segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Afecções Funcionais Gastrointestinais: Um Problema Emergente e de Alta Prevalência (8)

A2. Dor Abdominal Relacionada às AFGs

Os principais sintomas e sinais de alarme que geralmente se encontram AUSENTES nas crianças e adolescentes portadoras de dor abdominal relacionadas às AFGs estão listados na tabela abaixo, a saber:

Dor persistente nos quadrantes superior ou inferior direito
Disfagia
Vômitos persistentes
Sangramento gastrointestinal
História familiar de doença inflamatória intestinal, doença celíaca ou úlcera péptica
Dor abdominal que desperta a criança do sono
Artrite
Doença perianal
Perda de peso involuntária
Desaceleração do crescimento
Retardo da puberdade
Febre de origem desconhecida

Os membros do Comitê de experts reconheceram a grande variabilidade na intensidade e no fenótipo da apresentação da dor abdominal relacionada às AFGs e, portanto, decidiram dividir a dor abdominal funcional em 2 categorias individualizadas: dor abdominal funcional na infância e a síndrome da dor abdominal na infância (SDAI). Desta forma, esta última categoria inclui uma população de pacientes com distribuição mais homogênea de sintomas. Feita esta ressalva passarei a abordar os aspectos mais relevantes das manifestações clínicas deste capítulo das AFGs.

1- Dispepsia Funcional
Estudos realizados em comunidades e em colégios revelaram que a queixa de dispepsia varia entre 3.5% e 27% segundo o gênero e o país de origem da pesquisa. Por exemplo, na Itália a prevalência da dispepsia referida por Pediatras generalistas foi de 0,3%, enquanto que nos Estados Unidos a prevalência referida por Pediatras gastroenterologistas variou de 12,5% a 15,9% entre as crianças de 4 a 18 anos de idade.

Quanto à avaliação clínica os membros do Comitê de experts concordaram que a endoscopia digestiva alta está indicada naqueles pacientes que persistem com sintomas de dispepsia a despeito do uso de antiácidos ou naqueles pacientes que apresentam recidiva dos sintomas após a suspensão do medicamento antiácido e nos casos que se deseja confirmar o diagnóstico de infecção associada ao Helicobacter pylori.
Anormalidade na atividade mioelétrica gástrica, retardo no esvaziamento gástrico, alteração na motilidade antro-duodenal e volume gástrico reduzido em resposta à alimentação têm sido descritas em crianças que sofrem de dispepsia funcional. Por outro lado, esvaziamento gástrico rápido associado a trânsito intestinal lento tem sido demonstrado em crianças dispépticas cujo sintoma predominante é a distensão abdominal.

Para a caracterização diagnóstica da Dispepsia Funcional devem ser incluídas todas as seguintes manifestações:

1. Persistência ou recorrência da dor ou sensação de desconforto localizada na região supra-umbilical
2. Dor não é aliviada após a evacuação
3. Não há evidência de processos inflamatórios, anatômicos, metabólicos ou neoplásicos que possam explicar os sintomas.

2- Síndrome do Intestino Irritável (SII)
No mundo ocidental a SII tem sido diagnosticada em cerca de 6% das crianças que cursam o ensino fundamental e em 14% das crianças no ensino médio. A prevalência da SII sobe para 22% a 45% das consultas em gastroenterologia pediátrica.

Os sintomas que cumulativamente dão suporte ao diagnóstico são: a) freqüência anormal das evacuações – 4 ou mais evacuações por dia e 2 ou menos evacuações por semana; b) formato anormal das fezes (secas/endurecidas ou amolecidas/líquidas); c) eliminação das fezes com dificuldade e sensação de evacuação incompleta; d) presença de muco nas fezes; e) sensação de distensão abdominal.
Hipersensibilidade visceral tem sido descrita em crianças que sofrem da SII. Esta hipersensibilidade pode ser devida a inúmeras causas incluindo processo infeccioso, inflamação, trauma intestinal, alergia, e também pode estar associada à anormalidade na motilidade intestinal. Há nítidas evidências de predisposição genética, bem como está associada a situações de estresse e sinais psicológicos de ansiedade, depressão e outras múltiplas manifestações somáticas. É importante ressaltar que um melhor conhecimento da SII por parte do paciente e seus familiares auxilia de forma efetiva na atenuação dos sintomas.

Para a caracterização diagnóstica da Síndrome do Intestino Irritável devem ser incluídas todas as seguintes manifestações:

1. Desconforto abdominal (uma sensação desconfortável não descrita como dor) ou dor abdominal associada a 2 ou mais dos seguintes sintomas durante pelo menos 25% do tempo:
a) alivia com a evacuação
b) instalação está associada com a alteração do rítmo intestinal
c) instalação está associada a alteração no formato das fezes
2. Não há evidência de processos inflamatórios, anatômicos, metabólicos ou neoplásicos que possam explicar os sintomas.

3- Enxaqueca Abdominal
Alguns autores têm sugerido que a enxaqueca abdominal, a síndrome dos vômitos cíclicos, e a enxaqueca com cefaléia constituem variantes de uma mesma afecção, a qual afeta os pacientes geralmente alternando de uma entidade clínica para a outra.A enxaqueca abdominal afeta entre 1% a 4% das crianças, é mais freqüente em meninas do que em meninos na proporção de 3:2 e costuma surgir ao redor dos 7 anos apresentando pico de incidência entre 10 e 12 anos de idade.

Para a caracterização diagnóstica da Enxaqueca Abdominal devem ser incluídas todas as seguintes manifestações:

1. Episódios paroxísticos de intensa dor periumbilical que perdura por pelo menos 1 hora.
2. Períodos assintomáticos de estado normal de saúde que perduram por semanas ou meses.
3. A dor interfere nas atividades normais.
4. A dor está associada a 2 ou mais dos seguintes sintomas:
a) Anorexia
b) Náuseas
c) Vômitos
d) Dor de cabeça
e) Fotofobia
f) Palidez
5. Não há evidência de processos inflamatórios, anatômicos, metabólicos ou neoplásicos que possam explicar os sintomas
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No nosso próximo encontro continuarei a discutir as mais variadas nuances e os novos conhecimentos deste excitante problema que afeta um sem número de crianças e adolescentes em todo o globo terrestre.

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