Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A renomada revista JPGN
publicou o artigo intitulado “A Clinician’s Guide to Gluten Challenge”,
de Sing A. e cols, em dezembro de 2023, que abaixo passo a resumir em seus
principais aspectos.
INTRODUÇÃO
A
Doença Celíaca (DC) trata-se de uma enteropatia crônica imuno mediada derivada
do glúten que pode se apresentar com sintomas gastrointestinais, manifestações
extra intestinais ou total ausência de sintomas. O diagnóstico da DC envolve a
avaliação dos sintomas, sorologia e histologia duodenal, cujas alterações se
normalizam sob uma dieta isenta de glúten. Por essa razão a avaliação acurada
requer que os pacientes estejam ingerindo suficiente quantidade de glúten quando
testados. Frequentemente, os pacientes reduzem a ingestão de glúten para
amenizar os sintomas, ou para testar uma presumível enfermidade. Consequentemente, os médicos podem recomendar
a provocação com glúten, o que envolve a reintrodução ou o aumento do glúten
consumido para facilitar o teste diagnóstico. Embora os vários estudos tenham
tentado identificar qual a quantidade de glúten que deve ser ingerida para
assegurar a confiabilidade dos achados sorológicos e endoscópicos, um consenso
ainda não foi alcançado. Neste trabalho, estão delineadas a indicações para a provocação
com o glúten.
MÉTODOS
A Tabela
1 aborda os contextos clínicos para a realização da provocação com glúten.
As
avaliações durante a provocação com glúten, incluem sintomas, autoanticorpos e
histopatologia. A avaliação basal inclui a estimativa da ingestão atual de
glúten, o rastreamento das manifestações gastrointestinais e extra intestinais,
e o estabelecimento de objetivos quanto ao consumo de glúten para a provocação.
A genotipagem do antígeno leucocitário humano (HLA) (DQ2, DQ7 e DQ8) pode ser uma
informação importante quanto à suscetibilidade para DC, embora não diagnóstica.
Desta forma, o teste HLA pode identificar aquele que potencialmente será
candidato à provocação com glúten, posto que há uma muito baixa ocorrência de
DC com o teste HLA negativo.
Sorologias
basais antes da provocação podem ser de particular auxílio nos pacientes que
não realizaram testes sorológicos prévios, pacientes que informam ingestões
mínimas de glúten, ou pacientes que haviam iniciado uma dieta livre de glúten
recentemente. Sorologias elevadas podem ser úteis, porém, sorologias normais em
pacientes ingerindo pequenas quantidades ou em dieta de exclusão não podem ser
utilizadas para a confiabilidade de exclusão da DC (Figura 1).
A
dosagem do anticorpo anti-transglutaminase IgA com determinação total de IgA
para excluir essa deficiência é recomendado.
INÍCIO
DA PROVOCAÇÃO COM GLÚTEN
A
provocação com glúten somente deve ser realizada após uma detalhada avaliação
clínica, associada à discussão sobre os benefícios versus os riscos. As
contraindicações incluem uma conhecida reação anafilática ao glúten,
manifestações fisiológicas graves ou sintomas debilitantes. Historicamente, o
consumo de 10g por dia durante 6 a 8 semanas tem sido recomendado. O conteúdo
médio de glúten (aproximação de 0,5g) dos 7 alimentos incluídos na base de
dados do NCC, estão especificados na Tabela 2.
MAXIMIZANDO
A ACURÁCIA
Do
ponto de vista clínico a provocação com glúten é um processo dinâmico, posto
que a ingestão diária pelo paciente varia dia a dia. A monitoração clínica é de
suma importância, posto que tanto a dose quanto a duração da provocação ao
glúten, podem necessitar de ajustes baseados em sinas e sintomas. É sugerida
uma ingestão mínima de 3 a 6g por dia durante 12 semanas para otimizar a
acurácia diagnóstica na avaliação da DC. Caso o glúten esteja provocando
sintomas leves ou nenhum sintoma deve-se aumentar a quantidade para 10g por dia
para uma observação mais prolongada (Figura 1).
Há
um consenso de que a despeito da dose e duração da provocação, elevações
moderadas das sorologias ou dos sintomas, embora sejam de auxílio apresentam
valores diagnósticos limitados. Recomenda-se, portanto, a realização de endoscopia
digestiva com estudo histopatológico duodenal para evidenciar linfocitose
intraepitelial, hiperplasia críptica e atrofia vilositária subtotal, achados
que representam o mais apropriado ponto final da provocação com o glúten.
MANEJO
DOS SINTOMAS
A
presença de sintomas é esperada durante o desafio com glúten. Estes podem
incluir manifestações gastrointestinais (dor abdominal, diarreia, flatulência)
e extra intestinais (fadiga, cefaleia). Estudos antigos sugeriram que a
resposta sintomática se agrava com o decorrer do tempo e se mostrava mais
frequente com uma ingestão mais elevada de glúten.
Os
sintomas que se apresentam com a reintrodução do glúten têm baixa
especificidade e não autoriza o diagnóstico da DC. Sorologia para DC deve ser
coletada antes da avaliação endoscópica.
CONCLUSÕES
Trata-se
de crucial importância não eliminar o glúten da dieta de um paciente antes que
a certificação diagnóstica para DC esteja completa. Quando a provocação com
glúten é necessária, sugere-se uma ingestão mínima de 4 a 6g de glúten por dia
durante 12 semanas. Uma avaliação clínica formal deve ser realizada entre 4 e 6
semanas após o início da provocação com glúten, a qual é fundamental para
permitir os ajustes nas doses e da provocação. Provocações de períodos curtos,
de 6 a 12 semanas, podem ser necessárias nos pacientes sintomáticos,
entretanto, doses mais elevadas de glúten por um tempo mais prolongado são
necessárias naqueles pacientes que não apresentam sintomas ou que apresentam
sintomas mínimos.
MEUS
COMENTÁRIOS
Este
artigo traz importantes contribuições sobre um tema que muitas vezes suscita
inúmeras discussões e dúvidas, no que dizem respeito sobre a necessidade ou não
de ser realizada a provocação com glúten, após o diagnóstico da DC. Caso o
Gastropediatra em conjunto com a família do paciente sinta a necessidade de ser
realizado um teste de provocação com glúten, esta deve ser realizada seguindo
normas bem definidas, para que se obtenham resultados confiáveis. Para que a
provocação seja exitosa devem ser seguidas algumas diretrizes expostas neste
artigo, a saber: dose a ser ingerida e o tempo que deve decorrer a exposição ao
glúten. A avaliação clínica é de importância fundamental antes de ser
solicitada nova sorologia e mesmo de ser considerada a necessidade da realização
de uma nova biópsia duodenal. Todos estes fatores encontram-se na dependência
do surgimento ou não de sintomas gastrointestinais e/ou extra intestinais.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
1- Singh A e cols – JPGN 2023;77:698-702
2- Husby S e cols – Gastroenterology 2019;156:885-9
3- Leonar MM e cols – Gastroenterology 2021;160:720-733
4- Husby S e cols – JPGN 2020;70:141-56
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