quinta-feira, 19 de dezembro de 2024

Em El Calafate na Patagonia Argentina, os glaciais Perito Moreno, Upsala e Spegazzini representam uma dádiva da natureza, e, se descortinam com deslumbrantes visuais

 Antecipando minha participação no (tema do próximo artigo),

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aproveitamos Luciana e eu para fazermos uma viagem, desde há muito planejada, para El Calafate, em especial para conhecermos o mais famoso e o maior deles, o glacial Perito Moreno, mas também, os não menos importantes, Upsala e Spegazzini.    

Não há voo direto para El Calafate, portanto, é necessário fazer conexão em Buenos Aires. No nosso caso tínhamos bilhetes comprados pela Aerolineas Argentinas (AA), mas o trecho inicial SP-BA foi operacionalizado pela Gol, que vale salientar foi uma lástima, total incompetência, tivemos que aguardar 2 horas no interior da aeronave porque estava faltando completar a tripulação. Este atraso colocava em risco nossa conexão para El Calafate, mas como o voo ia para o Aeroparque, que é central (equivale ao aeroporto de Congonhas, em São Paulo), nos deixava mais tranquilos. Finalmente, chegamos a tempo para completar a conexão com folga, porque o voo da AA para El Calafate também estava atrasado em uma hora. 

Mapa

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Em resumo, a viagem que deveria durar cerca de 9 horas durou 16 horas, porém, tudo foi de longe muito compensado pelo esplendor que a natureza, logo mais, iria nos brindar. 

El Calafate está localizada na Patagônia Argentina distando 2.834 km de Buenos Aires, são 3 horas e 15 minutos de voo. El Calafate é uma pequena cidade localizada na província de Santa Cruz, próxima à fronteira com o Chile. Possui aproximadamente 22.000 habitantes. Dista cerca de 270 quilômetros da capital provincial, Río Gallegos. 

Vista de uma praia

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Casa na beira do mar

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El Calafate surge nas primeiras décadas do século XX. Em sua origem, não era mais que um ponto de aprovisionamento dos transportes de lã, realizados em carretas desde as fazendas da região o que explica o nome originário de Kehek Aike. Foi fundada oficialmente em 1927 pelo governo argentino, com o fim de consolidar o povoamento da região. El Calafate é uma pequena cidade em franco desenvolvimento turístico, oferecendo boa estrutura hoteleira, um aeroporto moderno e ótimas opções de turismo. Suas estradas são muito boas, sinalizadas, porém de pouco movimento. El Calafate possui clima frio, com média anual de sete graus, temperaturas máximas por volta dos treze graus e mínimas por volta dos dez graus abaixo de zero. Na região, habitam exemplos extraordinários da fauna como o zorrino-patagônico (um gambá de faixa branca nas costas), o huemul (cervo), a águia Mora, os patos-das-torrentes, cauquenes, entre outros.

El Calafate se localiza às margens do Lago Argentino, o qual domina toda a região, e, inclusive também engloba o Parque Nacional Los Glaciares. 

Mapa

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Conhecida como à Terra dos Glaciares, El Calafate fica próxima ao Campo de Gelo no sul da Patagônia Argentina. A cidade recebe em torno de mil turistas por dia e possui ótima estrutura turística, com hotéis, restaurantes, estâncias e outras atividades de ecoturismo e aventura. El Calafate ficou conhecida por ser a porta de entrada para o Parque Nacional los Glaciares, que abriga 365 geleiras, sendo algumas delas, as maiores do mundo.  El Calafate é a cidade mais próxima do Parque Nacional Los Glaciares, a cerca de 80 quilômetros, onde se localiza a maior geleira em extensão horizontal do mundo: o Glaciar Perito Moreno, que se encontra em constante evolução. Também se localiza próximo de outras importantes geleiras, a saber: o Glaciar Upsala e o Glaciar Spegazzini.

Mapa

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A maior atração de El Calafate é o extraordinário Parque Nacional Los Glaciares, fundado em 1937 e declarado patrimônio da humanidade em 1981. Possui extensão de 725 mil hectares. Nele se localizam os glaciais Perito Moreno, Upsala, O'nelli, Spegazzinni, entre outros. Eles fazem parte do Campo de Gelo Patagônico, terceira maior reserva de água doce congelada do mundo, atrás apenas da Antártida e da Groelândia. São imponentes sentinelas de neve depositadas por séculos em suas origens, no alto da cordilheira dos Andes. Descem por extensões de que chegam a 170 quilômetros. O Glaciar Perito Moreno tem pontos com mais de 70 metros de altura nas faces de encontro com o Lago Argentino.

Mapa

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Interface gráfica do usuário, Site

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São formados basicamente de neve compactada, possuindo milhares de nuances do branco ao azul. Na sua maioria, terminam no Lago Argentino, onde se fragmentam desde farelo de gelo a grandes icebergs, descendo lentamente o leito do lago até seu derretimento. 

Homem em pé em frente a montanha

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Lago com montanha ao fundo

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Montanha com neve

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Os glaciais movem-se até um metro por dia, atritando-se violentamente com o terreno, moldando-o e lançando no lago sedimentos finíssimos, que ficam em suspensão na água, formando o leito dos glaciais.

Nós nos hospedamos no hotel Blanca Patagonia, muito charmoso, que fica distante cerca de 4 km do centro de El Calafate. 

Uma imagem contendo vivendo, quarto, no interior, edifício

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Homem sentado em banco de madeira

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Mulher sentada à mesa

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O hotel está localizado em um outeiro, o que nos permitiu ter uma linda visão panorâmica do Lago Argentino. Desde o hotel a empresa de turismo nos buscava e nos levava para os passeios contratados. Como tivéssemos apenas 3 dias inteiros em El Calafate, optamos por realizar 2 excursões para conhecer os glaciais, com riqueza de detalhes, foram longas excursões com 8 horas de duração cada uma. Em primeiro lugar fomos conhecer o glacial Perito Moreno, e no segundo dia os glaciais Upsala e Spegazzini. O terceiro dia reservamos para dar uma caminhada, desde o hotel até o centro de El Calafate, para conhecermos a cidade, que, diga-se de passagem, é um primor, muito bem cuidada, com inúmeros bares, restaurantes de excelente qualidade, e, inúmeras lojas de variadas especialidades. Jantamos a primeira noite no hotel porque estávamos exaustos da interminável viagem desde São Paulo até o destino final, na segunda noite fomos conhecer um restaurante tradicional, Mi Viejo, e na última noite fomos conhecer o restaurante Mako. Em ambos fomos muito bem atendidos e a comida esteve de excelente qualidade. Vale ressaltar, que contrariamente ao que pensávamos, os preços estão proibitivos em toda Argentina. 

Conforme acima referido, a primeira excursão foi feita para conhecer o glacial Perito Moreno. A Van nos buscou no hotel às 11:30 horas e nos levou para o Parque Nacional Los Glaciares, em uma viagem de cerca de 1:30 até o porto, para que pudéssemos embarcar no catamarã que navegou pelo Lago Argentino até alcançar as bordas do imponente e magistral glacial. Posteriormente, desembarcamos e aí pudemos ter uma outra visão do glacial, ao caminhar nas passarelas construídas ao longo do morro, contíguo ao glacial. Há inúmeros caminhos disponíveis para serem utilizados, com diferentes graus de dificuldade e distâncias a serem percorridas. Após a visita, rumamos de volta ao hotel, enfim estava terminada a primeira jornada. 

Lago com montanha ao fundo

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Montanha com neve

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Montanha com neve

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Montanha com neve e água ao fundo

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Pessoas posando para foto em frente a água com montanha ao fundo

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Pessoas em pé em frente a água com montanha ao fundo

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Grupo de pessoas em frente a água com montanha ao fundo

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Montanha com neve

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Mulher com óculos de sol na cabeça posando para foto com montanha ao fundo

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Agora, diretamente para o jantar, e, para tal, elegimos um restaurante de longa tradição na cidade, o Mi Viejo, e, como estamos na Argentina, para começar, claro nada melhor do que um excelente bife de chorizo acompanhado de um vinho Malbec de Mendonza, tudo isso para encerrar esta primeira experiência extraordinária.

Mulher sentada em mesa de restaurante

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No segundo dia a mesma rotina, sempre circundando o Lago Argentino, porém em outra direção, para conhecermos os glaciais Upsala e Spegazzini. Chegamos ao Puerto Bandera e aí embarcamos no catamarã para navegarmos até as bordas do glacial Spegazzini, onde o catamarã permanece alguns longos minutos para que se possa apreciar o glacial em toda sua extensão. 

Pessoas posando para foto com montanha ao fundo

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Praia com pedras e água ao fundo

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Pessoa posando para foto em frente a água

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Montanha com neve

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Posteriormente, o catamarã muda a rota e navega por outro braço do lago em direção ao glacial Upsala, e, ao alcançar a borda do glacial o mesmo procedimento é realizado, porém, uma novidade é incorporada ao passeio, os marinheiros “pescam” blocos de gelo do lago para que possam ser colocados no interior de copos contendo whisky, e, assim, o passageiro pode desfrutar seu drinque com gelo do glacial, de fato uma verdadeira e inusitada sofisticação. 

Pessoas posando para foto em frente a água

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Pessoas posando para foto em local com neve

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Terminada mais esta jornada de 8 horas de duração, decidimos jantar no próprio hotel.

O último dia em El Calafate reservamos para conhecer a cidade, fizemos uma caminhada de 4 km desde o hotel até o centro de El Calafate, apreciando as características da acolhedora cidade, para terminar a viagem com um lauto jantar no restaurante Mako. 


Mulher posando para foto em frente a banco de madeira

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Pessoas sorrindo posando para foto

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Mulher segurando urso de pelúcia

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No dia seguinte rumamos para Buenos Aires a fim de participar do 7° Congresso Mundial, evento que pela sua criação eu batalhei ardorosamente durante muitos anos, desde 1994. Felizmente, estamos já na segunda rodada da organização na América Latina. A primeira delas eu tive a honra de presidir, em 2008, em Foz do Iguaçu, portanto, considero que este evento está definitivamente consolidado. Fico com o claro sentimento de que cumpri plenamente o devido tributo ao meu eterno mentor Horácio Nestor Toccalino, que sempre sonhou para que este objetivo fosse tornado realidade.    

terça-feira, 26 de novembro de 2024

Rastreamento longitudinal para Doença Celíaca em crianças até 15 anos usando o teste genético HLA

 Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou um artigo de revisão, em fevereiro de 2024, intitulado “Longitudinal screening of HLA-nonrisk children for celiac disease to age 15 years: CiPiS study”, de Michaela Boström e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos. 

  1. Introdução 

A Doença Celíaca (DC) é assintomática em cerca de metade dos casos, porém, a abordagem diagnóstica pode ser um método de busca ativa, através do rastreamento de certos grupos de risco. O retardamento do diagnóstico é frequente, e, consequentemente são perdidos vários anos de tratamento pela dieta restrita isenta de glúten, o que pode acarretar complicações tais como, deficiência de ferro, osteopenia e osteoporose, e problemas da saúde mental. A prevalência global é aproximadamente de 1%, e maiores prevalências podem inclusive ser observadas, como na Suécia e na Finlândia. Existem testes disponíveis e largamente aceitos como marcadores para a DC, dos quais, o anticorpo anti-transglutaminase que apresenta uma performance diagnóstica média de 92,8% de sensibilidade 97,9% de especificidade, é atualmente o teste mais comumente utilizado no rastreamento da DC. Rastreamentos populacionais para a DC têm sido demandados, mas, parece haver uma necessidade para pesquisas mais aprofundadas para alcançar alguns dos critérios de rastreamento propostos pela OMS. 

A coorte de nascimento no sul da Suécia (Skane) para DC, foi iniciada para avaliar a presunção de rastreamento para DC, e examinou crianças nascidas entre 2001 e 2004, nas idades de 3, 9 e 15 anos, respectivamente, comparando as crianças portadoras dos antígenos leucocitários humanos (HLA) dos haplotipos DQ2 e DQ8 ou ambos, com crianças que não eram portadoras desses haplotipos de risco. Nós relatamos previamente o desfecho do rastreamento nas idades de 3 e 9 anos. Aos 3 anos de idade, 3,4% das crianças portadoras de haplotipos de HLA de risco foram diagnosticadas com DC em comparação com nenhuma das crianças HLA sem risco. Aos 9 anos de idade, 3,8% das crianças portadoras de HLA de risco, foram diagnosticadas com DC, comparadas com nenhuma criança portadora de HLA sem risco. Dentre aquelas crianças previamente rastreadas aos 3 anos de idade, 3,1% foram diagnosticadas com DC aos 9 anos de idade, comparados com 4,5% daquelas que nunca haviam sido rastreadas pelo teste aos 9 anos, o que indica que, o rastreamento nestas idades deve ser repetido, mas, podem ser restritos às crianças portadoras de HLA de risco. No presente estudo, são relatados os resultados do rastreamento nesta coorte aos 15 anos de idade. 

  1. Material e Métodos 

Skane é uma província do sul da Suécia que em 2004 possuía 1.2 milhão de habitantes, e, no período do registro entre junho 2001 a agosto de 2004, cerca de 39 mil crianças haviam nascido. Aos 5 anos de idade entre fevereiro de 2016 e fevereiro de 2020, 12.948 (99,4%) crianças foram convidadas para um novo rastreamento. 

  1. Resultados  

Um total de 5.969 (43,1% das 13.860 crianças convidadas) foram rastreadas pelo menos 1 vez pelo anticorpo anti-transglutaminase IgA e IgG. Neste grupo, 2.904 (48,7% eram meninas) e 2.778 (46,5% eram meninos) que pertenciam ao grupo HLA com risco. O número de crianças rastreadas nos diferentes momentos do estudo, está descrito na Figura 1. 

Figura 1

Figura 1

Ao todo, houve uma maioria de meninas em relação aos meninos diagnosticados com DC, porém, não houve diferença por sexo no rastreamento aos 3 ou aos 15 anos de idade (Tabela 1).

Tabela 1)

Tabela 1)

Dentre as crianças do grupo HLA de risco, que foram rastreadas aos 15 anos de idade, 14/1.071 (1,3%) foram inicialmente positivos para IgA ou IgG ou para ambos dos quais, 12/1.071 (1,1%) permaneceram persistentemente positivos em 2 amostras coletadas consecutivamente em comparação com 0/3.303 crianças HLA sem risco. 

Todas as 12 crianças IgA positivas, foram submetidas à EDA com biópsias e dentre elas, 10/1.071 (0,9%) foram diagnosticadas com DC e nas 2 remanescentes a biópsia revelou-se normal (Tabela 2).

Tabela 2

Tabela 2

Dentre as 12 crianças rastreadas com IgA positivo aos 15 anos, 6 (50%) tinham sido rastreadas aos 3 e aos 9 anos de idade, dentre as quais 1 havia apresentado valores elevados de IgA no rastreamento aos 9 anos de idade. Uma dessas crianças que também havia participado do estudo aos 3 anos de idade, apresentava IgA não-elevada, e 55 delas haviam participado pela primeira vez (Figura 1).  

O valor preditivo positivo para a persistência da positividade da IgA nas idades 3, 9 e 15 anos foram 78,9%, 93,5% e 83,3%, respectivamente (Tabela 2).

  1. Discussão

O presente estudo foi o primeira que seguiu longitudinalmente uma coorte do nascimento aos 15 anos de idade, e que rastreou tanto as crianças portadoras de HLA com risco como crianças HLA sem risco para DC, em tempos regularmente propostos aos 3, 9 e 15 anos de idade. Foi observada uma predominância de meninas diagnosticadas com DC em todas as idades, o que está de acordo com outros rastreamentos populacionais, e, uma meta análise prévia demonstra um risco aumentado de 1,5x nas mulheres sobre os homens para desenvolver DC.  

Este estudo, também teve um achado de grande importância, posto que nenhuma das crianças que apresentavam HLA sem risco, desenvolveu DC em todos os momentos do rastreamento. Este fato, endossa que o valor preditivo negativo do HLA DQ2/DQ8, apoiando a proposta de que o rastreamento deve ser restrito somente às populações portadoras de HLA com risco de DC.

Outro achado de relevância foi que novos casos foram detectados em todas as idades nas crianças portadoras de HLA com risco. Embora a incidência de novos casos de DC tenha declinado depois dos 9 anos, fica demonstrado que o rastreamento deve ser realizado em múltiplos momentos de tempo, para também detectar casos com início da DC em idades maiores.

  1. Conclusões 

Este estudo conclui que o rastreamento da população pediátrica em geral para DC aos 15 anos de idade detecta novos casos, mesmo naquelas crianças previamente rastreadas, e, que o rastreamento necessita ser repetido, mas deve ser limitado aos indivíduos que são portadores de HLA com risco (DQ2/DQ8). 

  1. Referências Bibliográficas
  1. Boström, M. e cols. – JPGN, 2024;78:1143-1148. 
  2. Husby S. e cols – JPGN, 2020;70:141-156
  3. Andren AC. e cols.-JAMA, 2019;322:514-523
  4. Meijer CR. e cols. – Gastroenterology 2022;163:426-436

quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Diagnóstico e manejo da Esofagite Eosinofílica nas crianças: uma atualização da Sociedade Europeia de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição em Pediatria

 


Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

A renomada revista JPGN publicou um artigo de revisão, em julho de 2024, intitulado “Diagnosis and management of eosinophilic esophagitis in children: An update from the European Society for Paediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN)”, de Jorge Amil-Dias e cols., que abaixo passo a resumir em seus principais aspectos.

  1. Introdução

Esofagite Eosinofílica (EEo) trata-se de uma enfermidade inflamatória crônica do esôfago caracterizada por sintomas de disfunção esofágica, e por infiltração predominantemente eosinofílica no epitélio escamoso do esôfago, detectável histologicamente. Esta enfermidade é provocada por mecanismos imunológicos, mais comumente deflagrada por antígenos alimentares, que causam ampla diversidade de sintomas, tais como disfagia e até mesmo impactação alimentar, e fracasso do crescimento. EEo foi originalmente descrita em adultos em 1993, e sua associação com resposta à modificação dietética, foi relatada em uma coorte pediátrica em 1995, o que permitiu sua identificação como uma entidade distinta do refluxo gastroesofágico.

As primeiras normas de conduta coordenadas para estabelecer os critérios diagnósticos e o tratamento da EEo foram publicadas em 2007 e subsequentemente revisadas, refinando definições e recomendações com normas mais precisas baseadas em evidências, em pacientes pediátricos e adultos. A ESPGHAN publicou a sua primeira norma de conduta em 2014, contendo recomendações para o diagnóstico e o manejo da EEo em crianças. Considerando-se que as pesquisas básicas, translacionais e clínicas sobre a EEo tenham, desde então, aumentado de forma intensa, o que levou ao rápido envolvimento da compreensão dos mecanismos fisiopatológicos da enfermidade e as respostas terapêuticas, a atualização das normais de conduta da EEo em pediatria tornaram-se necessárias. Enquanto originalmente alguns pacientes que eram portadores de eosinofilia esofágica, e, que apresentavam regressão da mesma durante o tratamento com inibidores da bomba de próton, fossem considerados apresentar um diagnóstico alternativo de refluxo gastresofágico, atualmente tais pacientes devem ser diagnosticados como portadores da EEo. Algumas das recentes normas de conduta publicadas têm envolvidos ambos, pacientes adultos e pediátricos. Entretanto, é nosso sentimento que como os pacientes pediátricos apresentam aspectos clínicos específicos, tais como, fenótipo predominantemente inflamatório e o potencial benefício de utilização de diferentes protocolos diagnósticos e de tratamento, este grupo de pacientes que merece uma abordagem e discussão individuais. Alterações no algoritmo diagnóstico, abordagem dietética no tratamento e manejo específico das estenoses esofágicas nos pacientes pediátricos, representam apenas alguns aspectos da norma de conduta original da ESPGHAN, que justificam a presente revisão.

  1. Métodos

Foi constituído um grupo de gastropediatras que se dedicam ao estudo da EEo, e que realizou extensa revisão da literatura que resultou na proposta de afirmações e recomendações a respeito de 28 questões relevantes sobre a EEo, as quais fazem parte desta revisão.

A tabela 1 (mantido o idioma original, em inglês) aborda as diferentes perguntas, as afirmações e as recomendações.

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

Tabela 1

A Tabela 2 explicita as principais diferenças entre a proposta atual e a norma de conduta de 2014 (mantido o idioma original, em inglês).

Tabela 2

Tabela 2

 

A Figura 1 traz a proposta de manejo e monitoração da EEo (mantido o idioma original, em inglês).

Figura 1

Figura 1

  1. Conclusões

A EEo pode causar um profundo impacto na qualidade de vida e na saúde mental das crianças afetadas bem como em suas famílias. Este profundo impacto inclui comportamento alimentar, dificuldades sociais, ansiedade, problemas do sono, depressão e problemas escolares. Os rápidos avanços no conhecimento a cerca dos fatores de risco da EEo, da endoscopia, como mais importante método diagnóstico, e os 3 pilares da primeira linha de tratamento, e, novas terapias no horizonte da EEo pediátrica, necessitam a reavaliação das propostas prévias e suas respectivas recomendações.

Referências Bibliográficas

  • Attwood SEA e cols. – Dig Dis Sci 1993;38:109-116
  • Dellon ES e cols. – Gastroenterology 2018;155:1022-1033
  • Dhar A e cols. – Gut 2022;71:1459-1487
  • Oliva S e cols. – JPGN 2022;75:325-333

quinta-feira, 18 de abril de 2024

A importância do Teste do Hidrogênio no Ar Expirado como método diagnóstico de SIBO

 

Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto

Nosso IGASTROPED oferece a realização do Teste do Hidrogênio no Ar Expirado para o diagnóstico de SIBO com sobrecarga de Lactulose ou Glicose, para crianças e adultos de quaisquer idades, bem como para o diagnóstico das intolerâncias aos carboidratos da dieta, a saber: Lactose, Sacarose, Frutose e Frutanos.

Para agendar a data do exame favor entrar em contato com a Sra. Tatianne Rocha no telefone (11) 988427324

Introdução

Vale esclarecer que a sigla SIBO representa a abreviatura em língua inglesa da entidade clínica Small Intestinal Bacterial Overgrowth, cuja tradução literal para o nosso idioma significa Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado.

SIBO é definida “como uma enfermidade na qual o intestino delgado está anormalmente colonizado por um número aumentado e anormal de microrganismos da flora colônica”.  

A importância do teste do hidrogênio no ar expirado

O Teste do Hidrogênio no ar expirado trata-se de um método diagnóstico não invasivo, reconhecidamente de grande eficácia, desde longa data, pela literatura médica internacional, e cuja experiência em nossa clínica data desde os primórdios da década de 1980. É importante enfatizar que este teste não invasivo veio substituir com inegável vantagem o antigo teste de tolerância, que além de ser invasivo, envolve inúmeras coletas de sangue de forma sequencial por um longo período.

Mecanismos de proteção do intestino delgado para evitar a colonização bacteriana

A Figura 1 representa esquematicamente de forma estilizada a distribuição normal da microbiota do trato digestivo. Em condições normais ao longo do trato digestivo no sentido craniocaudal ocorre a presença de bactérias Gram + nas porções altas do intestino delgado, não superando a concentração de 104 colônias por mililitro de secreção jejunal. À medida que nos aproximamos do intestino grosso, em particular no íleo terminal a flora bacteriana aumenta e começam a surgir as bactérias anaeróbias Gram negativas. Ao cruzar a válvula ileocecal a população bacteriana colônica aumenta significativamente alcançando cerca de 1012 colônias por ml, que é praticamente idêntica a encontrada nas fezes. 


Figura 1- Modelo esquemático da distribuição normal da microbiota do trato digestivo.

O intestino delgado sadio utiliza vários mecanismos protetores para evitar a colonização bacteriana pela microbiota anaeróbica (Figura 2).


Figura 2- Fatores de proteção contra a ocorrência de SIBO em condições normais e que podem ser suscetíveis de ruptura em situações de enfermidade.

As secreções, ácida gástrica, biliar e pancreática, inibem a proliferação bacteriana tanto a ingerida quanto aquela presente na orofaringe que deve migrar distalmente. O peristaltismo do intestino delgado impede a estase e o crescimento bacteriano. A mucosa intestinal inclui uma camada de muco e mecanismos antibacterianos intrínsecos, tais como, as defensinas e imunoglobulinas. Finalmente, a válvula ileocecal limita o movimento retrógrado das bactérias anaeróbicas colônicas.

Quando e como realizar o teste para SIBO?

A SIBO é uma síndrome clínica que pode estar associada a inúmeras enfermidades (fibrose cística, doença de Parkinson, escleroderma, diabetes e enfermidades do tecido conectivo) e, em transtornos da interação entre o cérebro e o trato-digestivo, tais como, a síndrome do intestino irritável (SII), dispepsia funcional, alterações da motilidade intestinal após cirurgia e uso de opioides e corticosteroides. Os pacientes portadores de SIBO comumente relatam flatulência e o padrão ouro de referência para o diagnóstico seria a aspiração da secreção do intestino delgado com a respectiva cultura bacteriana. Entretanto, levando em consideração o custo, o caráter invasivo e as dificuldades técnicas para a obtenção destas amostras, está formalmente indicada a realização do Teste do Hidrogênio no ar expirado com sobrecarga de lactulose ou glicose para confirmar o diagnóstico de SIBO.

As principais indicações do Teste do Hidrogênio no ar expirado estão apontadas na Tabela 1 abaixo.



Teste de sobrecarga com Lactulose

A Lactulose é um dissacarídeo sintético composto por galactose-frutose, portanto não digerível e não absorvível, visto que o intestino humano não possui nenhuma dissacaridase capaz de hidrolisar este carboidrato, e, como consequência a Lactulose é sempre fermentada pela microbiota intestinal. Neste caso deve-se utilizar a dose de 20 gramas do carboidrato diluído em solução aquosa a 10%.

Normas para a realização do Teste do Hidrogênio no ar expirado com Lactulose

O teste deve sempre ser iniciado com a obtenção da amostra de jejum para a mensuração do H2 no ar expirado. Vale ressaltar que o paciente deve estar em jejum pelo período de ao menos 4 horas. Após a mensuração do valor basal de jejum, o qual deve ser, na imensa maioria dos casos, inferior a 5 partes por milhão (ppm), o teste respiratório pode começar. O teste com a Lactulose (a dose é fixa de 20 gramas diluídas a 10% em água) para pesquisa de SIBO deve ser realizado com a coleta de amostra do ar expirado a cada 15 minutos após a amostra de jejum durante a primeira hora do teste, e a cada 30 minutos até completar 2 horas.

Interpretação do Teste do Hidrogênio no ar expirado

A interpretação do resultado do teste do H2 no ar expirado baseia-se em 2 fatores fundamentais, a saber: 1- a concentração em ppm do Hidrogênio no ar expirado e/ou 2- o aparecimento de sintomas após a realização do teste de sobrecarga.

Caso ocorra a elevação da concentração do H2 acima de 10ppm sobre o nível de jejum, dentro dos 60 minutos iniciais do teste, indica a presença de SIBO. Essencialmente há 2 possibilidades para a ocorrência deste perfil particular do H2 no ar expirado, a saber:

1-    A curva mostra um perfil de 2 picos de elevação do H2 no ar expirado, ou seja, 1 deles nos primeiros 30 minutos do teste seguido de uma diminuição na concentração do H2, o qual é seguido por nova elevação após os 60 minutos. Este comportamento do teste indica que há um “Sobrecrescimento Bacteriano no Intestino Delgado” associado à preservação da válvula ileocecal, e, também, que as bactérias presentes nas porções altas do intestino delgado foram capazes de metabolizar a Lactulose. O segundo pico demonstra que a maior porção da Lactulose foi fermentada no intestino grosso (Figura 3).



2-    A curva mostra um pico precoce, antes dos 60 minutos após a ingestão da Lactulose, o qual se mantém por pelo menos em 20 ppm acima do valor basal, sem apresentar queda no valor do H2 no ar expirado, até os 90 minutos. Esta curva apresenta um “quase” perfil de 2 picos, sem que ocorra o “vale” entre o primeiro e segundo picos (Figura 4).



Sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado (SIBO) associado a sintomas ou entidades clínicas que não apresentam evidências de má digestão/má absorção

Sabe-se que SIBO pode causar diarreia na ausência de outros aspectos clínicos de má digestão e/ou má absorção (esteatorreia, desnutrição, deficiências de vitaminas e nutrientes) desde a metade do século 20, com especial prevalência entre os indivíduos idosos.


Figura 5- Ação patológica da microbiota na SIBO sobre a gordura da dieta.


Figura 6- Ação patológica da microbiota na SIBO sobre os nutrientes da dieta.

Esta hipótese é plausível e se apoia em vários fatores. Em primeiro lugar, os fatores de risco para SIBO (hipocloridria, dismotilidade intestinal e resposta imunológica prejudicada) têm sido descritos neste grupo populacional.


Figura 7- Ação patológica da microbiota sobre a lactase na SIBO.

Em segundo lugar, inúmeros mecanismos podem ser levados em consideração para explicar a patogênese da diarreia devido à SIBO, e, a maior parte deles gira ao redor das interações microbiota-sais biliares, mesmo porque, efeitos diretos do microbioma alterado sobre o sistema neuromuscular entérico deve ser levado em consideração.


Figura 8- Ação patológica da microbiota sobre os sais biliares na SIBO.

Uma ruptura na fisiologia dos sais biliares tem sido considerada para explicar casos de diarreia sem causas conhecidas, bem como, na SII com diarreia. Embora a diarreia relacionada aos sais biliares tenha sido considerada decorrente de problemas da não reabsorção dos sais biliares pelo transportador ileal dos sais biliares, interações entre a microbiota e os sais biliares também têm sido levadas em consideração. Alterações na composição da microbiota fecal, que provavelmente refletem a microbiota colônica, têm sido descritas em associação com alterações da fisiologia dos sais biliares em pacientes com SII-diarreia, porém saber se tais alterações seriam primárias ou secundárias, necessita a realização de investigações mais detalhadas.

Uma das maiores alegações controvertidas relativas à SIBO tem sido sua relação com a Síndrome do Intestino Irritável (SII). Qual a possível relação entre SIBO e SII, embora seu nexo seja duvidoso? Tem sido demonstrado que pacientes portadores de SII, ao realizar o Teste do Hidrogênio no ar expirado após sobrecarga com Lactulose, estes testes revelaram-se positivos de forma mais prevalente do que em controles sadios. Além disso, comprovou-se a ocorrência da normalização dos testes e o desaparecimento dos sintomas após a realização de um ciclo terapêutico com antibioticoterapia. A eficácia da Rifaximina como atenuante dos sintomas na SII tem sido considerada uma evidência que dá suporte para esta associação SIBO e SII.

Alterações nos padrões motores do intestino delgado poderiam também fornecer alguma base para o conhecimento da interrelação SIBO e SII. Embora ainda pouco explorada, nos anos mais recentes, existem evidências que caracterizam uma dismotilidade intestinal na SII, porém essa hipótese ainda requer confirmação. Presume-se que a microbiota presente no intestino delgado em pacientes com SII poderia afetar o sistema neuromuscular entérico, e, por isso, ser a responsável pela dismotilidade, posto que a SIBO tem sido sugerida ocorrer em um subtipo de SII, a SII pós-gastroenterite.

SIBO tem ido proposta como responsável por impactar um outro fenômeno que poderia ser relevante para a SII, isto é, o envolvimento desde a barreira intestinal juntamente com o sistema imunológico associado ao intestino, e, pela via do eixo microbiota-intestino-cérebro, alcançar o sistema nervoso central, e, desta maneira, tornar-se um hospedeiro de tal cenário, simulando um “transtorno autoimune”.

Referências Bibliográficas

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