Recentemente no número de Maio de 2009, do Journal of Pediatric Gastroenterology and Nutrition, foram publicados 2 trabalhos bastante interessantes que buscam esclarecer alguns aspectos polêmicos da Doença Celíaca e que, portanto, merecem ser apresentados como algo de notória importância, muito embora ainda possam gerar inúmeras futuras discussões.
O primeiro deles versa a respeito da inexistência de uma ação deletéria da Aveia sobre a resposta sistêmica do auto-anticorpo transglutaminase e da ausência de lesão da mucosa do intestino delgado em pacientes portadores de Doença Celíaca (Oats do not induce systemic or mucosal autoantibody responsse in children with celic disease -Koskinen e cols. JPGN 48:559-65,2009).
Como é do conhecimento geral o único tratamento efetivo para a Doença Celíaca é a utilização permanente de uma dieta isenta de glúten ao longo de toda a vida, a qual exclui todos os produtos alimentares que contém trigo, cevada e centeio, bem como seus derivados. Por outro lado, a necessidade de se evitar Aveia permanece um aspecto controverso, posto que alguns relatos antigos sugiram que pacientes portadores de Doença Celíaca apresentavam exacerbação dos sintomas digestivos após a ingestão de Aveia. Entretanto, alguns estudos realizados in vitro têm questionado a toxidade da Aveia (Janatuinen e cols. Gut 2002;50:332-5 / Kilmartin e cols. Gut 2003:52:47-52). Além disso, há estudos na literatura que demonstram que os sintomas induzidos pela ingestão de Aveia não estão associados à lesão da mucosa do intestino delgado (Paraaho e cols. Scand J gastroenterol 2004;39:27-31 / Storsrud e cols. Eur J Clin Nutr 2003;57:163-9). Também é do conhecimento geral que a Aveia apresenta similaridades com o trigo na seqüência dos amino-ácidos, e, estudos in vitro têm demonstrado que a aveina é capaz de estimular a linhagem de célula T que reagem à gliadina (Arentz-Hansen e cols. Plos Med 2004;1:e1 / Kilmartin e cols. Dig Dis Sci 2006;51:2002-9). Assim sendo, a relevância clínica destes achados um tanto quanto discrepantes permanece obscuro, daí justificar-se outras investigações sobre a toxicidade e a imunogenicidade da Aveia na Doença Celíaca.
Objetivos
Neste trabalho os autores estudaram a toxicidade da Aveia em crianças portadoras de Doença Celíaca durante um período de acompanhamento de 2 anos por meio da investigação de depósitos na mucosa jejunal do anticorpo anti-transglutaminase 2 (TG2)-classe IgA, o qual é considerado um marcador potencialmente mais sensível para Doença Celíaca do que os anticorpos séricos ou a histologia convencional.
Desenho do Estudo
Foram selecionadas 23 crianças portadoras de Doença Celíaca em remissão com idade média de 13 anos, variando de 7 a 18 anos, 7 delas eram meninas, que no momento do diagnóstico apresentavam positividade para os anticorpos séricos anti-endomíseo da classe IgA e atrofia vilositária total com hiperplasia críptica da mucosa jejunal. Após terem sido colocadas em dieta isenta de glúten que incluiu restrição alimentar ao trigo, aveia, cevada e centeio, durante pelo menos 2 anos, todas as crianças tiveram evolução clínica, sorológica e histológica satisfatória. Desde o ponto de partida do estudo as crianças foram randomizadas para receber 2 tipos de dietas distintas, a saber: 13 foram submetidas a realizar teste de provocação com Aveia e, por outro lado, 10 crianças foram submetidas a realizar teste de provocação com glúten, por meio da liberação da dieta, tendo sido dada a permissão para ingerir trigo, centeio, cevada e aveia. No momento do início do teste de provocação todas as crianças encontravam-se em remissão da Doença Celíaca. Quando ocorreu uma evidente recidiva da lesão histológica durante o teste de provocação com glúten, os pacientes voltaram a receber uma dieta isenta de glúten, eliminando trigo, centeio e cevada, porém com a permissão de continuar consumindo Aveia. Biópsias de intestino delgado foram realizadas no início da investigação e após 6 e 24 meses naqueles pacientes que estavam consumindo apenas Aveia durante todo o período do estudo. Nos pacientes que foram submetidos ao teste de provocação com dieta contendo glúten, o primeiro exame de seguimento foi realizado quando os sintomas clínicos sugeriram uma recidiva da Doença Celíaca ou quando ocorreu a soroconversão positiva para os auto-anticorpos. Imediatamente após a recidiva e em seguida a liberação do consumo de Aveia na dieta, porém mantendo-os em dieta isenta de glúten (trigo, centeio e cevada), exames de seguimento foram realizados aos 6 e 24 meses. Durante os 2 anos de duração do ensaio clínico a Aveia não provocou qualquer efeito nocivo sobre a morfologia da mucosa intestinal, tendo sido preservada a estrutura vilositária, e o número de linfócitos intra-epiteliais. Em contraste, o grupo de crianças que recebeu dieta contendo glúten apresentou recidiva clínica entre 3 e 12 meses após o início do teste de provocação, porém todas as crianças demonstraram total recuperação da enfermidade durante os 2 anos de seguimento recebendo dieta isenta de glúten, mas consumindo Aveia.
Métodos
Todos os fragmentos de intestino delgado obtidos por biópsia, utilizando-se a cápsula de Watson, foram apropriadamente tratados para a detecção de depósito do anticorpo anti-transglutaminase 2 (TG2)-classe IgA na mucosa jejunal, pela técnica da imunofluorescência direta. Nos fragmentos da mucosa intestinal normal a IgA é detectada somente no interior dos plasmócitos, presentes na lâmina própria, e das células epiteliais. Por outro lado na Doença Celíaca em atividade, na vigência de consumo de dieta contendo glúten, um nítido depósito do complexo autoanticorpo transglutaminase 2 (TG2)-classe IgA pode ser encontrada abaixo da membrana basal, ao longo do epitélio das vilosidades e das criptas, bem como ao redor dos capilares sanguíneos (Figura 1)(vale ressaltar que a IgA é corada em verde, a TG2 é corada em vermelho, e o complexo anticorpo anti-transglutaminase-classe IGA é corado em amarelo, conforme pode ser visto na Figura 1).
O primeiro deles versa a respeito da inexistência de uma ação deletéria da Aveia sobre a resposta sistêmica do auto-anticorpo transglutaminase e da ausência de lesão da mucosa do intestino delgado em pacientes portadores de Doença Celíaca (Oats do not induce systemic or mucosal autoantibody responsse in children with celic disease -Koskinen e cols. JPGN 48:559-65,2009).
Como é do conhecimento geral o único tratamento efetivo para a Doença Celíaca é a utilização permanente de uma dieta isenta de glúten ao longo de toda a vida, a qual exclui todos os produtos alimentares que contém trigo, cevada e centeio, bem como seus derivados. Por outro lado, a necessidade de se evitar Aveia permanece um aspecto controverso, posto que alguns relatos antigos sugiram que pacientes portadores de Doença Celíaca apresentavam exacerbação dos sintomas digestivos após a ingestão de Aveia. Entretanto, alguns estudos realizados in vitro têm questionado a toxidade da Aveia (Janatuinen e cols. Gut 2002;50:332-5 / Kilmartin e cols. Gut 2003:52:47-52). Além disso, há estudos na literatura que demonstram que os sintomas induzidos pela ingestão de Aveia não estão associados à lesão da mucosa do intestino delgado (Paraaho e cols. Scand J gastroenterol 2004;39:27-31 / Storsrud e cols. Eur J Clin Nutr 2003;57:163-9). Também é do conhecimento geral que a Aveia apresenta similaridades com o trigo na seqüência dos amino-ácidos, e, estudos in vitro têm demonstrado que a aveina é capaz de estimular a linhagem de célula T que reagem à gliadina (Arentz-Hansen e cols. Plos Med 2004;1:e1 / Kilmartin e cols. Dig Dis Sci 2006;51:2002-9). Assim sendo, a relevância clínica destes achados um tanto quanto discrepantes permanece obscuro, daí justificar-se outras investigações sobre a toxicidade e a imunogenicidade da Aveia na Doença Celíaca.
Objetivos
Neste trabalho os autores estudaram a toxicidade da Aveia em crianças portadoras de Doença Celíaca durante um período de acompanhamento de 2 anos por meio da investigação de depósitos na mucosa jejunal do anticorpo anti-transglutaminase 2 (TG2)-classe IgA, o qual é considerado um marcador potencialmente mais sensível para Doença Celíaca do que os anticorpos séricos ou a histologia convencional.
Desenho do Estudo
Foram selecionadas 23 crianças portadoras de Doença Celíaca em remissão com idade média de 13 anos, variando de 7 a 18 anos, 7 delas eram meninas, que no momento do diagnóstico apresentavam positividade para os anticorpos séricos anti-endomíseo da classe IgA e atrofia vilositária total com hiperplasia críptica da mucosa jejunal. Após terem sido colocadas em dieta isenta de glúten que incluiu restrição alimentar ao trigo, aveia, cevada e centeio, durante pelo menos 2 anos, todas as crianças tiveram evolução clínica, sorológica e histológica satisfatória. Desde o ponto de partida do estudo as crianças foram randomizadas para receber 2 tipos de dietas distintas, a saber: 13 foram submetidas a realizar teste de provocação com Aveia e, por outro lado, 10 crianças foram submetidas a realizar teste de provocação com glúten, por meio da liberação da dieta, tendo sido dada a permissão para ingerir trigo, centeio, cevada e aveia. No momento do início do teste de provocação todas as crianças encontravam-se em remissão da Doença Celíaca. Quando ocorreu uma evidente recidiva da lesão histológica durante o teste de provocação com glúten, os pacientes voltaram a receber uma dieta isenta de glúten, eliminando trigo, centeio e cevada, porém com a permissão de continuar consumindo Aveia. Biópsias de intestino delgado foram realizadas no início da investigação e após 6 e 24 meses naqueles pacientes que estavam consumindo apenas Aveia durante todo o período do estudo. Nos pacientes que foram submetidos ao teste de provocação com dieta contendo glúten, o primeiro exame de seguimento foi realizado quando os sintomas clínicos sugeriram uma recidiva da Doença Celíaca ou quando ocorreu a soroconversão positiva para os auto-anticorpos. Imediatamente após a recidiva e em seguida a liberação do consumo de Aveia na dieta, porém mantendo-os em dieta isenta de glúten (trigo, centeio e cevada), exames de seguimento foram realizados aos 6 e 24 meses. Durante os 2 anos de duração do ensaio clínico a Aveia não provocou qualquer efeito nocivo sobre a morfologia da mucosa intestinal, tendo sido preservada a estrutura vilositária, e o número de linfócitos intra-epiteliais. Em contraste, o grupo de crianças que recebeu dieta contendo glúten apresentou recidiva clínica entre 3 e 12 meses após o início do teste de provocação, porém todas as crianças demonstraram total recuperação da enfermidade durante os 2 anos de seguimento recebendo dieta isenta de glúten, mas consumindo Aveia.
Métodos
Todos os fragmentos de intestino delgado obtidos por biópsia, utilizando-se a cápsula de Watson, foram apropriadamente tratados para a detecção de depósito do anticorpo anti-transglutaminase 2 (TG2)-classe IgA na mucosa jejunal, pela técnica da imunofluorescência direta. Nos fragmentos da mucosa intestinal normal a IgA é detectada somente no interior dos plasmócitos, presentes na lâmina própria, e das células epiteliais. Por outro lado na Doença Celíaca em atividade, na vigência de consumo de dieta contendo glúten, um nítido depósito do complexo autoanticorpo transglutaminase 2 (TG2)-classe IgA pode ser encontrada abaixo da membrana basal, ao longo do epitélio das vilosidades e das criptas, bem como ao redor dos capilares sanguíneos (Figura 1)(vale ressaltar que a IgA é corada em verde, a TG2 é corada em vermelho, e o complexo anticorpo anti-transglutaminase-classe IGA é corado em amarelo, conforme pode ser visto na Figura 1).
Figura 1- A- No momento do início do estudo o paciente estava sendo submetido a uma dieta isenta de glúten (eliminação de trigo, centeio, cevada e Aveia) durante 2 anos; evidencia uma mucosa jejunal normal, apresentando vilosidades digitiformes e ausência de depósito de IgA.
B- mesmo paciente após 6 meses submetido à dieta de provocação com dieta contendo glúten (trigo, centeio, cevada e Aveia); as vilosidades ainda permanecem normais, porém já nítido depósito de IgA (em amarelo) apontado pelas setas.
C- mesmo paciente após 12 meses de dieta de provocação evidenciando recaida da lesão morfológica da mucosa jejunal com intenso depósito de IgA (setas).
D- mesmo paciente após a adoção de dieta isenta de gluten, porém contendo Aveia, demonstrando diminuição significativa dos depósitos de IgA.
E- mesmo paciente após 2 anos recebendo dieta contendo Aveia evidenciando total desaparecimento do depósito de IgA.
Resultados
No momento inicial do estudo os anticorpos séricos anti-transglutaminase jejunal revelaram-se negativos em todos os 23 pacientes, porém em 7 deles (4/13 no grupo aveia e 3/10 no grupo dieta contendo glúten) houve mínimos depósitos do marcador na mucosa jejunal. No grupo que consumiu apenas Aveia não ocorreu alteração significativamente importante na intensidade dos depósitos de IgA na mucosa jejunal durante o período de 2 anos de duração do estudo. Por outro lado, no grupo que se submeteu à provocação com dieta contendo glúten, a intensidade dos depósitos de IgA aumentou de forma nítida na mucosa jejunal e foi acompanhada do aumento dos auto-anticorpos séricos. A intensidade dos depósitos de IgA mostraram uma relação direta com a intensidade das lesões morfológicas observadas na mucosa jejunal e nos níveis dos auto-anticorpos séricos (Figura 1).
Conclusão
Os autores concluem que este estudo demonstrou que o consumo de Aveia deve ser considerado seguro na maioria das crianças portadoras de Doença Celíaca, porém com a ressalva de que os pacientes, que optarem por incorporar este cereal em suas dietas, devem ser estreitamente acompanhados durante toda a vida.
Este interessante trabalho traz uma nova visão sobre a inexistência de toxicidade da Aveia na Doença Celíaca, quebrando assim, uma longa tradição que perdura desde quando Dr. Dicke, o famoso pediatra holandês, demonstrou a etiologia desta enfermidade no início da década de 1950. No entanto, os autores se mostraram também suficientemente cautelosos quanto aos resultados obtidos quando recomendam que os pacientes portadores de Doença Celíaca que decidirem consumir Aveia deverão ser rotineiramente acompanhados durante toda a vida. Em outras palavras, trata-se de uma proposta não definitivamente conclusiva e que permanece aguardando confirmações de outros estudos de natureza semelhante.
No nosso próximo encontro apresentarei o segundo trabalho que também me despertou a atenção pela sua característica inovadora.
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