dar cursos de atualização
em Pediatria em várias cidades do Nordeste do país durante 2 semanas seguidas,
ministrando palestras cada um em sua respectiva especialidade.
No segundo concurso fui aprovado com nota
10,0 por todos os 5 examinadores da banca constituída exclusivamente por
Professores Titulares, sendo que 3 deles pertenciam a outras prestigiosas instituições
universitárias (Figuras 2-3).
Figuras 2-3- Cerimônia de posse de
Professor Titular, em 1988. Acima Prof. Benjamin Kopelman faz o discurso de
saudação a mim e abaixo Professor Nader Wafae, então Diretor da EPM, faz a
colocação do símbolo da titularidade.
2- A formação da Disciplina de
Gastroenterologia Pediátrica: sua progressiva e sólida expansão
Logo após meu retorno de Buenos-Aires
contando com o entusiasmo incontido e apoio incondicional do Prof. Jamal Wehba,
e com a autorização do Departamento de Pediatria, criamos inicialmente o Setor
de Gastroenterologia Pediátrica, que alguns anos mais tarde, pelo
reconhecimento da instituição quanto à nossa excelente qualidade, fez jus a ser
promovido a Disciplina. Ato seguinte, tratamos de colocar em prática, sempre de
comum acordo, e após amplas discussões, todos os planos elaborados para a
consolidação de um Setor cujo eixo fundamental de apoio deveria estar centrado
em um trabalho de equipe. Foi, então, celebrado entre nós um modo de vida
baseado acima de tudo no respeito recíproco das opiniões emitidas e que todos
os pontos de possíveis divergências seriam discutidos à exaustão até o
surgimento de um consenso, para que as soluções dos problemas resultassem de comum
acordo. Assumimos naquela oportunidade um compromisso formal quanto ao nosso
porvir, as responsabilidades pelo sucesso ou pelo fracasso seriam, pois,
igualmente repartidas. Caso conseguíssemos levar adiante nossos ideais, ambos
triunfaríamos, caso contrário teríamos também que dividir com a mesma
responsabilidade o ônus do fracasso. Movidos por estes princípios que nortearam
nosso comportamento desde os primórdios tratamos de forjar algo palpável do
qual pudéssemos nos orgulhar no futuro. Estaríamos, assim, contribuindo de
maneira altamente positiva para uma melhor formação dos nossos alunos, construindo
bases para adquirir tradição em pesquisa e criando condições para oferecer
assistência de alta qualidade. Na verdade, nosso primeiro investimento foi com
a assistência, a partir da criação de um Ambulatório de Gastroenterologia que
oferecia atendimento clínico e investigação laboratorial especializada, por
meio da realização dos principais testes diagnósticos disponíveis à época, os
quais rapidamente tratamos de colocar em prática com a inestimável colaboração
do Prof. Nelson Machado, inclusive procedimentos de biópsia do intestino
delgado, retal e hepática, cuja análise anatomopatológica sempre esteve a cargo
da Profa. Francy Reis Patrício. Semanalmente eu me reunia com a Profa. Francy
para fazer a revisão das lâminas das biópsias realizadas e buscar estabelecer
uma relação clínico-patológica dos pacientes atendidos. Vale ressaltar que esta
associação perdurou por mais de 30 anos, sendo muito profícua e que serviu como
fonte inesgotável de produção científica de excelente qualidade. Além disso,
também se constituiu em material de ensino de altíssima valia para nossos
médicos residentes e especializandos, posto que nos reuníamos em sessões semanais
para discussões anátomo-clínicas extremamente proveitosas.
Seguindo nossos
preceitos básicos as atividades de pesquisa e ensino, além da assistencial, receberam
cuidado especial desde os primórdios. Inicialmente o ensino esteve mais
dirigido para nossos alunos de graduação do 4º e 6º anos,
e para os médicos residentes da EPM. No plano da pesquisa, no princípio, nossos
interesses se voltaram para a investigação clínica, a partir da experiência
acumulada e devidamente analisada dos pacientes por nós atendidos no Ambulatório
da especialidade e daqueles internados no Setor de Gastroenterologia Pediátrica
do Hospital São Paulo (Figura 4).
Figura 4- Jamal
ao centro, Elisabete Kawakami recém incorporada ao grupo e eu nos primórdios da
nossa Disciplina. A comprovação
definitiva de que as linhas mestras traçadas, que serviram de orientação para o
funcionamento do nosso Setor, haviam sido, acertadas foi selada durante a
realização dos Congressos Pediátricos, em 1975, em São Paulo. Naquele evento
tivemos a oportunidade de apresentar alguns trabalhos nas sessões de Temas
Livres, e que representavam os primeiros frutos colhidos em prazo de tempo
inferior a 2 anos do início das nossas atividades no Setor recém constituído
(Figura 5).
Figura 5- O
Congresso Internacional de Pediatria de 1975, realizado no Pavilhão do Anhembi
foi o marco inicial da nossa produção científica. Da esquerda para a direita, a
Silvana, Eurídice, eu, Jorge Ortiz, Mairon Lima, Ricardo Licastro, Horácio
Toccalino e Sérgio Reppeto.
O primeiro marco
havia sido alcançado, mas era apenas o começo de uma longa caminhada, era
necessário seguir avançando. As prioridades básicas haviam sido supridas,
podíamos, assim, partir agora para alçar outros voos mais ambiciosos.
Tornava-se imperioso expandir nossas fronteiras, isto significava a abertura do
nosso Setor para o treinamento na especialidade, estávamos escalando o primeiro
degrau da excelência ao admitirmos especializandos, ao oferecer um programa de
especialização para médicos que haviam completado a residência em Pediatria
Geral. Pouco a pouco foram chegando os primeiros interessados em aprimorar seus
conhecimentos, e em curto espaço de tempo já se fazia necessário realizar um
verdadeiro concurso para limitar o corpo de especializandos, porque a grande afluência
de candidatos começou a suplantar nossa capacidade de oferecer um programa de
ótima qualidade. Passamos a reservar uma parte das vagas aos interessados que
eram oriundos da nossa própria instituição e uma outra parte para aqueles que
se apresentavam de outras instituições fossem de São Paulo ou de outros Estados
do país (Figuras 6-7-8-9-10-11).
Figuras 6-7-8-
Nossos diversos Especializandos ao longo dos anos na sede da nossa Disciplina.
Figuras 9-10-
Nossos Especializandos e amigos do Brasil e de Portugal em um dos churrascos de
confraternização que costumeiramente organizávamos em nossa Clínica.
Figura 11-
Nossos especializandos e amigos ao participar de um dos Congressos da LASPGHAN
em Buenos Aires em 1984.
Com o decorrer dos
anos, médicos de praticamente todas as regiões do país vieram a se formar no
nosso programa de especialização, e, inclusive, muitos deles aqui permaneceram por
tempo mais prolongado para realizar os cursos de Mestrado e Doutorado, antes de
retornarem aos seus locais de origem (Figuras 12-13-14).
Figura 12- Dras.
Maria Ceci (Fortaleza) e Rosa Helena (Belém) que fizeram a especialização
conosco e aqui permaneceram para realizar os cursos de Mestrado e Doutorado
antes de retornar às suas origens.
Figura 13- Dra.
Arelis LLeras à minha direita oriunda de Maracaibo, Venezuela, com sua família
em visita a São Paulo depois de muitos anos de aqui ter vivido para realizar
conosco seu curso de Mestrado e Doutorado. Trabalhou comigo na Favela Cidade
Leonor coletando amostras de fezes de crianças com e sem diarreia para pesquisa
de agentes enteropatogênicos. Foi uma pesquisa extremamente importante que fez parte
de um capítulo para desvendarmos a história natural da Enteropatia Ambiental.
Figura 14- Dra.
Fátima Lindoso, natural de Recife, fez o curso de especialização e em seguida
realizou os cursos de Mestrado e Doutorado sob minha orientação. Seus trabalhos
na Favela Cidade Leonor promovendo o aleitamento natural exclusivo por tempo
prolongado demonstraram cabalmente a excepcional importância dessa prática em
populações socialmente vulneráveis. Atualmente Fátima é Professora Titular do
Departamento de Pediatria e Diretora da Faculdade de Medicina da Universidade
Federal de Goiás.