sexta-feira, 22 de março de 2013

Colite Ulcerativa: consenso no seu manejo pelas ECCO e ESPGHAN (1)

Prefácio

Em Setembro de 2012 o Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition (55;340-61) publicou o seguinte artigo: “Management of Pediatric Ulcerative Colitis: Joint ECCO and ESPGHAN Evidence-based Consensus Guidelines com o objetivo de propor um consenso focalizando o manejo a respeito dos principais aspectos relacionados ao diagnóstico e aos cuidados clínicos nas crianças e adolescentes portadoras de Colite Ulcerativa. Vale ressaltar que estas normas de conduta se relacionam somente aos pacientes atendidos ambulatorialmente, posto que o manejo das crianças hospitalizadas portadoras de Colite Ulcerativa aguda grave está descrito em outra publicação (Am J Gastroenterol, 2011;106:574-88).
 

Introdução



Colite Ulcerativa é uma doença inflamatória crônica redicivante do intestino grosso, estendendo-se de forma continua a partir do reto, e, em graus variáveis, em direção às porções proximais do colon (Figura 1).

Figura 1- Aspecto macroscópico da Colite Ulcerativa afetando desde o reto em sentido proximal até o colon esquerdo.


Não existe um único critério que possa diagnosticar de forma acurada a Colite Ulcerativa. Tipicamente a Colite Ulcerativa é suspeitada em um paciente que apresenta diarreia sanguinolenta, tenesmo, dor abdominal, e, quando os sintomas tornam-se graves, perda de peso, fadiga e vômitos. A incidência de Colite Ulcerativa em pacientes pediátricos afeta de 15 a 20% dos pacientes de todas as faixas etárias, variando de 1 a 4 para 100.000/ano na maioria das regiões da América do Norte e Europa (Figura 2).


Figura 2- Apesar da enfermidade em sua instalação aguda seja altamente debilitante é perfeitamente possível vir a controlar-la e a criança poderá passar a ter uma boa qualidade de vida.

A Colite Ulcerativa na infância costuma ser extensa entre 60 a 80% de todos os casos, taxa esta duas vezes mais frequente do que as descritas nos adultos. Por causa da extensão da enfermidade, ela tem sido consistentemente associada com sua gravidade, e, portanto, não é de se surpreender que a existência da Colite Ulcerativa na idade pediátrica associa-se a um curso de maior morbidade, acarretando uma taxa de colectomia após 10 anos de 30 a 40%, enquanto que nos adultos essa taxa é de 20%. Aproximadamente entre 20 e 30% das crianças com Colite Ulcerativa irão requerer internação hospitalar em decorrência de uma exacerbação aguda antes da transição para a vida adulta, taxas essas que são duas vezes mais elevadas do que aquelas verificadas quando a enfermidade se instala na vida adulta. As crianças também apresentam várias características singulares que estão relacionadas com a idade, tais como, crescimento, puberdade, estado nutricional, densidade mineral óssea e, mais ainda, durante a adolescência devem ser agregadas as necessidades psicossociais e o desenvolvimento intelectual.


O objetivo de estabelecer normas de conduta para o manejo da Colite Ulcerativa na idade pediátrica foi baseado em uma revisão sistemática da literatura em um robusto processo de consenso constituído por um grupo internacional de trabalho de especialistas na Doença Inflamatória Intestinal da ESPGHAN e ECCO. A seguir passo a descrever os principais tópicos discutidos e consensuados a respeito da Colite Ulcerativa em pacientes pediátricos.




Monitoração e Previsão 

  Investigações de rotina no momento do diagnóstico e diagnóstico diferencial:  


   1) O diagnóstico da Colite Ulcerativa baseia-se na combinação dos seguintes aspectos: história, exame físico e ileocolonoscopia com histologia de múltiplas biópsias realizada por gastroenterologista com expertise pediátrica (Figura 3).

Figura 3- Aspecto da visão endoscópica da Colite Ulcerativa caracterizada por intenso processo inflamatório e sangramento espontâneo.

    2) Endoscopia digestiva alta está recomendada em todos os casos para excluir Doença de Crohn.

  3) As investigações laboratoriais iniciais devem incluir os seguintes testes: hemograma, ferro sérico, ferritina sérica, hemossedimentação, enzimas hepáticos, albumina sérica e proteína C reativa.
   

   4) Cultura de fezes é obrigatória para excluir diarreia infecciosa; pesquisa de toxina para Clostridium difficile está recomendada em pelo menos três amostras independentes de fezes. 


   5)  Nas crianças menores de 2 anos investigações imunológicas adicionais e testes alérgicos podem ser necessários para excluir colite relacionada à imunodeficiência primária ou doença alérgica.




Pontos Práticos



  1) Exame de imagem é recomendado para excluir Doença de Crohn e deve ser realizado particularmente nos pacientes que apresentam fenótipos atípicos (Figura 4).

Figura 4- Imagem radiológica contrastada dos colons evidenciando nítida perda das haustrações indicada pela seta.

   2) Marcadores sorológicos de inflamação nas crianças com colite em atividade podem ser normais, especialmente nos casos de doença de leve intensidade.

  
  3)Marcadores inflamatórios fecais, mais notavelmente calprotectina mas também lactoferrina, efetivamente diferenciam colite de diarreia não inflamatória; entretanto, na vasta maioria dos casos diarreia sanguinolenta encontra-se presente, o que indica inflamação colônica. Portanto, os marcadores fecais usualmente não são necessários como parte da investigação diagnóstica da Colite Ulcerativa, ao menos que sejam utilizados para determinar os valores basais em relação a uma referência futura.  


  4) Marcadores sorológicos tais como ANCA e ASCA podem ser úteis para diferenciar Colite Ulcerativa (ANCA positiva, ASCA negativa) de Doença de Crohn; o diagnóstico de Colite Ulcerativa deve ser reavaliado nos casos de ASCA positivo.


 5) Testes de avaliação imunológica para as apresentações atípicas e nas crianças menores de 2 anos de idade incluem: fenotipagem dos linfócitos, imunoglobulinas séricas, bem como análises funcionais das respostas linfocíticas a antígenos/mitógenos e neutrófilos, incluindo doença granulomatosa crônica. Nos lactentes a pesquisa alérgica deve se basear principalmente em teste de eliminação do suposto alergeno alimentar da dieta do paciente.      

sexta-feira, 8 de março de 2013

Colite Alérgica: a evolução clínica de uma enfermidade de caráter transitório com forte evidência de herança genética (3)

Discussão


Atualmente é do reconhecimento geral que existe uma predisposição genética para alergia a qual age em associação com um ou mais fatores desencadeantes (17). Particularmente, no caso da alergia alimentar alguns fatores que desempenham papel de importância no seu desencadeamento tem sido descritos, tais como, dieta materna, dieta do lactente, prematuridade, ausência de aleitamento natural exclusivo, deficiência de IgA secretora, deficiência da barreira de permeabilidade intestinal (18,19,20) etc. Entretanto, a ocorrência de colite alérgica em grupos familiares, como o verificado no presente estudo, parece sugerir uma forte evidência de predisposição genética familiar. Casos de colite alérgica têm sido raramente descritos entre irmãos ou parentes próximos. Nossos achados confirmam os de Nowak-Wegrzyn (21), em 2003, que descreveu caso de colite alérgica provocada pela proteína da soja em um par de gêmeos, bem como, os de Hill e Milla (22), em 1990, que descreveram quadro de colite alérgica em 3 irmãos, em um grupo de 13 pacientes com história de atopia em parentes de primeiro grau.



Está bem estabelecido que o principal alérgeno da dieta nos primeiros meses de vida é o leite de vaca secundado pela soja (23), porém outros alimentos também podem desencadear alergia alimentar, tais como: leite de outros mamíferos, ovos, trigo, peixe, frutos do mar, nozes e amêndoas, amendoim e côco. Estes reconhecidos alergenos alimentares ao fazerem parte da dieta da nutriz podem ser veiculados pelo leite humano. Por esta razão, lactentes que estejam recebendo aleitamento natural exclusivo e que apresentem predisposição genética para alergia, também podem apresentar sintomas de colite alérgica, ainda que muitas vezes de forma não florida (24,25,26). Kilshaw e Cant (27), por exemplo, demonstraram que a beta-lactoglobulina do leite de vaca pode ser detectada em amostras de leite humano entre 4 e 6 horas após a nutriz ter ingerido leite de vaca. Vale enfatizar que todos os nossos 5 pacientes receberam aleitamento natural durante um período de suas vidas e que 4 deles ainda estavam recebendo  aleitamento natural exclusivo quando os sinais de colite surgiram. A tentativa de eliminar da dieta da mãe os principais alérgenos resultou exitosa em apenas 1 caso (VCA), visto que nos outros 2 casos, as mães decidiram suspender a lactação por não haverem conseguido levar adiante a adesão à dieta de exclusão. Inclusive a mãe de (SVBP) decidiu por algo tempo levar adiante a amamentação, porém como ao ingerir doce de côco pela segunda vez, os sintomas de colite em sua filha recrudescessem, levou-a a suspender a lactação de forma definitiva. Vale ressaltar que nessa paciente, ao atingir a idade de receber dieta sólida (6 meses), foi introduzida uma dieta à base de mistura de aminoácidos (Neocate semi-solid food). Entretanto, ao cabo de 1 semana de receber tal dieta, surgiram lesões eczematosas nos membros superiores e inferiores, as quais desapareceram prontamente com a eliminação deste alimento. Verificou-se que a composição produto em questão continha óleo de côco não hidrogenado à concentração de 6%, e, possivelmente, alguma fração peptídica presente nesta dieta, tenha causado a manifestação alérgica. Interessante notar, que sua prima (STBP) havia feito anteriormente uso deste mesmo produto nutricional sem que houvesse revelado quaisquer sintomas de alergia e/ou intolerância. Ficou confirmado desta intercorrência que as manifestações de alergia podem ser amplas às mais diversas proteínas heterólogas da dieta e cujas reações não obedecem a um critério universal para todos os pacientes, ou seja, podem variar de indivíduo para indivíduo (28).



No presente estudo foi possível demonstrar claramente que esta manifestação de alergia é transitória conforme é referido por outros autores (28,29,30), diferentemente de algumas intolerâncias/alergias alimentares, tais como a doença celíaca, por exemplo, a qual se trata de uma intolerância permanente ao trigo e derivados da dieta (31). Neste estudo tivemos a oportunidade de acompanhar os 5 pacientes desde o diagnóstico inicial até o momento em que foi realizado o desencadeamento com sucesso após um longo período de evolução que perdurou entre os 11 e os 18 meses de idade dos nossos pacientes. Além disso, também tivemos a possibilidade de seguir estes 5 pacientes por um período mínimo de 18 meses e máximo de 33 meses. Pudemos constatar que nenhum deles apresentou quaisquer manifestações clínicas de processo inflamatório colônico durante este longo período de seguimento; este fato permite-nos especular que o quadro clínico de colite deveu-se realmente à alergia alimentar e não a qualquer das outras conhecidas etiologias de colite, o que coincidiu com a experiência de outros autores (10,28).



As lesões colônicas macroscópicas revelaram os mesmos aspectos característicos descritos por outros autores (21,30), porém em um deles a lesão no colon direito simulando granuloma, não é um achado comum da colite alérgica (VCA). Por esta razão, foi inclusive levantada a suspeita diagnóstica de doença de Crohn, muito embora a idade precoce do paciente fosse um fator que contrariaria esta hipótese. De qualquer forma foram solicitados os testes para investigar doença inflamatória intestinal, os quais resultaram negativos, e a própria evolução clínica do paciente demonstrou tratar-se realmente de colite alérgica. Outro paciente (STBP), além das características lesões inflamatórias apresentava também uma exuberância de nódulos linfóides visíveis macroscopicamente, o que está de acordo com a experiência descrita por outros autores (11,32). A análise microscópica das lesões coincidiu plenamente com nossa experiência anteriormente descrita e confirma o que tem sido descrito na literatura (12,13,33).



Vale ressaltar, que apesar do reconhecido caráter auto-limitado da colite alérgica em 3 dos 5 pacientes optou-se por introduzir uma medicação anti-inflamatória (dexametasona) por curta duração devido à intensidade do processo inflamatório observado durante a realização do procedimento endoscópico e a comprovação da gravidade das lesões observadas no estudo microscópico das biópsias retais, visando, assim, uma mais rápida restituição ad integrum da mucosa colônica.



Em conclusão, tudo indica que a manifestação de colite alérgica no primeiro semestre de vida apresenta globalmente um aumento na sua incidência; cólicas intensas associada a diarréia sanguinolenta é a principal manifestação clínica desta enfermidade, a qual é transitória, que pode surgir em lactentes que estejam em aleitamento natural exclusivo e cuja resolução se dá com dieta de exclusão dos principais alergenos reconhecidos até o presente ou com fórmulas hipoalergênicas.

 

 Referências Bibliográficas

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20-                    Brandtzaeg P. Current Understanding of Gastrointestinal Immunoregulation and Its Relation to Food Allergy. Ann NY Acad Sci 2002; 964: 13–45.



21-                    Nowak-Wegrzyn A. Food protein-induced enterocolitis, enteropathy, and proctocolitis. In Metcalfe DD, Sampson HA & Simon RA (eds.) Food Allergy: Adverse Reactions to Foods and Food Additives, 3rd edn. Malden, MA: Blakwell Science, 2003, pp. 227–241.



22-                    Hill SM & Milla PJ. Colitis caused by food allergy in infants. Arch Dis Child 1990; 65: 132-140.



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26-                    Durilova M, Stechova K, Petruzelkova L, Stavikova V, Umannova T, Nevoralis J. Is there any relationship between cytokine spectrum of breast milk and occurrence of eosinophilic colitis? Acta Paediatr 2010; 99: 1666-70.



27-                    Kilshaw PJ & Cant AJ. The Passage of Maternal Dietary Proteins into Human Breast Milk. All & Immunol. 1984; 75:8-15.



28-                    Bischoff S & Crowe SE. Gastrointestinal food allergy: New insights into pathophysiology and clinical perspectives Gastroenterol.  2005; 128:1089–113.



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30- Sicherer SH. Clinical Aspects of Gastrointestinal Food Allergy in Childhood. Pediatr 2003; 111: 1609 -16.



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