segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Minha História de vida e minha História vivida na EPM/UNIFESP (3)

3- O exame vestibular e o ingresso na Escola Paulista de Medicina

Quando da escolha de qual Faculdade de Medicina a ser cursada, a maioria dos vestibulandos, eu inclusive, na década de 1960, tinha como primeiro desejo ingressar na Pinheiros (assim era conhecida no meio estudantil a Faculdade de Medicina da USP) e logo a seguir vinha a Escola Paulista de Medicina (EPM), depois as demais que eram poucas, naquela época, no estado de São Paulo. Por esta razão o número de vagas era bastante exíguo e a disputa entre os vestibulandos era muito acirrada porque o número de concorrentes por vaga era extremamente alto. Este fato fazia com que o ingresso direto, ou seja, no primeiro vestibular aos recém saídos do curso científico, fosse considerada uma verdadeira proeza, na imensa maioria das vezes era necessário realizar pelo menos um ano de “Cursinho”.

Comigo não foi diferente, terminei o curso científico no Colégio Bandeirantes em 1963 (Figura 1 e 2) e este foi o ano do primeiro vestibular que prestei. 

Figura 1- Jantar de Formatura do Científico, estou no centro da foto.

Figura 2- Jantar de Formatura do Científico, da esquerda para a direita em segundo plano.

Naquele ano os exames eram totalmente independentes para cada faculdade, em algumas ocasiões inclusive as datas coincidiam, o que obrigava ao vestibulando eleger entre uma ou outra faculdade. Por esta razão vivia-se uma verdadeira maratona, prestei exames em Campinas, Sorocaba, Pinheiros, Santa Casa e Paulista, os quais começaram em Dezembro de 1963 e foram até Março de 1964. Como era recém saído do científico não consegui ser aprovado em nenhuma faculdade. Para não fugir à regra, em 1964 tive que fazer o “Cursinho”, no caso, entre os poucos existentes, foi o Nove de Julho, que se situava na Praça da Liberdade. Apesar de todas as turbulências políticas em que  o país se viu envolvido com o golpe militar, me mantive submerso no firme desejo de ser aprovado no vestibular; para obter o êxito pretendido me propus uma disciplina férrea de estudo, abandonei todas as minhas atividades sociais e esportivas, dediquei-me com total afinco às matérias que faziam parte dos exames durante todo o ano de forma diuturna.  

Vale dizer que o sacrifício a que me submeti foi plenamente recompensado, posto que, logo no primeiro exame em 1965, o da Santa Casa, que era isolado, fui aprovado em décimo–terceiro lugar. Em seguida viria pela primeira vez o exame do CECEM, que pela primeira vez foi unificado, e envolvia praticamente todas as faculdades públicas, estaduais e federal. Neste exame minha primeira opção foi a USP e a segunda foi a Paulista. Fiquei colocado entre 100 e 200, 112. Desta forma, fui aprovado na EPM. Foi até certo ponto frustrante não ter conseguido entrar na USP, pois ela era a referência no estado, e principalmente porque eu havia sido aprovado logo no primeiro vestibular, pois havia sido bem classificado no exame da Santa Casa. A expectativa era que conseguiria entrar na USP, porém, acho que acabei entrando na EPM porque mesmo sem referências especiais, as minhas relações com ela eram por coincidência do destino muito antigas, tinha que ser a EPM. Como morava em frente ao Instituto Biológico, desde pequeno assistia do terraço da minha casa o trote dos calouros da EPM que era feito na piscina de lá; sistematicamente no começo do ano, durante muitos anos seguidos, via chegando a pé um grupo de gente seminua com o corpo todo pintado, vinham felizes da vida, cantando, gargalhando acompanhados por um grupo menor de pessoas vestindo jaleco branco, que gritava palavras de ordem, eles eram os veteranos que no ano anterior haviam passado pelo mesmo batismo da iniciação, agora era a vez da desforra.  Eles conduziam os calouros como se fossem uma manada para dar um mergulho nas piscinas que ficam no jardim de frente do Instituto Biológico (Figura 3–4 e 5). 

Figura 3- Vista aérea da construção do Instituto Biológico em 1940. A casa dos meus pais, a partir da esquina da rua Morgado de mateus) é o terceiro telhado da direita para a esquerda e a dos meus avós a quarta.

Figura 4- Vista aérea do Instituto Biológico já completamente construido e ainda sem as grades externas de proteção. Notar as 2 piscinas aonde os calouros da EPM vinham nadar durante o trote. O telhado da casa dos meus pais é o terceiro da direita para a esquerda e o casa dos meus avós o quarto.

Figura 5- Vista do Instituto Biológico do plano da rua.

Depois do banho de piscina muitos calouros vinham se lavar em uma torneira que ficava no portão de entrada da minha casa; toda aquela algazarra me chamava a atenção, eu ia para o terraço sobre a garagem, que dava para a rua, e, de lá como espectador privilegiado, ficava observando aquela bagunça, porém sem entender bem que coisa mais estranha era aquela. Além disto, quando eu ainda estudava no Liceu Pasteur, no curso primário, tinha cinco, seis anos de idade, muitos calouros levados pelos veteranos, como se fossem cachorros (pois vinham amarrados com uma corda atada no pescoço), iam até lá dar uma volta pelas redondezas da rua Mairinque (o Liceu Pasteur se situa a algumas poucas quadras da EPM). Mais ainda, também havia tido uma relação com o Hospital São Paulo quando tinha uns dez anos de idade. Uma noite, brincando com minha irmã, em nossa casa, para ver quem conseguia quebrar o dedo do outro, na primeira tentativa quebrei o dedo dela. Fiquei com um tremendo sentimento de culpa, pois ela chorava inconsolavelmente, e, assim imediatamente saímos para o Hospital São Paulo, que se situava muito próximo da nossa casa; em lá chegando fomos atendidos pelo Dr. Waldemar Carvalho Pinto, docente de plantão, que era um jovem professor de Ortopedia. Essas são referências físicas muito marcantes por mim vivenciadas, porém há uma outra, esta de origem familiar, por mim herdada. Ela diz respeito aos meus antepassados, pois parte da área aonde está situada a EPM compreendia as terras da família, os Fagundes; reza a história que os Fagundes se estabeleceram nesta área há muito tempo. Por mera casualidade há alguns anos em visita ao museu Afro–Brasil pude comprovar que, no mapa da cidade de São Paulo, dos anos 1800, havia a chácara dos Fagundes, propriedade do meu tataravô João Fagundes, transmitida aos seus herdeiros Alfredo (meu bisavô), Arthur e Feliciano Fagundes, que se estendia desde a Liberdade até onde hoje é a região do Jabaquara (Figuras 6 e 7).


Figura 6- Mapa da cidade de São Paulo no século XVIII mostrando as terras dos Fagundes, abrangendo desde a Liberdade até o Jabaquara.

Figura 7- Mapa mais detalhado das terras dos Fagundes.

Quando entrei na Paulista, o trote foi suave porque sabiam que eu era esportista, era uma Escola pequena, só 600 alunos e nós disputávamos campeonatos importantes, tais como a Pauli–Poli, Pauli-Med, os campeonatos da FUPE, e mais posteriormente a Intermed (iniciou a ser disputada em 1967 e se tornou em pouco tempo na maior competição universitária da América Latina). Por esta razão, quando um esportista ingressava na EPM este fato era muito celebrado. No meu caso havia ainda um motivo a mais porque eu praticava três esportes (futebol, futebol de salão e voleibol), o que representava um valor agregado muito grande para as competições esportivas (Figuras 8 e 9). 

Figura 8- Foto da Intermed de Botucatú de 1969 vencida pela EPM. Nosso time de futebol foi vencedor, estou ladeado por 2 colegas de turma, à esquerda Sérgio Birigui e à direita Fernando Fernandes. 

Figura 9- Foto da decisão do voleibol da Intermed de 1970, em Santos, vencida pela EPM. Estou atacando contra o bloqueio da USP. 

Além disto na minha turma entraram vários esportistas, muito bons, inclusive um deles havia sido campeão mundial de basquete, Luis Cláudio Menon (Figura 10), enfim nossa turma passou a contribuir com excelentes esportistas para participar das futuras competições universitárias.

Figura 10- Foto do time de basquete durante a Intermed de 1970, vencida pela EPM. Menon é mais alto em pé.

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