Introdução
Em 1997 os consumidores norte-americanos
gastaram cerca de US$ 5 bilhões em sucos de frutas. O consumo médio de suco de
frutas nos EUA alcançou o valor de 40 bilhões de litros/ano ou 200 litros/ano
por pessoa. As crianças constituíram o maior grupo de consumidores, e aquelas
menores de 12 anos de idade ingeriram 28% do volume total consumido (1). Embora
estes dados não estejam disponíveis no Brasil pode-se presumir que por
similaridade dos hábitos culturais atualmente praticados no mundo ocidental,
neste aspecto nutricional, estes valores devem ser bastante próximos. Em
passado recente, no nosso país, o principal suco utilizado era o de laranja,
porém, com a imensa diversificação da indústria alimentícia, suco de outras
frutas, tais como uva, maçã e pêra passaram a fazer parte da dieta habitual das
crianças brasileiras.
Historicamente sucos de frutas têm sido
recomendados pelos Pediatras como uma fonte de vitamina C e uma fonte extra de
água para lactentes e pré-escolares, à medida que em suas dietas são incluídos
novos alimentos sólidos com sobrecargas renais mais altas de solutos. A água é
o componente predominante nos sucos de frutas, porém, os carboidratos,
incluindo sacarose, frutose, glicose e sorbitol constituem-se nos seus
principais nutrientes. A concentração de carboidratos nos sucos de frutas varia
desde 11g% (0,44 kcal/ml) até cerca de 16g% (0,64 kcal/ml) (2).
A
sacarose é um dissacarídeo, que após ser ingerida e alcançar o intestino
delgado, é hidrolisada em seus componentes monossacarídeos, glicose e frutose
pela ação da sacarase presente nas microvilosidades dos enterócitos. A glicose
é rapidamente absorvida por um processo de transporte ativo, enquanto que a
frutose é absorvida por um mecanismo de transporte facilitado que não ocorre
contra um gradiente de concentração.
A frutose é encontrada
na natureza em sua maior parte como constituinte da sacarose. Tem sido cada vez
mais utilizada na dieta ocidental na forma de adoçante em produtos
industrializados, por ser alternativa mais barata que a sacarose. Sua presença
é comumente observada em refrigerantes, doces e principalmente em sucos de
frutas naturais e artificiais (3). A frutose é transportada através do epitélio
intestinal por um mecanismo facilitador denominado GLUT 5 (transportador
facilitador de hexose), o qual apresenta alta afinidade pela frutose, que carrega
este monossacarídeo através da membrana apical do enterócito (4). Entretanto,
sabe-se que este mecanismo possui capacidade limitada de absorção deste
carboidrato. Além disso, a frutose pode ser absorvida de
forma mais eficiente quando a glicose se encontra presente em concentrações
equimolares. Por outro lado, investigações clínicas têm demonstrado que quando
a concentração de frutose excede a de glicose pode ocorrer má absorção da
frutose (5-6). Portanto, alimentos que contém concentrações equimolares de
frutose e glicose podem proporcionar melhor absorção deste monossacarídeo do
que alimentos em que a concentração da frutose excede a de glicose. Sucos de
maçã, pêra e uva apresentam uma concentração de frutose que excede em mais do
que o dobro a da glicose, enquanto que no suco de laranja as concentrações de
glicose e frutose se equivalem (7). Por exemplo, um copo de suco de maçã
(200ml) contém aproximadamente 15,5 gramas de frutose (6,8 gramas de glicose e 3 gramas de sacarose) (8)
(Tabela 1).
Quando a
concentração da frutose em um determinado alimento encontra-se em excesso em
relação àquela da glicose alguns indivíduos podem desenvolver má absorção à
frutose (2-7). Estes indivíduos apresentam sintomas que incluem flatulência,
diarréia, dor e distensão abdominal. Para se estabelecer o diagnóstico da má
absorção/intolerância à frutose a anamnese deve incluir uma detalhada história
dietética associada à investigação laboratorial que pode ser realizada por meio
do teste do hidrogênio no ar expirado, o qual é realizado após ingestão de
sobrecarga de frutose (9). Nesta circunstância, o monossacarídeo não absorvido
no intestino delgado, é fermentado pelas bactérias colônicas resultando na
produção de gases como metano, dióxido de carbono e hidrogênio, além de ácidos
graxos voláteis de cadeia curta, tais como ácido acético, butírico e
propiônico. O hidrogênio, por sua vez, atravessa a mucosa colônica, passa para
a circulação sistêmica e, finalmente, é eliminado pela expiração. A confirmação
diagnóstica se complementa quando ocorre alívio dos sintomas depois da retirada
da frutose da dieta.
Histórico e Manifestações Clínicas
Estudos prévios que demonstram uma relação
causal entre má absorção à frutose e sintomas gastrointestinais foram
inicialmente descritos em pacientes adultos. As primeiras descrições de má
absorção à frutose datam do final da década de 1970. Anderson e cols.(10), em
1978, publicaram no Acta Medica Scandinavian, 4 pacientes que apresentavam
queixa de diarréia crônica e dor abdominal, cujos sintomas desapareceram com a
retirada da frutose da dieta dos mesmos. Mais recentemente, também investigando
pacientes adultos, Choi e cols. (11), em 2003, publicaram no American Journal
of Gastroenterology, uma casuística maior, constituída por 183 pacientes,
utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado, nos quais foi caracterizada má
absorção/intolerância em 73% dos casos. Estes pacientes relataram uma série de
sintomas, tais como, dor abdominal flatulência, flatus e diarréia. Pacientes
adultos portadores da síndrome do intestino irritável e má absorção à frutose
apresentaram agravo dos sintomas em comparação com aqueles que apresentaram
absorção normal à frutose. Estudos recentes com população adulta têm
demonstrado que um número significativo de pacientes com má absorção à frutose
relatou alívio da dor abdominal, flatus, flatulência e diarréia quando foi
introduzida uma dieta restrita de frutose.
Em Pediatria as primeiras descrições isoladas
de má absorção à frutose datam da década de 1980. Em 1984, Kneepkens e cols.
(12), na Holanda, publicaram, no Archives of Diseases in Childhood, a
ocorrência de má absorção à frutose em 71% das crianças investigadas, cujas
idades variaram entre 1 mês e 16 anos, utilizando o teste do Hidrogênio no ar
expirado. Dentre as 31 crianças investigadas, 25 não apresentavam queixas
gastrointestinais e 6 delas sofriam de transtornos digestivos funcionais.
Posteriormente, Lifshitz e cols. (7), em 1992, nos EUA, correlacionam a má
absorção de frutose contida em sucos de frutas com sintomas de diarréia crônica
inespecífica em crianças em artigo publicado no Pediatrics. Hoesktra e cols.
(13), em 1993, publicaram um artigo no Archives of Diseases in Childhood,
descrevendo má absorção de frutose em crianças com idade média de 3,5 anos,
utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado, cuja sintomatologia de
diarréia mostrou-se dependente da dose de frutose na realização do teste.
Quando a dose de frutose foi de 1g/kg de peso ocorreu má absorção à frutose em
44% dos pacientes, mas quando a dose foi de 2g/kg de peso a má absorção à
frutose ocorreu em 100% dos casos. Este estudo mostra, portanto, uma nítida
correlação positiva entre a dose dependente de frutose e o respectivo
surgimento da má absorção ao carboidrato. Em 2002, Duro e cols. (9), em artigo
publicado no Pediatrics, correlacionam a ocorrência de cólicas em lactentes
devido à má absorção de frutose contida em alguns sucos de frutas. Tsampalieros
e cols. (14), em 2008, em artigo publicado no Archives of Diseases in
Childhood, descrevem uma série de sintomas gastrointestinais, tais como, dor
abdominal, diarréia, náuseas e vômitos, em escolares e adolescentes, devido a
intolerância à frutose. Referem que estes sintomas desapareceram com a retirada
da frutose da dieta destes pacientes. Gomara e cols. (15), em 2008, no JPGN,
referem a associação entre dor abdominal crônica e má absorção à frutose, a
qual desapareceu após a suspensão da dieta da frutose nestes pacientes.
Recentemente, no XIV Congresso Brasileiro de
Gastroenterologia e Nutrição em Pediatria, tivemos a oportunidade de apresentar
o trabalho, na sessão de temas livres orais, intitulado “Prevalência de Má
Absorção à Frutose utilizando o Teste do Hidrogênio no Ar Expirado em crianças
com transtornos digestivos e nutricionais”, cujos autores foram: Adriana C.
Lozinsky, Cristiane Boé, Ricardo Palmero e Ulysses Fagundes-Neto, da Disciplina
de Gastroenterologia Padiátrica da Escola Paulista de Medicina, UNIFESP e do
Instituto de Gastroenterologia Pediátrica de São Paulo (IGASTROPED). Trata-se
até aonde meu conhecimento alcança o primeiro trabalho disponível na literatura
médica brasileira a respeito deste tema. Foram investigados 43 pacientes de
ambos os sexos, com idades que variaram de 3 meses a 16 anos, mediana de 2,6
anos, que apresentavam queixa de transtornos digestivos e/ou nutricionais,
utilizando o teste do Hidrogênio no ar expirado com sobrecarga dos seguintes
carboidratos: lactose, glicose, frutose e lactulose. Má absorção à frutose foi
caracterizada em 13 (30,2%) pacientes, os quais apresentavam os seguintes
diagnósticos, a saber: Síndrome do intestino irritável em 7, dor abdominal
funcional em 4, baixa estatura em 1 e doença celíaca em 1.
Referências Bibliográficas
Referências Bibliográficas
1- Agriculture Research Service. Food and Nutrient Intakes by
Individuals in the United
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US Department of Agriculture; 1998. NFS Report n 96-2.
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14- Tsampalieros A, Beauchamp J, Boland M.
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15-
Gomara RE, Halata MS, Newman LJ, Bostwick HE et al. Fructose intolerance in
children presenting with abdominal pain. J Pediatr Gastroenterol Nutr 2008; 47:
303-8.
Um comentário:
Parabéns pelo artigo. Tenho severa intolerância à frutose, vivo com dieta zero frutose e auxilio um grupo bem grande de pessoas que padecem da doença.
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