Minha trajetória
na carreira Acadêmica na Escola Paulista de Medicina (EPM) – Parte 4
A inédita experiência vivenciada no trabalho de campo na Favela Cidade Leonor (1)
A partir das pesquisas realizadas nesta localidade resultou a descrição da Enteropatia Ambiental, a qual se tornou universalmente reconhecida na comunidade científica.
Desde o início das atividades na nossa especialidade, nos anos 1970, o problema mais grave de saúde pública nos países chamados subdesenvolvidos, aí incluído o Brasil e praticamente todos os países da América Latina, em maior ou menor extensão, dizia respeito ao terrível binômio Diarreia-Desnutrição, responsável pelas altíssimas taxas de mortalidade infantil, bem como naquelas crianças menores de 5 anos. Tanto no nosso Ambulatório quanto na nossa Enfermaria de Pediatria do Hospital São Paulo, aonde eram internados os casos mais graves, a imensa maioria dos pacientes por nós atendidos, lactentes menores de 1 ano idade, apresentava queixa de diarreia crônica sempre acompanhada de algum grau de desnutrição, inclusive marasmo era bastante frequente ser observado. Por maiores que fossem nossos esforços para tratar adequadamente estes pacientes, esbarrávamos a miúde em um obstáculo praticamente intransponível, a persistência da diarreia associada à desnutrição. Naquela ocasião, por coincidência, começavam a surgir na literatura médica as primeiras publicações descrevendo as intolerâncias alimentares, em especial as intolerâncias aos carboidratos da dieta, mais especificamente a intolerância à lactose, que cursavam com diarreia crônica. Estas intolerâncias eram mais prevalentes em lactentes e crianças de baixa idade e acarretavam também agravo nutricional de variável intensidade, mas geralmente ocorriam em famílias de baixo poder econômico vivendo em condições desprovidas de saneamento básico e ausência de água potável. Todas estas particularidades eram idênticas a aquelas vistas em nossos pacientes, o que nos dava uma perspectiva de oferecer um tratamento dietético apropriado para superar o problema. Quando os pacientes encontravam-se internados conseguíamos debelar o processo diarreico e dar alta hospitalar com a prescrição de uma dieta especialmente por nós elaborada, a denominada Fórmula de Frango, composta por uma mistura de carne de frango, óleo de milho, glicose, polivitamínicos e Cálcio, visto que ainda não existiam no mercado brasileiro as fórmulas especiais atualmente disponíveis. Esta dieta era prescrita no momento da alta e os pacientes eram encaminhados para nosso Ambulatório de ex-internados, totalmente assintomáticos, para acompanhamento clínico da recuperação nutricional. Porém, para nossa surpresa, porque não dizer frustração, eles retornavam a miúde com a mesma queixa anterior, ou seja, diarreia associada a desnutrição. Diante desta nua e crua realidade decidimos por uma completa mudança de atitude, pois como não era possível obter o sucesso desejado pela forma que vínhamos atuando, em um número significativo de pacientes, invertemos a situação, em vez de continuarmos atendendo no nosso Ambulatório, fui ao encontro aonde eles viviam, teria que conhecer com riqueza de detalhes as condições de vida da nossa clientela. Era preciso travar contato direto com suas dificuldades, seus anseios, seus usos e costumes, enfim tínhamos que aprender uma nova forma de nos relacionar com nossos pacientes, era preciso mudar a velha atitude contemplativa, aonde o Serviço de Saúde funcionava como centro de referência para acolher a clientela. Tornava-se fundamental, portanto, conhecer o habitat natural dos nossos pacientes para melhor entender toda sua problemática de vida; mudávamos, assim, um conceito tradicional da Medicina, iríamos passar a oferecer aos pacientes o que poderia ser o melhor para eles dentro das suas realidades de vida e das condições do seu meio ambiente.
De fato no início de 1981 esta oportunidade se ofereceu por inteiro. Como a maioria dos nossos pacientes era proveniente da zona sul de São Paulo, e vivia em condições precárias, com alto grau de insalubridade ambiental, em um encontro casual com o Sub-Prefeito da Vila Mariana, sr. Armando Borges de quem era um antigo amigo, comentei a nossa constante frustração quanto aos insucessos terapêuticos em relação aos nossos pacientes. Ele comentou sobre a existência de uma grande favela localizada próxima ao aeroporto de Congonhas denominada Cidade Leonor que poderia vir a ser um campo avançado de trabalho caso viesse a ser do meu interesse. Fui então com ele conhecer o local para avaliar a possibilidade de efetivamente desenvolver ali as atividades de campo que havíamos imaginado. A favela Cidade Leonor foi erguida às margens do córrego da Água Espraiada na década de 1940, em uma área da municipalidade denominada de fundo de vale, tem uma extensão aproximada de 3 km, desde a rua Califórnia até a rua Pedro Bueno, aonde atualmente está construída a Avenida Roberto Marinho, no bairro de Santa Catarina. O córrego da Água Espraiada nasce na região do ABCD paulista e percorre uma longa distância até desaguar no rio Pinheiros na região do Brooklin, entre as pontes do Morumbi e a Estaiada (Figuras 1-2).
A inédita experiência vivenciada no trabalho de campo na Favela Cidade Leonor (1)
A partir das pesquisas realizadas nesta localidade resultou a descrição da Enteropatia Ambiental, a qual se tornou universalmente reconhecida na comunidade científica.
Desde o início das atividades na nossa especialidade, nos anos 1970, o problema mais grave de saúde pública nos países chamados subdesenvolvidos, aí incluído o Brasil e praticamente todos os países da América Latina, em maior ou menor extensão, dizia respeito ao terrível binômio Diarreia-Desnutrição, responsável pelas altíssimas taxas de mortalidade infantil, bem como naquelas crianças menores de 5 anos. Tanto no nosso Ambulatório quanto na nossa Enfermaria de Pediatria do Hospital São Paulo, aonde eram internados os casos mais graves, a imensa maioria dos pacientes por nós atendidos, lactentes menores de 1 ano idade, apresentava queixa de diarreia crônica sempre acompanhada de algum grau de desnutrição, inclusive marasmo era bastante frequente ser observado. Por maiores que fossem nossos esforços para tratar adequadamente estes pacientes, esbarrávamos a miúde em um obstáculo praticamente intransponível, a persistência da diarreia associada à desnutrição. Naquela ocasião, por coincidência, começavam a surgir na literatura médica as primeiras publicações descrevendo as intolerâncias alimentares, em especial as intolerâncias aos carboidratos da dieta, mais especificamente a intolerância à lactose, que cursavam com diarreia crônica. Estas intolerâncias eram mais prevalentes em lactentes e crianças de baixa idade e acarretavam também agravo nutricional de variável intensidade, mas geralmente ocorriam em famílias de baixo poder econômico vivendo em condições desprovidas de saneamento básico e ausência de água potável. Todas estas particularidades eram idênticas a aquelas vistas em nossos pacientes, o que nos dava uma perspectiva de oferecer um tratamento dietético apropriado para superar o problema. Quando os pacientes encontravam-se internados conseguíamos debelar o processo diarreico e dar alta hospitalar com a prescrição de uma dieta especialmente por nós elaborada, a denominada Fórmula de Frango, composta por uma mistura de carne de frango, óleo de milho, glicose, polivitamínicos e Cálcio, visto que ainda não existiam no mercado brasileiro as fórmulas especiais atualmente disponíveis. Esta dieta era prescrita no momento da alta e os pacientes eram encaminhados para nosso Ambulatório de ex-internados, totalmente assintomáticos, para acompanhamento clínico da recuperação nutricional. Porém, para nossa surpresa, porque não dizer frustração, eles retornavam a miúde com a mesma queixa anterior, ou seja, diarreia associada a desnutrição. Diante desta nua e crua realidade decidimos por uma completa mudança de atitude, pois como não era possível obter o sucesso desejado pela forma que vínhamos atuando, em um número significativo de pacientes, invertemos a situação, em vez de continuarmos atendendo no nosso Ambulatório, fui ao encontro aonde eles viviam, teria que conhecer com riqueza de detalhes as condições de vida da nossa clientela. Era preciso travar contato direto com suas dificuldades, seus anseios, seus usos e costumes, enfim tínhamos que aprender uma nova forma de nos relacionar com nossos pacientes, era preciso mudar a velha atitude contemplativa, aonde o Serviço de Saúde funcionava como centro de referência para acolher a clientela. Tornava-se fundamental, portanto, conhecer o habitat natural dos nossos pacientes para melhor entender toda sua problemática de vida; mudávamos, assim, um conceito tradicional da Medicina, iríamos passar a oferecer aos pacientes o que poderia ser o melhor para eles dentro das suas realidades de vida e das condições do seu meio ambiente.
De fato no início de 1981 esta oportunidade se ofereceu por inteiro. Como a maioria dos nossos pacientes era proveniente da zona sul de São Paulo, e vivia em condições precárias, com alto grau de insalubridade ambiental, em um encontro casual com o Sub-Prefeito da Vila Mariana, sr. Armando Borges de quem era um antigo amigo, comentei a nossa constante frustração quanto aos insucessos terapêuticos em relação aos nossos pacientes. Ele comentou sobre a existência de uma grande favela localizada próxima ao aeroporto de Congonhas denominada Cidade Leonor que poderia vir a ser um campo avançado de trabalho caso viesse a ser do meu interesse. Fui então com ele conhecer o local para avaliar a possibilidade de efetivamente desenvolver ali as atividades de campo que havíamos imaginado. A favela Cidade Leonor foi erguida às margens do córrego da Água Espraiada na década de 1940, em uma área da municipalidade denominada de fundo de vale, tem uma extensão aproximada de 3 km, desde a rua Califórnia até a rua Pedro Bueno, aonde atualmente está construída a Avenida Roberto Marinho, no bairro de Santa Catarina. O córrego da Água Espraiada nasce na região do ABCD paulista e percorre uma longa distância até desaguar no rio Pinheiros na região do Brooklin, entre as pontes do Morumbi e a Estaiada (Figuras 1-2).
A favela Cidade Leonor é constituída pela construção de barracos erguidos em ambas as margens do córrego e se estendem ao longo do mesmo, constituindo contornos irregulares que chegam a se expandir lateralmente por cerca de 50 metros das suas margens. Seus limites, no entanto, são contidos pela existência de casas residenciais construídas em áreas urbanizadas providas de saneamento básico. O tamanho dos barracos é variável, medindo cerca de 3x4 metros, em sua maioria são construídos de madeira ou em alvenaria proveniente de restos de construção, pelos próprios moradores. O teto é geralmente coberto com telhas Brasilit, o chão, em algumas casas é cimentado, mas na maioria delas é de terra batida. Usualmente o interior do barraco é dividido em 2 cômodos e, para tal, os moradores costumam utilizar algum mobiliário (Figuras 3-4-5).
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