sexta-feira, 29 de julho de 2011

Constipação funcional: diagnóstico e tratamento (2)

TRATAMENTO

Os objetivos do tratamento das crianças com constipação devem estar voltados para restaurar o padrão rotineiro das evacuações (fezes pastosas e evacuações indolores), desaparecimento do escape fecal e prevenção de recidivas. Há quatro passos importantes para serem dados durante o processo terapêutico e que devem ser enfatizados, a saber: 1- Educação; 2- Desimpactação; 3-Prevenção da formação do bolo fecal e 4- Acompanhamento clínico.

1- Educação
O tratamento da constipação deve começar pela desmistificação, educação e ao mesmo tempo por uma abordagem não punitiva por parte dos pais e médicos. Deve ser fornecida informação detalhada a respeito da prevalência e dos sintomas, inclusive antevendo a ocorrência de períodos intermitentes de agravos e de alívios da constipação. Esta informação deve também conter uma explicação aos pais e, quando possível, à criança, a respeito da etiologia do escape fecal. O escape fecal ocorre em virtude da produção de fezes amolecidas decorrente e/ou semilíquidas da existência do bolo fecal impactado no reto, o qual provoca a produção de uma secreção serosa pela mucosa retal que arrasta pequenas quantidades de material sólido dos bordos do bolo fecal. Desta forma a criança não consegue reter este material semilíquido e, portanto, este evento não deve ser encarado como um distúrbio comportamental da criança. Uma explanação clara deste processo auxiliará os pais e a criança na melhor compreensão deste sinal tão frustrante, o que deverá ser mais facilmente aceito. Uma revisão sistemática da literatura mostrou que somente 50% de todas as crianças acompanhadas de 6 a 12 meses apresentaram recuperação total do escape fecal e foram “desmamadas” com sucesso do uso de laxantes. Os familiares e a criança devem ser informados deste percentual antes do início do tratamento para se tentar conseguir um aumento da adesão ao mesmo.

Além da educação, aconselhamento dietético também deve ser oferecido, o qual consiste na ingestão rotineira de líquidos e fibras. Não há uma evidência de que a ingestão aumentada de líquidos ou fibras no tratamento da constipação esteja suficientemente confirmada para que se faça a recomendação destes elementos no manejo da constipação funcional. Entretanto, um aumento do consumo de líquidos para alcançar os níveis diários recomendados é essencial. Usualmente, o lactente necessita receber 150 ml/kg/dia de líquidos. Crianças sadias pesando 10 ou mais quilogramas necessitam de 1000 a 1500 ml/dia. A quantidade recomendada da ingestão de fibras para crianças acima de 2 anos deve ser calculada levando-se em consideração a idade em anos, acrescida de 5 g/dia (por exemplo: uma criança de 7 anos de idade deve ingerir 12 g/dia de fibra).

A despeito do fato de que não haja uma evidência definitiva do aumento da atividade física para o alivio da constipação, exercícios físicos devem ser estimulados. Há um consenso sobre a observação clínica de que a falta de atividade física pode ser um fator contribuinte para a constipação. Uma atividade física rotineiramente recomendada consiste em uma hora por dia de exercício de intensidade moderada. Além disso, todas as crianças com idade de desenvolvimento neuropsicomotora correspondente a 4 anos de idade, devem ser instruídas a tentar evacuar no vaso sanitário durante 5 a 10 minutos depois de cada refeição (3x ao dia).

2- Desimpactação
É do conhecimento geral que o tratamento da constipação torna-se menos eficiente caso a impactação fecal não seja inicialmente tratada. Deve-se utilizar uma associação da história clínica pregressa e o exame físico para estabelecer o diagnóstico da impactação fecal – deve-se obter informação sobre possível escape fecal e o achado de bolo fecal à palpação da fossa ilíaca esquerda e/ou mesmo por meio do toque retal. A realização da desimpactação fecal previamente ao início do tratamento de manutenção por meio do uso de laxantes orais ou retais é recomendada para aumentar a taxa de sucesso e reduzir o número de episódios de escapes fecais. Há muitos anos já tem sido comprovado que a omissão da realização da desimpactação inicial passando-se diretamente para o uso de laxantes orais resulta em um aumento do número dos episódios de escape fecal. Por outro lado, um ensaio clínico controlado e randomizado recentemente realizado comparando a utilização de enemas diários e Polietilenoglicol (PEG) (1,5g/kg/dia) durante 6 dias consecutivos mostraram-se igualmente eficientes no tratamento da impactação fecal em crianças com constipação funcional. Na verdade, quando se comparou o uso do PEG com o do enema, o primeiro mostrou-se associado a um maior número de escapes fecais. Considerando-se os dados deste estudo, deve-se dar preferência à utilização de enemas para obter-se melhor resultado para debelar a impactação fecal.

3- Terapia de Manutenção
Após o curto período da desimpactação deve-se iniciar a terapia de manutenção para prevenir a formação de um novo bolo fecal. Há diversos laxantes para uso por via oral, e, em algumas ocasiões enemas, que podem ser prescritos, a saber: laxantes osmóticos, tais como a Lactulose e PEG; laxantes estimulantes, tais como bisacodil ou sena, ou umidificadores das fezes, tais como o óleo mineral. Nós discutiremos as evidências existentes no que dizem respeito aos laxantes mais frequentemente utilizados, Lactulose e PEG. Duas revisões sistemáticas avaliaram a eficácia do PEG com ou sem eletrólitos versus placebo no tratamento da constipação crônica em crianças. Embora o PEG com eletrólitos tenha resultado em um alívio significativo da constipação em comparação com o placebo no que diz respeito à diminuição da dor para evacuar e no número de evacuações por semana, ele não apresentou diferenças no número médio de episódios de escape fecal entre os grupos estudados. Recentemente foi realizada uma revisão sistemática da literatura envolvendo 5 ensaios clínicos comparando PEG com Lactulose. Dois destes estudos mostraram que a eficácia do PEG foi superior à Lactulose no que diz respeito ao aumento no numero de evacuações, enquanto que os outros três estudos não demonstraram diferenças significativas no aumento da frequência das evacuações. Em geral, a Lactulose parece ter provocado mais efeitos colaterais diversos, como por exemplo, dor abdominal, comparado ao PEG. Porém, efeitos colaterais intensos são infrequentes quando a Lactulose é usada em doses apropriadas e sob supervisão adequada.

O manual de conduta holandês recomenda o emprego de Lactulose como medicamento de primeira escolha para o tratamento da constipação funcional em crianças menores de um ano de idade. Para crianças maiores de um ano de idade ambos, Lactulose e PEG (com ou sem eletrólitos), podem ser indicados como medicamentos de primeira escolha para o tratamento da constipação funcional. Uma das principais razões para se recomendar o uso de Lactulose ao invés de PEG em crianças menores de um ano de idade na Holanda, é o aspecto da segurança, posto que a Lactulose tem sido usada durante muito mais anos do que o PEG, sem provocar efeitos colaterais graves. A Tabela 4, abaixo, descreve os laxantes orais e retais mais frequentemente utilizados e suas respectivas doses.

O manual de conduta holandês recomenda que a medicação deva ser somente gradualmente diminuída depois de pelo menos dois meses consecutivos de tratamento e o paciente deve estar livre dos sinais de constipação. As crianças que estiverem no processo de treinamento do controle esfincteriano devem permanecer recebendo laxantes até que este processo esteja bem estabelecido. Os laxantes não devem ser suspensos abruptamente, mas as doses devem ser gradualmente reduzidas durante um período de alguns meses desde que haja uma resposta positiva quanto à frequência das evacuações e a consistência das fezes. As figuras 1 e 2 mostram dois algoritmos para o diagnóstico e o tratamento da constipação funcional da criança de acordo com o manual de conduta holandês: um para crianças menores de um ano de idade e outro para crianças acima de um ano de idade.

Algorítmo 1

Algorítmo 2

No nosso próximo encontro continuarei a abordar o tratamento da Constipação Funcional na infância.

Um comentário:

Anônimo disse...

Gostaria de saber quais são os efeitos colaterais do polietilenoglicol