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Estudante
de Medicina na Escola Paulista de Medicina
4.1- Vida Acadêmica
Um muito breve resumo, a EPM foi fundada em
1933, tratava-se de uma Faculdade de Medicina privada, porém, sem fins
lucrativos e que apresentava uma característica muito peculiar, praticamente
inédita, pois os professores ao invés de receberem salário, pagavam para dar
aulas, pois era preciso levar adiante este ideal, era um imenso e custoso desafio
que se apresentava. A primeira sede da EPM foi uma pequena casa que se
localizava no bairro da Vila Mariana, na esquina da rua Abílio Soares com a rua
Coronel Oscar Porto (Figura 1), que já não existe mais.
Figura 1- Primeira sede da EPM, 1933.
Em fins de 1930 a sede
mudou-se para seu local definitivo na Vila Clementino, rua Botucatu 740 (Figuras 2 - 3 & 4).
Figura 2- A sede definitiva da EPM, foto de 1936.
Figuras 3 e 4- Fotos atuais da sede da EPM.
Devido aos eternos problemas financeiros por que passava, a EPM foi
federalizada em 1956, e posteriormente em 1994 foi transformada por lei federal
na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Em 1940 foi construído o
Hospital São Paulo que se constituiu no primeiro hospital de ensino do país e
em 1957 foi instituído o programa da Residência Médica, também um dos pioneiros
em nosso país (Figura 5).
Figura 5- Vista aérea do PS do HSP e do prédio do HSP à esquerda.
Terminada a euforia do ingresso na vida
universitária passamos a conviver com a dura realidade do programa curricular
do curso de Medicina. A ilusão de que já éramos quase médicos e que
começaríamos a entrar em contato com pacientes rapidamente se dissipou, pois
tivemos que passar a conviver com as Disciplinas chamadas da área básica, ou
seja, Anatomia, Histologia, Bioestatística, Farmacologia, Biofísica, Bioquímica,
Anatomia Patológica, Microbiologia, Imunologia, Parasitologia, etc. Em
contrapartida tivemos a oportunidade de conviver com fantásticos professores,
frequentar laboratórios de pesquisa da mais alta qualidade, ter à nossa inteira
disposição a mais completa biblioteca da área da saúde da América Latina, a
Bireme, financiada pela Organização Pan-Americana da Saúde, localizada dentro
do campus em um edifício recém
construído para tal escopo (Figura 6).
Figura 6- Fachada lateral da BIREME.
O professor que se tornou nosso primeiro
amigo foi o jovem professor José Carlos Prates (na década de 1970 tornou-se
Diretor da EPM), da Anatomia, que era assistente do professor catedrático
Renato Locchi, um austero senhor que havia sido discípulo de um famoso
anatomista italiano que veio trabalhar na USP na década de 1940, Alfonso
Bovero. Prates nos defendia dos tradicionais banhos de fim de tarde que os
veteranos nos aplicavam. Eles ficavam esperando o fim da prática de Anatomia e
nos encurralavam na saída do laboratório para jogar água nos calouros, era uma
prática diária que ia até o mês de maio (libertação da escravatura). Muitas
vezes para tentar nos proteger Prates saia na frente imaginando que seria
respeitado pelos veteranos, porém, esta tática nem sempre dava certo e inúmeras
vezes ele foi o primeiro a levar uns baldes de água na cabeça. Na Histologia
sofríamos por ter que desenhar as estruturas dos tecidos do organismo humano
vistas nos microscópios e sermos cobrados porque as reproduções desenhadas nem
de longe refletiam o que as lâminas nos mostravam. O chefe da cadeira era o
Prof. Nilceu Marques de Castro, havia se formado na primeira turma da EPM em
1933, tinha um orgulho enorme em ser um genuíno epemista, também era
extremamente severo, ele costumava deixar praticamente metade da turma para
segunda época (era a segunda chance algumas semanas após o exame final), eu não
fui exceção. Prof. Nilceu tornou-se diretor da EPM na década de 1960, mas
infelizmente não terminou seu mandato pois venho a falecer durante sua gestão
de modo trágico. Ele gostava de pescaria em alto mar e numa destas pescarias o
barco em que estava afundou e ele morreu afogado (Figura 7).
Figura 7- Prof. Nilceu Marques de Castro.
Atravessando a rua Pedro de
Toledo no quarteirão em direção à rua Loefgren, situavam-se além da Bireme,
outros laboratórios de pesquisa. Um deles era conhecido pela alcunha de
Pampulha por que lá era a sede de duas Disciplinas, Bioquímica e Farmacologia,
que eram lideradas por dois professores mineiros, Prof. Leal do Prado e Prof.
Ribeiro do Vale. Eles eram prestigiosos cientistas com grande produção em pesquisa
básica, reconhecidos internacionalmente. Foram eles, no início dos anos 1970,
os responsáveis pela implantação dos cursos de Pós-Graduação, Mestrado e
Doutorado, na nossa instituição. Em um outro edifício de 9 andares, recém
construído, denominado Edifício das Ciências Biomédicas estavam abrigadas várias
Disciplinas, tais como, Biofísica, chefiada pelo Prof. Paiva e juntamente com
sua mulher Prof. Terezinha, Microbiologia, Prof. Otto Bier, Parasitologia,
Prof. Dandretta e Bioestatística, Profs. Paiva e Neil.
A despeito dessa inicial frustração, é
importante ressalvar que a mudança de vida e status foram enormes. Havia ainda poucas Faculdades de Medicina no
país e por consequência poucos médicos. Apresentar-se como estudante de
Medicina era por si só um belo cartão de visitas, abria inúmeras portas na
nossa sociedade.
Durante os três primeiros anos nosso
comportamento sociocultural se limitava aos arredores da rua Botucatu, lanchonetes,
cafés (o Finesse era o principal ponto de encontro) e bilhar (nos intervalos
das aulas íamos disputar partidas de sinuca no Constantino na rua Pedro de
Toledo), do lado oposto ao Hospital São Paulo.
Esta longa e árdua rotina durou, em tempo
integral (manhã e tarde), até o terceiro ano, quando somente a partir daí então
começamos a travar contato com as Disciplinas chamadas profissionalizantes. Logo
que entrei na EPM, tinha a ideia de fazer clínica geral, de não fazer cirurgia,
nunca tive talento nem tampouco paciência para usar o bisturi, muito menos ficar
dissecando. Para mim, era uma tortura ficar na Anatomia dissecando, queria ter
relações com as pessoas, então tinha certeza que faria alguma atividade
clínica.
A partir do quarto ano, vestindo jaleco
branco e já com o estetoscópio pendurado ao pescoço (este era o símbolo
inconfundível de que já estávamos examinando pacientes), tudo mudava, inclusive
também mudava nosso rumo na hora do café no meio da manhã e no almoço, agora
passava a ser em frente ao Hospital São Paulo, na rua Napoleão de Barros, o
tradicionalíssimo Xaxim. Nesta época fomos
introduzidos ao mundo hospitalar, ambulatórios das mais diversas especialidades
e às enfermarias dos pacientes internados. Nesta área profissionalizante também
tivemos fantásticos professores, as célebres visitas aos leitos das diferentes
clínicas eram extremamente ricas, as discussões de casos nos mostravam a
eloquência e a experiência dos nossos mestres, enfim aprendia-se muito do ponto
de vista médico, mas acima de tudo o raciocínio clínico e o caráter humanitário
de como deviam ser tratados nossos pacientes. Dentre todos estes grandes
professores havia um deles que sobressaia de forma nítida, e que se tornou
nosso paraninfo, Prof. Domingos Delascio, da Obstetrícia (Figura 8).
Figura 8- Festa da formatura em minha casa, Prof. Delascio, de terno preto ao centro.
Ele
possuía o dom da docência de forma absolutamente nata, se entregava de corpo e
alma aos seus discípulos, era incansável, oferecia até mesmo sua casa para que
pudéssemos estudar com ele em sua vasta biblioteca pessoal. Era muito comum à
noite um pequeno grupo de alunos seus irem à sua casa após o jantar para
estudar algum tópico dos novos conhecimentos da área médica. Eu mesmo depois de
formado, ainda na década de 1970-80, já como Pediatra, tive a honra
de ser por ele escolhido para acompanhar os partos que ele fazia no Hospital
Umberto I. Tratava-se de uma prática pioneira, a presença do Pediatra na sala
de parto para atender o recém- nascido imediatamente após o parto. Esta prática
havia sido introduzida na América Latina por um grupo uruguaio liderado pelo
dr. Caldero-Barcia, que esteve entre nós dando um curso de atenção ao recém-nascido
na sala de parto quando eu estava no quinto ano, e que foi adotada de imediato
pelo Prof. Delascio, no Hospital São Paulo e em sua clínica privada.
Mas, retornando aos tempos de aluno, os anos
foram se passando com enorme rapidez, no quinto ano iniciamos o internato que
se estendeu por todo o sexto ano e, assim, praticamente sem que nos déssemos
conta, estávamos chegando à formatura (Figuras 9 - 10 & 11).
Figuras 9 - 10 e 11- Festa de formatura em minha casa com familiares e colegas de turma. Prof. Prates aparece no alto ao centro.
Agora mais um
desafio se avizinhava, a escolha da área médica de atuação para prestar e ser
aprovado no exame da Residência Médica. Como o número de vagas era limitado e
menor do que o número de postulantes teríamos que ser submetidos a mais um
vestibular, isto era inevitável. Como havia optado pela Pediatria a disputa era
das mais acirradas, pois havia apenas 5 vagas e éramos 15 concorrentes. Prestei
o exame que constava de uma prova teórica e outra prática, felizmente fui
aprovado, desta forma começava uma nova etapa na minha vida pessoal e
profissional, minha carreira como Médico cumpriria os 3 anos da Residência
Médica.
A escolha pela Pediatria se deu porque a preocupação
social sempre me afligiu, pois como joguei futebol nos mais variados e
distantes lugares da periferia da cidade de São Paulo, pois era lá que se
encontravam os campos de futebol da nossa várzea, passei por muitas favelas, me
comovia ver as crianças abandonadas, a miséria, a desigualdade social sempre me
incomodou tremendamente. Entendia que a melhor forma de ajudar na questão
social era trabalhar com crianças e a minha tendência natural foi ir para a
Pediatria. Mas queria trabalhar na Pediatria em algo que tivesse relevância
social, por isso me aproximei da Medicina Preventiva, porém, infelizmente não
encontrei lá, naquela ocasião, um estímulo que fosse suficientemente importante
para trabalhar nesta área, então me voltei para a Pediatria.